sábado, 19 de dezembro de 2009

Escuta

é uma
forma de percurso
isso
que aqui está.

não posso
duvidar
da quimera
e nem da
rosa.

a vida
desta maneira

e o segredo
roto
a nos humilhar...

suas
sapatilhas
de desenhos
gélidos.

e a
palavra
doce
deste 
dia-inverno.

eu saberia te escutar.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Livro de Jéferson Dantas na vitrine virtual AGbooks

DO QUE É DO HUMANO


Por: Jéferson Dantas
"Para entender devo me calar de maneira monástica. Retrucar seria inglório. Observar o gesto, as palavras cortantes que brotam daquela boca como ameaça sistemática. E às vezes nem era isso que ardia profundamente. Apenas o prazer de machucar, lanhar e depois cuspir. [...]. E sei que gostava de umas sujeiras; de umas ofensas cabalísticas, que findava no deleite do quartinho, onde se debulhava inteira na excitante orgia".

Autor: Jéferson Dantas
Tema: Literatura Nacional, Ficção, Poesia
Palavras-chave: existencialismo, ficção, modernidade, poética, prosa
Número de páginas: 40
Peso: 80 gramas
Edição: 1 ( 2009 )




sexta-feira, 27 de novembro de 2009

ASSIM

nesta
dança
um pouco de tua

luz


vi
tua pele
alva
e incandescente


e esta
chama
que ainda
arde

era
de manhã
no tempo
que
escolhemos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ÉGAB


o que eu sabia
era
o segredo
da casa.

casa-gelo
e ventania.

por certo
outra vida.

nem sequer
palavra
ou
distância.

égab,
a herança
tatuada
n'alma!

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Alheio


sentado aqui
vejo estas pessoas
que
se arrastam
corpos pesados
e lamentos.

e devagar
te sopro
versos
e te ensino
coisas
que julgara
ter esquecido.

ah! a manhã
que me traz
a loba-luz
que me trai
reclusão!

já não procuro
tua boca.
e aqui
de perto
olho estas pessoas
e
não desperto...

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Três


tu só
assim
em noites

a querer
voar
e a
querer
partir.

e não te
moves.

e assim
te
plantas
na cama
a morder
fronhas
e sonhos

como se
um
anjo
pudesse
lhe salvar...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

DOIS


estas horas
que não passam.

e a principal
novidade
na cidade
é uma tevê
digital
num boteco
onde
os ratos
são fregueses.

e estas horas
que não passam.

e esta tinta
tão borrada
a
pintura
d'alma
que se escapa...

UM


a janela
deixa entrar
isso
que não é meu.

és
a bota
na garganta
a me
sufocar.

e eu me desfaço
desta tua
pouca alegria

e ímpeto
de amar!



CRÉDITOS DA FOTO:
DANIEL PEDROGAM

quarta-feira, 1 de julho de 2009

HOMENAGEM A UM GRANDE INTELECTUAL



Por Jéferson Dantas

O sociólogo Paulo Meksenas, de maneira precoce, deixou-nos no dia 22 de junho. Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1984), Mestre em Didática pela Universidade de São Paulo (1993) e Doutor em Educação pela Universidade
de São Paulo (2001), Meksenas era professor adjunto IV da Universidade Federal de Santa Catarina e atuava no Programa de Pós-Graduação em Educação onde, entre outras atividades, ministrava a disciplina de Educação e Epistemologia. Na
Licenciatura em Pedagogia ministrava as disciplinas de Pesquisa e Prática Pedagógica I, II III e IV. Autor de inúmeras obras e coordenador de atividades de extensão, Meksenas descobriu tardiamente que estava com câncer. A convivência pessoal e intelectual com este grande educador marcou, profundamente, a vida de muitos estudantes, futuros educadores e colegas de ofício, que puderam desfrutar de sua sabedoria e de sua generosidade ao tratar de temas tão espinhosos e caros ao processo educacional.

Como todo intelectual engajado e erudito, Meksenas nunca fugiu dos litígios concernentes ao processo de formação de educadores, enfatizando a importância politizadora no território escolar e, fundamentalmente, a necessidade permanente da pesquisa e leitura na Educação Básica. Nesta direção, condenava o ‘senso comum pedagógico’ e políticas públicas educacionais voltadas a uma produtividade acadêmica muitas vezes estéril e pouco propositiva. Apesar de toda a sua erudição, nunca se esquivava das indagações aparentemente ingênuas provenientes de seus discípulos, além de apresentar uma postura democrática e não arrogante no convívio acadêmico. Numa de suas últimas aulas na disciplina de Epistemologia e Educação recebeu o carinho e o respeito de todos os seus alunos, que foram, praticamente, unânimes em afirmar que a sua conduta como educador era irreparável, mesmo quando os autores estudados (Marx, Weber, Comte, Merleau-Ponty, Foucault, Thompson, Agnes Heller, Bourdieu, Nietzsche, dentre outros) apresentavam diferentes níveis de apreensão teórica e metodológica. Em outras palavras, Meksenas ‘tornava fácil’ o que era, aparentemente, penoso, quando se trata de autores fundadores do pensamento humano.

O legado de Meksenas é inegável. Quando um intelectual de sua envergadura nos abandona de forma tão abrupta, sabemos o quanto a nossa responsabilidade como educadores-formadores e/ou intelectuais orgânicos se eleva. Contudo, há de se avaliar também o autocuidado que muitas vezes nós, educadores, deixamos em segundo plano, tendo em vista que o mergulho nos embates com os nossos pares e com as ações políticas enviesadas no campo educacional podem nos fragilizar organicamente e psiquicamente. Em tempos escassos de referências humanas íntegras, Meksenas nos ensinou, sobretudo, que lutar por uma condição humana melhor e por uma educação pública de qualidade é o princípio-mor de uma sociedade justa, solidária e igualitária.

CORAGEM PARA MUDANÇA!




Por Jéferson Dantas

A maneira cuidadosa ou mesmo eufemística de tratar o presidente do Senado, José Sarney, como ‘patriarca’ (melhor seria dizer ‘oligarca’) representa, em grande medida, a dificuldade que a mídia de massa tem em enfrentar lideranças políticas que se empoderaram à custa da ignorância pública e da corrupção estrutural que grassa este país. Amigo pessoal de Antônio Carlos Magalhães e abrigado em legendas partidárias conservadoras, Sarney tem tentado reeditar no Senado a velha prática clientelista e/ou patrimonialista herdada de nosso passado colonial. Eleito senador pelo Amapá, - numa evidente manobra política para continuar se perpetuando no poder - Sarney começa a vislumbrar o término de uma carreira política construída nos porões da ditadura e, ironicamente, prosseguida com o período de redemocratização do país (1985), quando legou de forma indireta a presidência da República com a morte de Tancredo Neves (membro da mesma chapa no Colégio Eleitoral).

Creio que, se pudéssemos medir os efeitos perversos e nocivos do custo social das oligarquias no Brasil ao longo de séculos, teríamos um quadro, efetivamente, devastador (e desanimador). Tais práticas calcadas no clientelismo, favoritismo e nepotismo, apresentam uma intimidade bastante tênue com o atraso social, representadas na deficiente prestação de serviços públicos essenciais. Não cabe, pois, defender quem sempre soube que cometia erros premeditados, crente na impunidade. A sensação é de que se tais ‘ranços’ forem extirpados das práticas políticas democráticas de cunho representativo e se houver possibilidades concretas de barganha originárias da sociedade civil, teremos outros níveis de entendimento democrático, que condenarão ‘atos secretos’, ‘compras de votos’, ‘alianças espúrias’ e ‘guerra declarada por cargos públicos’.

O inferno astral do presidente do Senado está apenas começando. Muitos outros parlamentares envolvidos e mancomunados com tais práticas terão de responder publicamente pelos seus atos. Aos poucos, o Brasil inicia o processo de prestação de contas com o seu passado, o que significa repensar o domínio permanente de determinados clãs políticos; a acessibilidade social dos historicamente excluídos; e, fundamentalmente, compreender as novas reconfigurações dos movimentos sociais, que poderão ser determinantes na reavaliação contra-hegemônica pautada numa agenda de ação coletiva plural e antissectária.

terça-feira, 9 de junho de 2009

JÉFERSON DANTAS ENCERRA TRILOGIA COM PUBLICAÇÃO NO CLUBE DE AUTORES

Do que é do humano
Non omnia possumus omnes

Cover_front_medium

Autor: Jéferson Silveira Dantas
Descrição:
Prosa poética de caráter ficcional, profundamente associada aos dilemas existenciais da espécie humana (estertores, erotismo, falibilidade e suspensão).

Link do site: http://clubedeautores.com.br/book/2133--Do_que_e_do_humano
Preço de venda: R$ 26,75

Edição: 1ª (2009)
Número de páginas: 40

Tópicos: Literatura Nacional.
Palavras-chave: ficção, humanidade, prosa.


terça-feira, 2 de junho de 2009

JÉFERSON DANTAS LANÇA LIVRO NA FAED/UDESC



O QUÊ: Coquetel de lançamento do livro 'COMPETÊNCIAS E HABILIDADES E A FORMAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO DAS LEIS 5.692/1971 E 9.394/1996 EM SANTA CATARINA, editado pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores (CBJE) do Rio de Janeiro/RJ.

► QUANDO E ONDE: Dia 9 de junho (3a. feira) às 19h no Auditório da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (FAED/UDESC), Campus do Itacorubi, Florianópolis/SC.

ENDEREÇO: Avenida Madre Benvenuta, 2007, Bairro Itacorubi.
► DADOS DA OBRA: A obra é uma síntese da Dissertação de Mestrado defendida pelo autor no ano de 2002 no Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (CED/UFSC) e orientada pelo Historiador e Professor Doutor Carlos Eduardo dos Reis (CED/UFSC). Fundamentalmente, esta pesquisa procurou investigar o processo de formação de educadores nos cursos de Magistério de Nível Médio em Santa Catarina e os documentos produzidos nas décadas de 1960,1970, 1980 e 1990 concernentes à estruturação curricular destes cursos.

domingo, 31 de maio de 2009

O “x”, o “y” e o “z” da Educação



Por Jéferson Dantas


Em recente pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e divulgada no dia 17 de março pelo Ibope (apresentada no Editorial do Jornal A Notícia do dia 18 de Março), o principal problema da educação básica pública para 19% dos brasileiros é a desmotivação docente. Em segundo lugar a falta de segurança e a presença de drogas nas unidades de ensino; e em terceiro lugar o número insuficiente de escolas. A baixa qualidade de aprendizagem é apontada por 9% dos entrevistados como principal problema na educação brasileira. Estes números se diferenciam dependendo do estado federativo onde foram realizadas as pesquisas.

As questões apontadas acima revelam apenas a ponta do iceberg. Para os/as educadores de uma forma geral, a questão desmotivacional está em primeiro plano, assim como revelou a pesquisa encomendada para o Ibope. Logo, entendo ser fundamental que os/as docentes consigam sair do plano da cotidianidade e se elevar ao plano da reflexão, que nada mais é do que uma ação investigativa e filosófica em relação às suas condições de trabalho. Em nenhum instante, contudo, devemos minimizar o processo desmotivacional, assim como o adoecimento docente como algo dissociado da violência estrutural impingida pela lógica do capital. A despersonalização do trabalho docente tem efeitos ruinosos principalmente no que tange ao processo ensino-aprendizagem, fazendo com que muitas vezes os educadores atribuam aos próprios estudantes a culpa pelo insucesso escolar.

Ainda que entendamos a dimensão exaustiva e conflitiva do trabalho docente, os elementos aparentes deste ofício necessitam ser descortinados para que se construa uma formação continuada que ultrapasse a mera incisão imediata ou reativa diante de tais demandas estruturais. Pois como já nos ensinava o filósofo espanhol Adolfo Sánchez Vásquez: “a essência não se manifesta de maneira direta e imediata em sua aparência, e que a prática cotidiana – longe de mostrá-la de um modo transparente - não faz senão ocultá-la”.

Assim, as experiências docentes estão vinculadas à universalidade destas relações de trabalho, pois a violência escolar, o adoecimento docente, a indisciplina, elevada carga laboral, baixos salários, pouco tempo para planejamento, gestões escolares verticalizadas, ausência das famílias na composição do projeto político pedagógico, são questões litigiosas e reconhecidas pela classe docente como primordiais. Porém, as experiências particulares da classe docente são irrepetíveis e podem se constituir em projetos pedagógicos diferenciados que leve em conta a superação do que está determinado pelas políticas públicas oficiais ou por construções curriculares etnocêntricas e esvaziadas de conteúdo político.

EDUCAÇÃO À DERIVA



Por Jéferson Dantas

Agressões em sala de aula, crianças e jovens vítimas do bullying eletrônico; ameaças sistemáticas envolvendo diferentes grupos de jovens, identificados pelas suas opções musicais, roupas, adereços, cabelos e espaços sociais compartilhados. Há muito as escolas públicas, notadamente (mas não só), têm se tornado o local privilegiado do ‘acerto de contas’, que ocorrem à revelia dos/as que estão à frente do processo educacional. E isso tem acontecido, frequentemente, com adolescentes do sexo feminino, numa demonstração de força e sustentação de liderança até então mais visivelmente associado aos rapazes. Os motivos das agressões, muitas vezes, são fúteis e torpes, como o que ocorreu recentemente numa escola estadual de Joinville. No filme-documentário do diretor João Jardim (Pro dia nascer feliz, 2007), esta realidade está bastante patente nas escolas públicas de periferia, tendo em vista que estes/as jovens estão mergulhados em contextos estruturais de violência e impossíveis de serem atendidos pelos mecanismos (pífios) de inclusão social da escola.

Contudo, a relação quase esquizofrênica envolvendo escolas e o aparato tecnoburocrático educacional, demonstra a sua total ineficácia e o jogo do ‘empurra-empurra’ no que concerne à responsabilização das demandas trazidas por esta juventude cada vez mais indiferente à escola. As gerências educacionais maximizam dinâmicas de controle em relação à obediência do calendário escolar, interpretando unilateralmente leis educacionais e retirando a autonomia das unidades de ensino quando a questão é centralmente pedagógica; mas, quando as evidências são de cunho estrutural, o Estado culpabiliza as escolas, enfatizando que as mesmas têm ‘autonomia’ para solucionar os problemas associados à violência.

Ora, se fizermos um mapeamento minucioso nas escolas estaduais catarinenses, provavelmente encontraremos centenas de relatos de violência envolvendo estudantes contra estudantes, educadores contra estudantes e vice-versa; além disso, as mínimas condições de trabalho não são respeitadas (banheiros estragados e fechados, preparo da merenda escolar sem condições de higiene, falta de água potável, tetos prestes a desabar na cabeça de estudantes e educadores, inexistência de áreas de recreação, etc.). Enfim, uma arquitetura escolar que oprime mais do que educa.

A relação ‘autista’ que as escolas têm com o aparato tecnoburocrático educacional produz, em última instância, o não diálogo e culpabilizações recíprocas que não equacionam questões emergentes, fazendo com que a Educação fique cada vez mais à deriva.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

DOCUMENTÁRIO MACIÇO

O grande problema do cinema nacional ainda é o velho gargalo da exibição e distribuição. Depois de produzido, quase sempre com recursos públicos, o filme precisa ser visto. Foi analisando essa característica da indústria cultural que a Cizânia Filmes criou o Circuito de Exibição Olhar.Doc, uma iniciativa que já começa com o apoio da Cinemateca Catarinense, do Funcine e de 16 pontos de exibição em Santa Catarina.A ideia é perpendicular à estrutura de um festival ou de um cineclube, pois ao invés de vários filmes serem exibidos num mesmo local, apenas um audiovisual será projetado em diversos pontos, acompanhado de um convidado que irá debater as questões estéticas com o público.“A gente nota que o público que frequenta uma determinada sala de exibição é cativo daquela rede de relacionamentos”, comenta Pedro MC, diretor do documentário “Maciço”, primeiro convidado do circuito. “A ideia é ótima, multidisciplinar e de grande alcance, ativando a rede dos pontos de exibição do estado”, afirma.O registro do olhar é a motivação de quem faz cinema, e nada melhor que um documentário para pensar, refletir e debater o mundo em que vivemos. Vencedor do Edital Cinemateca Catarinense / Fundação Catarinense de Cultura, “Maciço” tem 79 minutos de registro sobre as comunidades que compõem o maciço do morro da cruz, o mais denso enclave urbano da ilha.“A diversidade de temas e culturas é o foco do ‘Maciço’, que pode ser uma alegoria não só de Florianópolis mas do Brasil contemporâneo” afirma Karen Christine Rechia, produtora do filme. Após cada projeção do Olhar.Doc um ou mais convidados farão um debate a respeito dos temas suscitados no filme. Sobre o longa-metragem “Maciço”, que teve pré estreia no Cinema do CIC no dia 10 de março de 2009, as discussões não passam apenas sobre a produção, a narrativa e o mercado de audiovisual, mas também sobre a própria visibilidade das comunidades retratadas no filme.Para futuras projeções, que acontecerão livremente sem periodicidade definida, filmes catarinenses e nacionais já estão em negociação. Além de outros pontos de exibição com melhor infra-estrutura, como os cinemas dos shoppings, os espaços culturais das principais cidades do estado também vão entrar no circuito, sempre com exibições gratuitas.
Serviço: I Circuito de Exibição Olhar.Doc
Filme: Maciço
Direção: Pedro MC
Duração: 79 minutos
Ingresso: Gratuito
07 de Maio, 19h, Auditório Antonieta de Barros (ALESC)
Rua Doutor Jorge Luz Fontes, 310 Centro.
Informações: 48 3221.2500
Convidados: Vilson Groh, Jéferson Dantas, Karen Christine Rechia e Ed Soul
Mais Informações: www.olharpontodoc.blogspot.com
(48) 3025.5375 8405.5375 3304.2877

quinta-feira, 12 de março de 2009

Excomunhão e contradição



Por Jéferson Dantas


No estado de Pernambuco, uma menina de 9 anos foi violentada sexualmente pelo padrasto e engravidou de gêmeos. Em tal situação (estupro), levando-se em conta a idade da menina e para não colocar em risco a vida da mãe, o aborto é uma ação legalmente aceita no Brasil. Todavia, o reacionarismo clerical condenou/abominou tal atitude e excomungou a família e a equipe médica responsável pelo aborto. O porta-voz da condenação medieval foi o bispo de Olinda e Pernambuco, tendo suas declarações acolhidas imediatamente pelo Vaticano.

Durante mais de oito séculos a Igreja Católica comandou uma verdadeira caçada aos intelectuais e às mulheres ditas ‘diferentes’, ou seja, que não se enquadravam em seus preceitos eivados de ignorância e revanchismo. Em pleno século 21 o ranço medieval volta à carga com a infeliz declaração do bispo. Curioso e contraditoriamente, o papa Bento 16 afirmou ontem (dia internacional da mulher) que todas as mulheres do mundo sejam respeitadas em sua dignidade e potencialidade. No caso da menina pernambucana, pobre e vítima de violência sexual, o respeito à sua dignidade, pelo visto, passa ao largo.

Nenhum meio de comunicação razoavelmente digno de receber esta alcunha, eximiu-se de divulgar o caso e reprovar o tresloucado gesto do bispo, possivelmente alheio aos dramas humanos e o que significa para a saúde de uma criança de 9 anos estar grávida. É a mesma Igreja que condena as pesquisas em células-troco para salvar vidas e o uso de contraceptivos nos países miseráveis da África. Sem dúvidas, um episódio que expõe o anacronismo de uma instituição nefelibata.


[

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O olhar do civilizador



Por Jéferson Dantas

A maneira como determinados setores políticos e prestadores de serviço da Europa enxergam o Brasil, necessita ser problematizado para além de suas aparências. Recentemente, o compositor e violonista Guinga, um dos grandes talentos da MPB, foi agredido no aeroporto de Barajas, Madri, algo que tem ocorrido com frequência quando se trata de brasileiros na Espanha. Depois de passar pela revista de raio-X, Guinga percebeu que o seu casaco havia sido furtado com documentos, dinheiro e o passaporte. Ao solicitar ajuda a um policial espanhol, este lhe respondeu de maneira ríspida que não era de sua alçada o furto. Ao insistir com o policial foi agredido fisicamente e teve dois dentes quebrados. Além disso, ficou retido no aeroporto durante dois dias por ‘desacato’. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil soube do acontecido apenas pela imprensa, denotando uma grande fragilidade deste setor no que concerne à proteção do cidadão brasileiro fora de seu país.

No que tange ao caso do refugiado italiano Cesare Battisti, acusado de quatro assassinatos na década de 1970, o deputado italiano Etttore Pirovano alegou que o Brasil não tem condições de mantê-lo sob a sua guarda, tendo em vista que o nosso país é mais conhecido pelas nossas ‘dançarinas’ do que pelos nossos ‘juristas’. Percebe-se aí um profundo desrespeito às mulheres brasileiras e à autonomia do Judiciário brasileiro, visto aqui como inepto e incompetente. Estes dois exemplos são suficientemente esclarecedores no que se refere à visão que os países europeus têm em relação ao Brasil e aos demais países latino-americanos. Ainda persiste a trágica e perversa relação do colonizador contra o colonizado.

Ao remetermos esta discussão para os campos da História, Sociologia e Antropologia, possivelmente encontraremos farto material de abuso de poder das autoridades européias aos trabalhadores e estudantes brasileiros, compelidos a retornarem para o Brasil devido a um elevado senso discriminatório. Em Portugal, por exemplo, as mulheres brasileiras são vistas, genericamente, como prostitutas. Neste sentido, ainda que se encontrem legalizadas no país, enfrentam imensas dificuldades para alugar um imóvel, sofrendo insultos gratuitos e diferenciação salarial no trabalho; os brasileiros recebem, em grande medida, informações errôneas dos serviços públicos prestados em Portugal e muitos lusitanos interrompem um simples diálogo ao perceberem que o sotaque de seu/sua interlocutor/a é brasileiro.

Em linhas gerais, toda essa discriminação abusiva contribui para uma relação pouco amistosa entre brasileiros e europeus. O Brasil, nesta direção, não é considerado um ‘país sério’. Carrega consigo a pecha de exportar carnaval, samba e turismo sexual. E nesta discussão de cunho histórico, deveríamos fazer algumas indagações: este tipo de discriminação não contribui para um ideário fascista? Os mesmos detratores europeus, não são os mesmos que exploram a força de trabalho dos imigrantes? A imigração surgiu do nada? A longa e sangrenta colonização européia na América não carrega consigo os seus efeitos históricos até hoje? Com a palavra os civilizados europeus...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

50 anos de uma revolução centenária





Por Jéferson Dantas

A revolução cubana completou 50 anos em janeiro, mas é necessário resgatar, historicamente, o espírito desse movimento. Com a sua independência política ocorrida em 1898, Cuba permaneceu sob a tutela estadunidense, alternando governos subornáveis e submissos à Casa Branca. A ilha caribenha não passava de um protetorado dos EUA, algo que permaneceu até 1934, quando, finalmente, foi revogada a ‘Emenda Platt’, uma espécie de adendo à Constituição cubana, que permitia a intervenção política de Washington em qualquer tempo.

Grande parte da população cubana até a época da revolução era de origem rural, entretanto, não tinham acesso à terra e viviam em precárias condições de existência. Durante as décadas de 1930 e 1940, Cuba vivia imersa na corrupção, violência, desmandos e turbulência política. Não por acaso, tal quadro social foi exaustivamente explorado pela indústria cinematográfica estadunidense, objetivando desqualificar os feitos da revolução cubana. O então presidente cubano, Fulgêncio Batista, que chegou ao poder através de um golpe, construiu ao seu redor uma estrutura de governo autoritária e totalmente avesso às principais reivindicações populares. E foi durante o seu governo que se organizou um movimento guerrilheiro de cunho nacionalista, liderado pelos irmãos Castro, Cienfuegos e Guevara. A guerrilha nacionalista aliada ao partido comunista chegaria à vitória definitiva em janeiro de 1959.

Com a consolidação da revolução, o governo de Fidel Castro se aproximaria da ex-URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), num contraponto à política hegemônica dos EUA no continente americano durante a Guerra Fria (1945-1989). O bloqueio ou embargo econômico realizado pelos EUA à Cuba vem deste período, além de inúmeros atentados e golpes frustrados da CIA ao governo de Castro. Cuba também foi excluída da OEA (Organização dos Estados Americanos), tornando-se a única área de influência soviética na América.

Ainda que pese sobre o governo dos irmãos Castro todas as divergências possíveis, principalmente no que tange ao culto à personalidade política e extinção dos partidos, as conquistas sociais em Cuba são inegáveis, notadamente nas áreas de saude e educação. O fim do embargo econômico à ilha não depende de uma suposta ‘boa vontade’ do recém-eleito presidente dos EUA Barack Obama. Nesta direção, os Estados latino-americanos precisam mais do que nunca fortalecer seus fóruns decisórios e encontrar alternativas conjuntas a um modelo de supremacia eivada de ranço imperialista. A revolução cubana precisa ser lembrada como uma ação coletiva corajosa num contexto de omissão, submissão e dependência econômica dos demais paises da América.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um novo ano...

Por Jéferson Dantas

Isto que nos arvora a cada fim de ano, crentes numa mudança essencial. E são as nossas vontades e desejos em jogo... Ouvir a música preferida, telefonar para o amigo distante, ser surpreendido por um alô de um amigo distante...
Não reavaliamos apenas o curto trajeto de um ano, mas o trajeto de uma vida inteira. Tudo está tão encadeado! E a nossa potência criativa se transborda quando é possível compartilhar nossos medos, aflições e afetos singulares.
Que 2009 venha com seus novos desafios... despertando-nos da apatia coletiva, ajudando-nos a (re)construir um mundo mais justo e fraterno!

sábado, 13 de dezembro de 2008

O nefasto AI-5


Por Jéferson Dantas

No ano em que se comemoram os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos, o Brasil também rememora o fatídico Ato Institucional nº 5 (AI-5), decretado pela ditadura militar no dia 13 de dezembro de 1968 e que impôs a todos os brasileiros o regime da mordaça, do silêncio e do medo. Foi com a posse do general Costa e Silva em 1967 que o período ‘linha dura’ do regime militar teve seu início, culminando com o fim do mandato do general Médici em 1974. Depois, houve a lenta e gradual distensão política iniciada por Geisel e concluída por Figueiredo (1974-1985). O Estado de Exceção afastou os militares ditos ‘moderados’ e todos os políticos civis. Constituiu-se um aparato repressor paralelo ao Exército e o recrudescimento das torturas e intensificação sem controle da estratégia da suspeição.

O fechamento do regime e a demora em reabrir o processo político prometido pelo marechal Castelo Branco, fez com que um elevado contingente de lideranças políticas civis, estudantes, setores progressistas da Igreja Católica e ex-presidentes da República fossem colocados na ilegalidade. A marcha dos cem mil no estado do Rio de Janeiro exigindo a redemocratização foi a gota d’água para os militares linha-dura. Com a organização da oposição e as ações armadas, o regime militar ativou/criou novos ‘instrumentos legais e ilegais’ para combatê-las. Com o AI-5 editado sem ‘prazo de validade’, os generais-presidentes podiam suspender o habeas-corpus, intervir nos estados e municípios; demitir e aposentar funcionários públicos (incluindo professores universitários); cassar políticos ‘desviantes’ e prender lideranças sindicais. A censura aos meios de comunicação recrudesceu e era terminantemente proibido fazer qualquer crítica negativa ao regime militar. Estabelecia-se, assim, o Estado de Segurança Nacional!

Quarenta anos depois, as seqüelas deste período amargo e melancólico da história brasileira estão longe de serem apagadas. Arquivos guardados a sete chaves pelas Forças Armadas ainda continuam inacessíveis aos pesquisadores e, fundamentalmente, inacessíveis aos cidadãos brasileiros que têm direito de conhecerem cada ato de tortura (crime imprescritível) realizado pela ditadura militar, assim como a localização exata dos corpos de presos políticos desaparecidos. Toda a bruma de terror herdada do período militar permanece no imaginário coletivo nacional como um fantasma. Cabe ao Estado de Direito, com a devida pressão da sociedade civil, reescrever a história deste país com justiça, eqüidade e, principalmente, respeito à memória das vítimas de um regime inescrupuloso e ainda bastante ileso em relação às suas práticas brutais.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Os espaços sociais como experiências libertadoras



Por Jéferson Dantas

Em contraponto às utopias tradicionais, defendidas, principalmente, nos séculos 18 e 19 e tendo como teóricos fundantes Fourier (1768-1830), Owen (1771-1858) e Proudhon (1809-1865), o geógrafo britânico David Harvey (foto à esquerda) enaltece o ‘utopismo dialético’. Sua obra Espaços de Esperança (2006, Edições Loyola) é uma referência teórica efetivamente libertadora nestes tempos de discursos hegemônicos, ou como dizia a ex-primeira ministra britânica, Margareth Tatcher, um momento histórico onde ‘não há alternativas’. Tal concepção político-ideológica (neoliberalismo) abrigada sob o espectro da globalização acomete um contingente populacional significativo à miséria ou à total indigência social.

As contradições evidenciadas entre capital e trabalho ou entre as forças produtivas e relações de produção, hodiernamente, ocultam-se sob os auspícios da flexibilização do capital e na busca de recursos humanos polivalentes, o que demanda ‘novas competências e habilidades específicas’. Todavia, as particularidades do mundo produtivo não podem ser compreendidas como ações meramente reativas à violência impingida pelo capital. Em outras palavras, os arbitrários culturais criados, alimentados e reproduzidos pelo modus operandi do sistema capitalista não devem ser encarados como algo ‘natural’ nas mais diferentes e diversas esferas sociais. A universalidade e as particularidades sociais encontram-se intimamente enredadas, pois os processos relacionais são dialéticos e não determinados a priori. A realidade concreta não é uma justaposição de eventos desconectados. Como bem assinala Harvey, temos de refazer os nexos históricos e geográficos que os pós-modernos fragmentaram. Mas, por que pensar a transformação da realidade? O que significaria um ‘utopismo dialético’ em tal estágio das forças produtivas materiais? Ora, antes de tudo, pensar em novas possibilidades de existência e de resistência nos espaços sociais atualmente conformados aos arbitrários culturais dominantes. Exige, sobretudo, que façamos a crítica – e não só – ao legalismo formal (com todas as suas regras, sanções e uma jurisprudência desmobilizadora); e ao Estado como um todo, que funciona como mediador privilegiado das tensões entre capital e trabalho. Não por acaso, espaços educativos são terrenos concretos e simbólicos onde impera a verticalização do poder; onde não há ‘tempo’ e nem ‘espaço’ para a criação e o planejamento. Os/as agentes de mudança ou os/as ‘arquitetos/as rebeldes’, como prefere Harvey, quando conseguirem se livrar das amarras do imediatismo produtivo e do mundo da aparência, poderão se conectar com outras redes colaborativas. São estas redes organizadas os germens disruptivos que farão frente ao estabelecido, gerando espíritos consistentemente politizados e atentos ao assombro acelerado da barbárie.

Nesta direção, a metáfora do literato português José Saramago na obra ‘Ensaio sobre a cegueira’, traduz de forma trágica e não menos real, que a espécie humana em situações-limite ou diante de tragédias comuns, comporta-se de forma irracional e brutalmente violenta. A cegueira coletiva da qual somos todos tomados, recrudesce - quando diante de catástrofes naturais como esta que assolou parte do estado de Santa Catarina – não é compreendida de forma ampla. Boa parte dos desabrigados, desalojados e famintos catarinenses, são homens e mulheres que sempre viveram em espaços precários e de risco permanente. Logo, pensar a cidade e os territórios institucionalizados é pensar em alternativas litigiosas que vislumbrem espaços coletivos humanizados e harmonizados. Sobretudo, ultrapassar os limites espaços-temporais desenhados pela predatória lógica capitalista, onde o que está no horizonte é a especulação imobiliária, destruição de recursos naturais, poluição incessante de automotores e templos de consumo para um extrato social diminuto. David Harvey nos faz refletir sobre que espécie desejamos ser daqui por diante: predatória ou solidária? Bárbara ou socializadora?


PARA SABER MAIS

HARVEY, David. Espaços de Esperança. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 2ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.



segunda-feira, 24 de novembro de 2008

As chuvas em Santa Catarina e o descaso do Poder Público






'São anos de descaso do poder público em Santa Catarina', avalia pesquisadora

Guilherme Balza, do UOL Notícias/ São Paulo (SP)

As características do solo e do relevo e as condições climáticas anômalas não são capazes de sozinhas explicar a tragédia ocorrida em Santa Catarina. Mais do que os fenômenos naturais, o descaso do poder público ao longo das últimas décadas foi a principal razão do elevado número de mortos, desabrigados e desalojados em decorrência das chuvas que atingiram o Estado no mês de novembro. Quem faz essa avaliação é a geóloga e pesquisadora do grupo de estudos de Desastres Ambientais da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Maria Lúcia de Paula Hermman.
A Defesa Civil de Santa Catarina registrou, até o momento, 50 mortes, 7.703 desalojados e 15.434 desabrigados, vítimas, sobretudo, de inundações, desabamentos e deslizamentos de terra. Para a pesquisadora, que monitora os desastres ambientais ocorridos no Estado desde 1980, "há muito tempo essas tragédias vêm se repetindo em Santa Catarina e nada de efetivo foi feito por parte do poder público".
Hermman admite que uma quantidade incomum de chuva atingiu o estado nos últimos dias, mas avalia que não houve, ao longo dos anos, o esforço necessário dos governos e prefeituras para impedir ocupações irregulares em encostas de morro e em planícies fluviais, locais que sofrem quando há grande ocorrência de chuvas.

Solo e relevo catarinense

A pesquisadora explica que, ao longo do litoral de Santa Catarina, distribuem-se três grandes "serras". A primeira, semelhante à "Serra do Mar" do sudeste, começa no extremo norte do estado e vai até Joinville; a segunda, conhecida como "Serra do Leste", vai de Joinville até o começo do litoral sul; e a terceira, "Serra Geral", ocupa o litoral sul de Santa Catarina até o Rio Grande do Sul. Nas proximidades dessas serras estão algumas das principais e mais populosas cidades catarinenses, como Joinville, Blumenau, Itajaí e Brusque.
De acordo com Hermman, uma boa parte da população litorânea de Santa Catarina reside nas médias ou baixas encostas destas serras. Enquanto as moradias localizadas nas médias encostas são suscetíveis a desmoronamentos, as situadas nas baixas encostas costumam ser atingidas por deslizamentos de terra.
"Nas baixas encostas há uma camada espessa, extremamente permeável, conhecida como 'manto superficial', formada pelo desgaste das rochas, causado pelas ações do sol, dos ventos e das chuvas. Essa camada fica entre a superfície e a rocha dura. Quando chove muito, a água ocupa toda essa camada, o manto fica encharcado e os deslizamentos inevitavelmente acontecem", explica a pesquisadora.

Rios

Outra região de risco, segundo Hermman, são as planícies fluviais, ou seja, regiões localizadas próximo das margens dos rios, que sofrem constantes inundações nos períodos de chuva.
"A legislação impede a ocupação de áreas a menos de 30 m de distância das margens dos rios, mas isso não é respeitado em Santa Catarina". A pesquisadora conta que no Vale do Itajaí, região do Estado mais afetada pelas chuvas, uma parcela significativa da população reside nas planícies fluviais.
"Várias cidades, como Blumenau, por exemplo, são cortadas por rios. Muitas rodovias, inclusive, foram construídas próximas dos leitos dos rios", diz. "Não há como transferir uma cidade de lugar, obviamente, mas o governo pode tomar várias medidas, como dragar os rios, aprofundar os canais, retirar as pessoas das margens, construir muros, limpar bueiros, coibir ocupações clandestinas, aplicar multas pesadas, entre outras. As cidades precisam ser reestruturadas e planos de prevenção mais efetivos necessitam ser colocados em prática para evitar tragédias como esta que Santa Catarina está vivendo", completa Hermman.


Prevenção e apoio

O coordenador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE), Gustavo Carlos Juan Escobar, acredita que a Secretaria Nacional de Defesa Civil foi informada em tempo suficiente para se articular com a Defesa Civil de Santa Catarina e impedir que uma catástrofe acontecesse em Santa Catarina.
"Alertamos as autoridades competentes na quarta-feira (19), três dias antes das chuvas mais intensas. Nesses dias dava para ter feito muita coisa para minimizar os efeitos das chuvas", disse.
"Nos municípios mais atingidos, como Itajaí, Blumenau, São Francisco do Sul e Luis Alves, choveu em quatro dias - de sexta (21) à terça (24) - quatro vezes mais do que a média histórica mensal para o mês de novembro. O que precisa ser feito é um trabalho preventivo de longo prazo e uma reestruturação das cidades", avalia.


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A República nossa de cada dia



Por Jéferson Dantas

As comemorações referentes aos 119 anos da proclamação da República, que acontecem amanhã (15 de novembro), precisam ser devidamente problematizadas à luz do conhecimento histórico. De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, o propagandista mais fervoroso das idéias republicanas, Aristides Lobo, sintetizou de forma muito nítida a participação popular: “O povo assistiu a tudo de forma bestializada”, demonstrando o seu desapontamento pela qual o novo regime havia sido proclamado. Segundo Lobo, o povo que deveria ter sido o protagonista do ideário republicano, não compreendia o que se passava à sua volta, julgando que aqueles homens fardados nas ruas do Rio de Janeiro estariam participando tão-somente de uma parada militar. Seguindo esta mesma lógica de raciocínio, o escritor carioca Lima Barreto (1881-1922) disse numa determinada ocasião que o “Brasil não tinha povo, mas público”.

Levando em consideração tais aspectos, podemos dizer que o Estado republicano nacional ‘inaugurado’ em 1889 teve pequenos intervalos democráticos. A chamada 1ª. República (1889-1930) enfrentou antigas feridas mal curadas herdadas dos períodos colonial e imperial; o massacre à Canudos (Bahia) por meio de cinco expedições militares (1893-1897), por exemplo, retirou a vida de, praticamente, 30 mil brasileiros. Acusados de monarquistas e de ferirem os valores cristãos, Canudos foi esmagado finalmente no ano de 1897, através de um efetivo militar jamais visto na história do Brasil. Os poucos sobreviventes – em sua maioria, mulheres e crianças – foram violentados e degolados.

Na primeira década da ‘jovem República’, a oligarquia cafeicultora paulista, ao assumir em regime de revezamento com Minas Gerais, o poder executivo nacional, instaurou a ‘República do Café com Leite’ (1898-1930), estabelecendo os pilares de como o país seria governado: agroexportação (café) e exploração incessante de uma mão-de-obra agrária em condições de semi-escravidão. Novamente, a República ‘moderna’ e liberal brasileira destruiriam um movimento de pequenos agricultores em Santa Catarina, conhecido como a ‘Guerra do Contestado’ (1912-1916). Neste novo massacre do Estado republicano, aproximadamente 15 mil brasileiros foram esmagados para beneficiar os interesses do capital privado internacional. Tantos extermínios sistemáticos continuaram ocorrendo na trajetória nada feliz da jovem República. O período varguista (1930-1945), marcado pela ditadura do Estado Novo, intervencionismo nos estados federativos e censura aos meios de comunicação, também foi responsável pela eliminação física de milhares de brasileiros à custa dos interesses da pátria. Outro exemplo significativo foi a expulsão de pequenos artesãos, mendicantes e prostitutas dos centros da cidade do Rio de Janeiro em 1904 (Revolta da Vacina), então capital da República, pelo prefeito-engenheiro Pereira Passos, desejoso de uma sanitarização social.

Reconhecer os massacres do Estado republicano e a ausência de um projeto social para o Brasil já seriam suficientemente notáveis para se compreender as omissões nos setores estratégicos (educação, saúde e infra-estrutura). Contudo, conflitos ideológicos de contornos internacionais (Guerra Fria) tiveram efeitos nefastos para o Brasil e para toda América Latina. A Ditadura Militar (1964-1985) deixou marcas indeléveis em muitas gerações de brasileiros: desaparecimento de presos políticos; torturas; tática da suspeição; fechamento da imprensa livre; mordaça na classe artística; exílios compulsórios; e destruição do modelo educacional em todos os níveis de ensino.

Por conseguinte, abarcar todas as contradições do modelo republicano brasileiro – e aqui tenho plena convicção dos reducionismos históricos –, é compreender os limites de uma democracia liberal legalista, conduzida muitas vezes por tecnocratas e por poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) bastante afastados dos interesses coletivos; um Congresso Nacional formado por 513 deputados e 81 senadores, muitos deles apoiados pelas bases ‘ruralistas’, ‘evangélicas’ e ‘empresariais’. Tal ‘representatividade’ não contribui para elevar o debate sobre a desigualdade social e diminuir a concentração de renda. A política do consenso pela força durante o regime militar foi substituída hodiernamente pela política do consenso legalista (a saída para os problemas sociais é de ordem técnica e não de ordem política). Princípios democráticos esvaziados e uma classe política narcísica ou arrivista têm conduzido o país a uma esquizofrênica conjunção de maniqueísmos levianos e por projetos de poder que reduzem a importância da ideologia e da participação popular.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

No limbo


não há certeza

e isso

não importa.


bate-me a porta

e não volta.


ri de tudo

e se conforma.


e a louca-libido

te conforta

como narcótico

e enxurrada.


e limpa

despida

reage

ao segredo do desejo.


e eu fui teu

nestes

acordos mal

costurados do tempo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A lógica da "cegueira"




Por Jéferson Dantas

O livro “Ensaio sobre a cegueira” do escritor português José Saramago e recentemente levado às telas pelo diretor brasileiro, Fernando Meirelles, é uma metáfora extremamente lúcida da incapacidade humana em construir laços de solidariedade, mesmo diante de uma tragédia comum. Saramago relata com bastante sensibilidade como as pulsões mais instintivas e/ou bárbaras corroem uma sociedade pautada no desprezo à vida e ao seu semelhante. Uma explosão anômica sem precedentes, que não escolhe grupo social, gênero ou etnia.

A lógica da “cegueira humana” se configura, nesta direção, na incompreensão coletiva de como se engendram todas as formas de exploração de homens, mulheres e crianças; o porquê de existir tanta desigualdade social e concentração de renda; e a naturalização da violência em suas dimensões física e simbólica. É esta mesma cegueira que inviabiliza lutas sociais mais consistentes; que lança à margem àqueles/as que nunca terão acesso ao processo de escolarização e, que por esta mesma razão, correm o risco de serem inempregáveis e mais propensos à indigência.

Contraditoriamente, combatemos, exaustivamente, nossos pares. Plantamos e semeamos a discórdia e nos vangloriamos de representarmos lideranças desagregadoras. Sabotamos projetos alheios e nos aliamos a determinadas concepções políticas que favorecem a acumulação do capital privado à custa da produção coletiva pública. Nossos interesses se definem tão-somente naquilo que é mais imediato e, portanto, totalmente descolado dos nexos históricos que medeiam nossas relações laboriais e afetivas.

Uma sociedade sitiada pela cegueira metafórica é promotora de todos os desmandos nas áreas política, econômica e cultural; não por acaso, o mundo está em crise pela arrogância dos ‘mercadores de almas’, que decidem quem poderá comer hoje e amanhã. Os danos são irreparáveis e inconseqüentes. E enquanto isso os/as cegos/as marcham incólumes, embrutecidos, esperando, quem sabe, uma redenção metafísica atemporal, a-histórica, desprovida de toda e qualquer materialidade.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O assombro da barbárie

é rubra
essa dor
que lancina.
e tua cor
fábula
inexistente.
atina
que meu corpo
arde.
e esta
louca nave
que resiste?
e este tempo
de assassínios
e fragmentos?
arriba
marujo das
hostes lamuriantes...
enxerga
a fornalha
e a cega paga destes incautos!
entregar
só o que podes
esmagando dentes e pernas!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Os Analfabetos da Escola


Por Jéferson Dantas


Em recente pesquisa divulgada pelo IBGE, identificou-se que mais de 80% das crianças e jovens que ainda não sabem ler e escrever estão na escola. Tal situação, que vem se agravando nos últimos anos nas escolas brasileiras precisa, porém, ser mais bem problematizada. Acompanham estes índices as diversas reclamações de educadores, que defendem punições mais severas aos estudantes (na pesquisa, mais de 60% dos educadores exigem sanções sumárias para estudantes violentos ou que de alguma maneira ‘não se adaptam’ às regras da escola).

Em primeiro lugar, a violência escolar não pode ser compreendida descolada da violência estrutural. Uma das queixas mais freqüentes dos educadores é a falta de participação das famílias nas escolas e a desestruturação das mesmas. Ora, de que modelo de família estamos falando? Da família nuclear com suas divisões domésticas clássicas onde o pai era o provedor? Ou de famílias onde as mães são as responsáveis pelo sustento familiar ou ainda de famílias constituídas apenas de tios, avós ou agregados? Evidente, que acompanha este raciocínio, o fato dos/as educadores/as terem exíguo tempo para os planejamentos coletivos, o que demandaria, no limite, estudos sobre o entorno social; estratégias de aproximação escola e família; aulas de reforço para os/as estudantes com dificuldades sérias de aprendizagem e, sobretudo, dedicação exclusiva para as atividades pedagógicas numa única escola. Mesmo com estas mudanças (necessárias, sem dúvida alguma), isto não bastaria. As condições de trabalho e planos de carreiras pouco atraentes não conseguem seduzir jovens educadores ingressantes, que cada vez mais abandonam a carreira do magistério, fazendo com que o ambiente escolar fique cada vez mais ‘desabitado’ (absenteísmo docente).

Se o poder público não reconhecer estas demandas da escola, as escolas públicas brasileiras continuarão penando com os índices altíssimos de repetência, evasão e violência. A formação adequada dos/as educadores exige, sobretudo, o reconhecimento de seu ofício como ‘profissão’. Improvisos pedagógicos, ambiente educacional hostil, hierarquia verticalizante, descompromisso com o público e a ‘desistência’ em relação às crianças e jovens que mais necessitam da escola, representa um enorme prejuízo à nação. Em suma, uma tragédia anunciada pesquisa após pesquisa.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A arte dos encontros




Por Jéferson Dantas


No turbilhão do mundo infoviário minha caixa eletrônica está repleta de spams, lembretes de responsabilidades acadêmicas, prazos para entrega de resenhas críticas e de textos definitivos para um congresso que será realizado no ano que vem. E, mesmo quando recebo um e-mail de um/a amigo/a, tudo não passa de um anexo com uma apresentação em Power Point. Certo dia, uma colega me confidenciou que não se permite mais entrar em contato com os amigos, pois acredita que tal atitude pode ser compreendida como ‘invasiva’. Já nem conseguimos mais atinar que a ‘invasão’ ocorre todos os dias em nossas casas, escritórios, escolas e ruas da cidade, através de sofisticados mecanismos eletrônicos de vigilância. O Big Brother se materializou na aposta trágica de Orwell.

As grandes rupturas sociais ocorreram nos momentos de elevada crise econômica e de instabilidade das instituições políticas. O gérmen de todo processo revolucionário sempre esteve permeado pela celebração à vida e às experiências elaboradas de trabalhadores e trabalhadoras de diferentes ofícios. A humanidade nos séculos 18 e 19, ainda que timidamente, começava a deixar para trás as indeléveis marcas do misticismo religioso, embora convivesse com as terríveis contradições do escravismo e os limites impostos pelas Monarquias Absolutistas. O racionalismo político e científico possibilitou novas rupturas neste estágio da humanidade. Entretanto, encontros secretos nas tabernas; nas casas de tecelões e artífices; na coletividade dos quilombos; na festividade do sincretismo religioso e nas rodas de batuques, apresentavam possibilidades de identificação social concreta, embora não necessariamente imediatas. O que significou/significa esta herança social para todos nós no século 21?

Ora, a ‘arte dos encontros’ é uma dinâmica coletiva que expressa o que desejamos e os níveis de partilha que asseguram nossa saúde física e psíquica. Todo isolamento é triste e sombrio, conduzindo-nos a um distanciamento do Eros criador e, portanto, a uma internalização parcial do fracasso individual. Perpetuar os encontros que subvertam a lógica asséptica da ‘acumulação flexível do capital’ é uma alternativa permanentemente válida em tempos de desencontros e de ‘amigos virtuais’.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A Educação Brasileira sob a ótica de VEJA


Por Jéferson Dantas [1]

A matéria intitulada ‘Você sabe o que estão ensinando a ele?’ assinada pelas articulistas Monica Weinberg e Camila Pereira no semanário VEJA (edição 2074 de 20 de agosto de 2008) é mais uma afronta à inteligência dos/as educadores/as brasileiros/as. Trata-se de uma pesquisa encomendada por VEJA ao Instituto CNT/Sensus sobre o panorama educacional do país, tanto na rede educacional pública como na rede privada. Ao todo, segundo a reportagem, foram entrevistadas 3000 pessoas de 24 estados brasileiros, entre pais, estudantes e educadores.

Surgida em 1968 sob a égide do regime militar no Brasil (1964-1985), o semanário do Grupo Abril tem se superado a cada edição no que se refere à ausência de ética e a um desmedido processo de desqualificação de renomados pensadores nacionais. A última vítima foi Paulo Freire. Escrevem as articulistas: “Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcaicos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização”. Imagino que a esta altura o Instituto Paulo Freire deve estar indignado com uma declaração tão leviana e infame.

Mas, não é só. VEJA mostra-se preocupada com a excessiva ‘ideologização’ dos currículos e ao ‘desprezo’ à lógica do capital ensinada pelos/as educadores/as. Desta forma, aventuram-se na avaliação de livros didáticos de História e Geografia, expondo a visão deturpada de seus autores, quase todos presos às utopias ultrapassadas do século XIX ou às teorias do próprio Marx. Repreendem os autores dos livros didáticos com uma legitimidade surpreendente ao afirmarem, categoricamente, que os regimes neoliberais melhoraram, sobremaneira, a vida dos brasileiros e que a venda de estatais aos grupos econômicos estrangeiros tornou a nossa economia mais dinâmica, além de fortalecer o poder aquisitivo da classe média.

Nenhum/a pedagogo/a foi entrevistado/a na reportagem. Dois educadores foram expostos de forma leviana em relação às suas práticas pedagógicas em duas escolas particulares (melhor seria dizer que foram ridicularizados). E, por fim, convocam pais preocupados com a formação educativa de seus filhos a enfrentarem a ‘esquerdização caduca’ do processo ensino-aprendizagem, que fatalmente não leva a lugar algum.

Ora, o campo educacional é um campo de litígio. Sendo assim, evidente que há uma luta ideológica na composição de currículos e na formação do/as educadores/as. VEJA há algum tempo tem evidenciado sua opção política e ideológica de forma irresponsável e inconsistente. Opta por uma estratégia desqualificatória a-histórica, desprovida de compreensão do movimento dialético que engendrou a pesquisa e o ensino no Brasil. VEJA confunde crítica responsável a um amontoado de opiniões eivadas de senso comum. O pouco cuidado com a relevância do tema, infelizmente, em nada contribui para a ampliação do debate educacional que, evidente, faz-se necessário. A preocupação de VEJA tem endereço certo: esmagar definitivamente o dissenso no campo educacional e promover a acolhida ao deus-mercado como última instância de um mundo agora, hegemonicamente, capitalista. Em outras palavras: silenciem os inadaptados! Silenciem os recalcitrantes das causas carcomidas pela ‘evidência dos fatos’. VEJA, o semanário fascista do momento!

[1] Bacharel Licenciado em História e Doutorando em Educação (Universidade Federal de Santa Catarina). E-mail: clioinsone@gmail.com.

terça-feira, 15 de julho de 2008

TOCA RAUL!





Por Jéferson Dantas

Não há roda de violão ou espetáculo musical que não se ouça a indefectível frase: Toca Raul! Raul Santos Seixas (1945-1989), baiano de Salvador, completaria 63 anos no dia 28 de junho. Um dos mais criativos e irreverentes compositores do rock nacional deixou-nos um legado que promete embalar ainda novas gerações com suas frases de efeito, a partir de um repertório musical eclético e declaradamente subversivo.

Quando os movimentos contraculturais ganhavam as ruas de todas as partes do mundo, Raul Seixas iniciava sua carreira artística em Salvador, já influenciada pelo rock e pelo baião de Luiz Gonzaga, notadamente no final da década de 1950 e início da década de 1960. Gozando de uma vida material relativamente confortável, - já que seu pai era chefe de telecomunicações da Viação Férrea Federal da Bahia e sua mãe uma típica dona de casa - Seixas desde cedo tomou gosto pela literatura, inventando histórias fantásticas para o seu único irmão, Plínio Seixas. O menino que queria ser tão importante quanto Jorge Amado encontrava o seu caminho na linguagem musical, entendendo que suas produções textuais conseguiriam atingir um público muito maior através da música do que propriamente pela literatura.

O contexto da época apontava as canções de protesto e a bossa nova como estilos divergentes e revolucionários no interior da MPB (Música Popular Brasileira), assim como as primeiras experiências sonoras eletrônicas dos tropicalistas e da Jovem Guarda. Os ditos puristas, fiéis ao estilo musical dos cancioneiros regionais, vociferavam contra o que entendiam ser a invasão imperialista na elaboração dos arranjos musicais, principalmente o uso da guitarra elétrica. O debate se estendia entre a linha musical politizada e engajada e a linha mais alienada, influenciada pela sub-cultura do rock. No entanto, segundo análise do professor João Pinto Furtado, a grande mediadora deste debate foi sem dúvida a Indústria Fonográfica, síntese de um dos setores da Indústria Cultural. Mesmo os músicos considerados críticos da pasteurização da cultura, passaram a freqüentar o circuito de produção da Indústria Cultural, já que suas canções tornaram-se sucesso de vendas. Com Raul Seixas não foi diferente. Mesmo a sua irreverência, com doses de insubordinação ou subversão, foi digerida pelo grande público.

A conjuntura do milagre econômico durante o período mais repressor da Ditadura Militar (1969-1974) criava uma falsa euforia na classe média nacional, que passou a adquirir mais e mais bens de consumo, notadamente eletrodomésticos. Os televisores em cores tornaram-se a grande coqueluche da classe média, reforçada pelo espírito integrador da teledramaturgia, do telejornal e das exibições ao vivo do futebol nacional e/ou internacional. Tendo isto em vista, a Indústria Fonográfica encontrava diversos caminhos para divulgar novos artistas ou novas tendências musicais, já que as trilhas sonoras das telenovelas reforçavam dia após dia a mesma cantinela, fazendo com que o espectador absorvesse as canções quase que de maneira osmótica.

No contexto internacional, o inconformismo da juventude se elevava, principalmente com a invasão do Vietnã pelos EUA num dos episódios mais tensos da guerra fria (1948-1989). Segundo o pesquisador José Ramos Tinhorão foi com a criação da categoria juventude que a Indústria Cultural passou a elaborar novos bens de consumo, principalmente com a invasão do rock’n’roll, emblema de uma referência musical particular do inconformismo juvenil. Entretanto, no Brasil, principalmente com a chegada dos generais-presidentes ao Poder Executivo, o rock’n’roll não era visto com bons olhos, dado o seu caráter transgressor, subversivo e fomentador de rebeldias.

E foi justamente com esta compreensão de que o rock poderia fomentar mais do que uma sensação corporal desprovida de consciência política, que a Indústria Cultural foi buscar com extrema maestria a figura de Roberto Carlos como ídolo da juventude brasileira. Roberto Carlos personificava o estereótipo fabricado pela Indústria Fonográfica, ocupando as tardes de domingo com o programa intitulado Jovem Guarda na TV Record de São Paulo, um ano depois da implantação do regime militar. O programa mobiliza e cria novos estilos lingüísticos (gírias), além de bens de consumo relacionados aos instrumentos musicais, roupas (blue-jeans, casacão de couro), alavancando direta e indiretamente outros bens de consumo associados àquele horário comercial de exibição do programa. Mas, o que importava aos generais do Palácio do Planalto era a liderança alienada de Roberto Carlos e os seus reflexos sobre a juventude brasileira. O próprio rei do iê-iê-iê nacional teria declarado ao Jornal Última Hora de São Paulo, em 1970, que sua postura ideológica era nitidamente de direita, embora nunca tenha gostado “falar de política”.

Neste sentido, os primeiros anos da década de 1970, apesar de terem alçado Raul Seixas à fama, ao conhecimento do grande público, também o levaram a um exílio forçado nos EUA pela Ditadura Militar, principalmente por causa da tão propalada Sociedade Alternativa. Nos shows que realizava para divulgar o disco Krig Ha Bandolo (1973), pela gravadora multinacional Philips, eram distribuídos gibis - manifesto com as diretrizes filosóficas da Sociedade Alternativa. Para a Polícia Federal, estes gibis eram materiais subversivos. Seixas chegou a ser espancado – vendado e completamente despido - no aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, para divulgar a lista dos principais envolvidos no movimento. Assim, em 1974, Raul Seixas foi para os EUA, acompanhado do seu parceiro musical, Paulo Coelho, e de suas respectivas esposas, Edith e Adalgisa. O exílio durou pouco. No mesmo ano, devido ao sucesso do Long Play Gita, Seixas retornou ao Brasil e gravou o primeiro clipe colorido da tevê brasileira, na emissora carioca Rede Globo. A tática da produção da suspeita, da qual Seixas foi vítima, era um dos mecanismos utilizados pela Ditadura para manter a sociedade civil amordaçada, principalmente os músicos e/ou artistas mais engajados.

Se as décadas de 1960 e 1970, principalmente, foram marcadas pela repressão, violação dos direitos individuais, censura à imprensa, torturas, ainda assim, no imaginário coletivo dos movimentos sociais mais identificados com a esquerda e com o retorno da legalidade política, era possível indicar claramente o principal inimigo a ser derrotado: a Ditadura e todos os seus acólitos. Esta era a principal utopia coletiva da sociedade brasileira engajada politicamente. A década de 1980 trouxe consigo o processo de redemocratização do país, anistia política e eleições diretas para prefeitos e governadores. Porém, o conservadorismo político-partidário parlamentar profundamente associado ao regime militar, evitaria a eleição direta para presidente em 1984, com o golpe do Colégio Eleitoral. Para Raul Seixas, a década de 1980 é o início do desencanto e também o momento histórico em que a sua saúde torna-se cada vez mais debilitada.

Seixas alternava períodos de sucesso e de ostracismo. Em 1980 lança um LP pela CBS – hoje Sony Music -, criticando os últimos anos do regime militar e o endividamento externo cada vez mais crescente através dos empréstimos internacionais. Rescinde contrato com a gravadora em 1981 por lhe pedirem que fizesse uma homenagem à Lady Diana. Em 1983 volta à cena num programa infantil da TV Globo (Plunct-Plact-Zumm) cantando Carimbador Maluco, onde ironiza a tecnoburocracia do regime militar com expressões retiradas de um livro de Pierre Proudhon. Lança um LP em 1984 pela gravadora Som Livre, das Organizações Globo, devido ao sucesso de Carimbador Maluco. Internações e uma pancreatite crônica afastam Raul Seixas dos palcos e dos holofotes da mídia. Somente em 1986 volta a gravar pelo selo da gravadora Copacabana num contrato de dois anos. Seu disco derradeiro foi realizado em 1989 pela gravadora WEA/Warner Bros, tendo como parceiro musical Marcelo Nova, um antigo fã e líder da banda de rock Camisa de Vênus.

O último LP de Raul Seixas sintetiza um total desencanto pela vida, por isso, o mais biográfico de todos. Representou a crônica de uma morte anunciada. Bastante debilitado e aplicando-se insulina regularmente, a emissão vocal titubeante de Seixas em nada lembrava o músico irreverente da década de 1970. Os temas principais deste disco foram os xiitas ecologicamente corretos, sintetizados no cantor inglês Sting, que esteve no Brasil posando de defensor da causa verde, reflexo do fenômeno arrivista que se agudizaria na década de 1990. Ainda sobram ironias para os livros mais vendidos do momento – os denominados best-sellers - com temáticas simplórias e repletas de receitas de auto-ajuda. As demais canções revelam momentos da vida do músico, enfim, um inventário de sua produção artística, entremeados com situações vivenciadas nos seus relacionamentos conjugais e/ou afetivos.

Assim, levando-se em conta o que enuncia o historiador Carlos Zacarias F. de Sena Jr, os sujeitos históricos apresentam suas singularidades e mecanismos próprios de compreensão de sua realidade social, e esta compreensão é sempre dialética, historicizada. No conjunto da obra musical de Raul Seixas há uma leitura muito específica do que se passava no Brasil e no mundo, sem perder a coerência e o próprio movimento histórico representado pelo período ditatorial e a redemocratização no país. As novas gerações continuam prestigiando Raul Seixas e suas canções permanecem sendo revisitadas por grupos musicais da atualidade, denotando a proeminência e/ou vigor de sua obra.

PARA SABER MAIS


DANTAS, Jéferson Silveira. História, Música e Ensino: as canções de Raul Seixas em sala de aula (1967-1989). Florianópolis, 1998, 110 f. Trabalho de conclusão de Curso (Bacharelado e Licenciatura em História) - Universidade Federal de Santa Catarina.

FURTADO, João Pinto. A música popular brasileira dos anos 60 aos 90. Apontamentos para o estudo das Relações entre Linguagens e Práticas Sociais. Pós-História, Assis, SP, v. 5, 1997.

MORAES, José Geraldo Vinci de. História e Música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 203-221, 2000.

NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, p. 103-126, 2004.

SEIXAS, Raul. O Baú do Raul. 16 ed. São Paulo: Globo, 1992.

SENA Jr. Carlos Zacarias F. de. A dialética em questão: considerações teórico-metodológicas sobre a historiografia contemporânea. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 48, p. 39-72, 2004.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.