domingo, 24 de fevereiro de 2008

MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS E 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL





Por Jéferson Dantas

Os movimentos sociais que se fortaleceram no Brasil no início da década de 1980 (como foi o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST), tiveram importância crucial nas transformações de cunho jurídico, que culminaram na promulgação da Carta Constitucional brasileira em 1988. Nesta direção, muitos documentários foram produzidos no Brasil e em Santa Catarina sobre o tema.

Os filmes aqui selecionados, brevemente analisados, são os seguintes: a) O Canto da Terra; b) Terra para Rose; c) Terra; d) Reforma Agrária, Justiça Social; e) Terra e vida Catarina – a luta dos trabalhadores rurais sem-terra; f) Questão Agrária no Paraná. Os dois primeiros documentários foram produzidos por cineastas de ofício; Terra e Reforma Agrária, Justiça Social foram produzidos por instituições ligadas ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e à ACARESC (Associação de Crédito e Apoio Rural ao Estado de Santa Catarina). Os documentários restantes foram produzidos pelos próprios integrantes do MST em meados da década de 1980, portanto, em plena efervescência social e política no Brasil.

Os tempos de ‘abertura’ e anistia política irrestrita no final da ditadura militar (1964-1985), não surtiram os efeitos desejados na área rural, bastante prejudicada pelos desmandos da política agrária brasileira, além de conflitos generalizados envolvendo latifundiários, pequenos agricultores e milícias particulares. Com o ‘golpe’ do Colégio Eleitoral e a derrota das diretas-já, assume a presidência da República o ex-arenista José Sarney (1985-1990) devido ao falecimento de Tancredo de Almeida Neves. Durante o governo Sarney foram criados ministérios extraordinários para solucionar ou amainar os problemas no campo; todavia, a concentração de terras nas mãos de grandes grupos multinacionais (inclusive do setor de automotores) e de políticos influentes (como era o caso de Severo Gomes), neutralizou qualquer ação governamental mais enérgica. José Gomes da Silva, agrônomo, fundador da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), secretário da Agricultura no estado de São Paulo (1984-1986) e presidente do INCRA em 1985, chegou a dizer no período que a problemática do campo sofria de “inércia governamental”.

Em tal contexto, o MST se organiza na região sul do Brasil, a partir de 1984, no estado do Paraná. Em contrapartida, o aparelho estatal procura legitimar um discurso de apoio ao pequeno agricultor e evitar os conflitos generalizados na área rural. No documentário Terra, produzido pela ACARESC, admite-se que há no estado de Santa Catarina muitos latifúndios, contradizendo o documentário Reforma Agrária, Justiça Social, que ressalta a pequena área geográfica de Santa Catarina como elemento dificultador para o processo da reforma agrária, caracterizando-a como “formada por minifúndios”. Além disso, Reforma Agrária, Justiça Social vai buscar na ‘Guerra do Contestado’ (1912-1916) imagens de caboclos mortos e a reintegração das terras aos seus descendentes, dando a impressão de que o Estado estaria reparando a dor promovida pela chacina governamental que levou a vida de mais de dez mil catarinenses.

Já os documentários Terra e vida Catarina... e Questão Agrária no Paraná, são bastante semelhantes no que se refere ao caráter didático, i.e., tentam explicar as principais dificuldades apresentadas pelo MST até chegar, mais detalhadamente, na problemática do campo. Há ainda uma grande preocupação em identificar as funções de cada líder nos acampamentos, como forma de legitimar a intencionalidade de suas reivindicações a partir das ‘comissões de trabalho’. As palavras de ordem são enfáticas: “Organização e Reforma Agrária!” Os documentários supracitados revelam o desejo do MST em promover tal debate em nível nacional, contando com o apoio das universidades públicas e da sociedade civil organizada.

Nos discursos institucionais e do MST, apresentados neste período histórico (década de 1980), os antagonismos se acirram. O envolvimento de parlamentares e de grandes empresas internacionais no grande negócio fundiário criavam entraves na concepção de projetos mais sólidos para manter as famílias no campo. Além disso, denúncias explícitas contidas no documentário Terra e vida catarina... demonstram o quanto os banqueiros são intransigentes; os juros escorchantes cobrados pelos bancos não condiziam com os anos de safras ruins, dificultando a existência material de centenas de famílias e empurrando-as para os centros urbanos. Não por acaso, atualmente Santa Catarina apresenta um dos maiores índices de êxodo rural do Brasil (em torno de 90%).

Os dois últimos documentários aqui analisados (Terra para Rose e o Canto da Terra) foram realizados por cineastas de ofício. Os planos não se mantém tão estáticos e há diversos recursos interpretativos que fogem do ‘discurso direto’. O documentário Terra para Rose foi produzido em 1987 e dirigido por Tetê Moraes; trata-se da luta de trabalhadores rurais no Rio Grande do Sul para que as terras da Fazenda Anoni (improdutivas) sejam adquiridas pelo INCRA e divididas entre os agricultores. A protagonista do documentário, Rose, violentamente assassinada, torna-se um ícone pela luta no campo; a interpretação que o cineasta realiza diante do movimento social evidenciado, ultrapassa os discursos acadêmicos ou institucionais; a linguagem cinematográfica, plástica, surpreende e recria diferentes tonalidades discursivas; sensíveis afetos ao trabalhador simples e aversões pontuais aos latifundiários. Nesta direção, como afirma a pesquisadora Mônica Almeida Kornis, a “imagem não ilustra nem reproduz a realidade, ela a reconstrói a partir de uma linguagem própria que é produzida num dado contexto histórico”.

O documentário O canto da Terra, dirigido por Paulo Rufino em 1986, preocupa-se mais com a quantificação dos fatos históricos, como se os mesmos por si só fossem determinantes no processo de interpretação das desigualdades sociais. Paulo Rufino procura comparar as diferentes visões das instituições sociais em torno da reforma agrária, entrevistando políticos ligados à União Democrática Rural (UDR); líderes eclesiásticos ligados à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e também os próprios latifundiários. Os pequenos agricultores são analisados como vítimas de um sistema econômico opressor, voltado aos grandes interesses do capital.

Tal quadro histórico foi determinante para as discussões na Assembléia Nacional Constituinte, culminando na promulgação da Carta Constitucional de 1988. O então deputado federal, Luiz Inácio Lula da Silva, comentou naquele momento que a Constituição seria “sua bíblia”. Passados 20 anos, a Constituição Federal possui muitos remendos e muitas projeções jurídicas que não foram devidamente implementadas. Os movimentos sociais urbanos na década de 1990 foram sufocados e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) aprovada em dezembro de 1996, em nada lembra as discussões iniciadas naquele ano de 1988 com ampla participação de educadores de todo o país. O inchaço urbano e a engenharia dos serviços básicos prestados à população das grandes e médias cidades necessita ser reavaliada. No que tange à área rural o agribusiness tem afetado a vida de pequenos agricultores, além de não possibilitar a expectativa de trabalho e permanência dos jovens no campo. Estes fatores sociais conjugados (Educação, área rural, empregabilidade/trabalho e sustentabilidade urbana) são desafios políticos que extrapolam meras intencionalidades jurídicas, exigindo a reativação organizada dos movimentos sociais.

2 comentários:

KLEICER - por que é preciso revolucionar! disse...

Outro documentário muito importante aqui em Santa Catarina, é Reações em Marcha, desenvolvido pelo pessoal da UFSC, principalmente a jornalista Elaine Tavares.

Melisssa disse...

gostaria de saber quem são os politicos que fazem parte da UDR.