sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O COMPROMISSO COM A CRIANÇA QUE ME HABITA...

Possivelmente, alguns não entenderiam as últimas mudanças. E te exigiriam compromissos inadiáveis; e te
cobrariam pela ausência; e inventariam falsas histórias a teu respeito. Depois, começariam a enxovalhar tua
reputação; que deverias ser internado; que estarias enlouquecendo de forma irreversível; e seriam
hipocritamente solidários ao te convidarem para lugares que sempre detestou. E nunca conseguiriam entender porque,apesar de tudo, ainda te alegravas com coisas irrelevantes, que não gerariam lucro, muito menos renome. E não sendo mais a matéria inerte e desastrada, terias vínculo com a vida; combatendo a barbárie e a rudeza de homens e mulheres tristes; e terias projetos, mesmo inacabados; e vingarias o menino trágico da infância.

VESTÍGIOS DA CIDADE


A cidade que se revela é o próprio desterro. A cidade é um conjunto de pedregulhos em sacos invernais de tempestade. A mesa com suas quatro patas de afiada lasca de mogno suporta um café requentado e uma dúzia de biscoitos com a validade vencida. O frio resseca a minha pele de lagarto e descamo como os peixes abissais...

Enquanto a ressaca invernal é submergida, fico com as imagens da mulher sonhada, carne suprema de forma-conteúdo amada. Seus olhos prófugos querem também o movimento centrípeto da entrega. E fico com a sua face congelada... futuro encontro pleno (?!).

E na cidade litorânea em chamas, chumbo e morte no coração das crianças... a cidade arde e se desespera... tropas armadas como nos tempos das fardas auriverdes...hoje, entretanto, clama-se por fuzis e metralhas a estourar cabeças vazias de jovens bandidos. O horror noticioso por câmeras nervosas... o tempo para na acidez da revolta. Vestígios do dia e largas vontades à espera de um sossego impossível. E toda a pressa e todo o afã galopam insolúveis na rigidez da caótica urb de sol, montanhas e água marinha...

SURPRESA


A surpresa do espaço me aguardava. Nada dizia...retinas arrombadas... que foi feito de nós, ninfa-noite e escândalo de mil sóis? Eu só tinha o fardo do tempo como última linguagem... e mesmo assim, trazia nas mãos as asas fosforescentes da borboleta noturna. A minha primeira morte depois de tudo!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

RISCOS NO LABIRINTO

Toda dor é um tormento breve ou um interlúdio-signo. A carcaça que não atende ao impulso de Eros, encarcerado na masmorra do trabalho inglório.

E tinha motivos de sobra para crer no apaixonamento repentino, como se fosse a dose mais certa para destruir pedrarias e rochedos do coração sem alegrias.

Descendente da tragédia, neste curso rotineiro não saberia onde se enterrar. Ir por aí entre casos e ocasos, contornando ruas e esquinas. Não entender mais nada... às vezes uma entrega por coisas sem valor... é o frenético moribundo a se queixar da sua pequenez e autoflagelo. 

Quantas vezes tiveste medo destas esquinas por medo! Avistando Rilke às gargalhadas, desprezando tuas idiossincrasias vazias! Quantas vezes golpeado em tua intimidade por pura inércia e falta de vontade! Nas horas malditas te consomes sem nenhum perdão. Há de ser assim, como quem não vislumbra mais nada. 

Terás fogo e energia para te consumir nas labaredas do estranhamento e do risco inédito?

MEMÓRIAS ENGAVETADAS


Revirando gavetas encontro cartas e fotografias antigas. Peregrinação de memórias. E num estado de interessante embriaguez, sou capaz de encontrar minhas outras vidas num instante. São sonhos de navalha! São as quedas sublimes! É o entressono permanente, como se vivesse dopado... Algures uma caixa imensa de papelão: mais cartas e recortes de jornal. Fitinhas do Senhor do Bonfim intactas depois de anos e anos. Até mesmo um chaveirinho ordinário e oxidado no fundo da caixa.

Retornei à rotina de escritas e leituras. Demorava-me diante de um e-mail e sequer conseguia responder qualquer coisa com o mínimo de coerência. Tudo exigia um esforço descomunal. O vento sacudia as janelas. Parecia que tudo viraria uma explosão de vidros cortantes.

Terminei de ler um poema e pensei logo em música. Depois, abandonei o projeto da hora. E quando finalmente decidi responder os demais e-mails, eis que o dia se findara sem graça. E o bilhete deixado na mesa dizia da ausência e do desconforto. O bilhete de um mês a decorar a mesa e migalhas de pão. Eu nunca respondi. Deixei que os dias se passassem para que a dor cicatrizasse. E, quem sabe anestesiado, pudesse, enfim, recobrar-me de todo o estrago.

ARQUÉTIPOS


Tudo se reduzira a uma aparência absurda! Imediatas morfinas que nos escondem muito! O arquétipo ibérico circulando entre nós como ogivas nucleares. Desejamos uma coisa e fazemos outra; impregnados de uma ética que nos esmaga. A arte já não sacia. Só há saberes de cicatrizes na pele dos cordeiros-ordeiros...

Haverá limites para este descaso? Haverá limites ao exagero da imundície? Quem elaborará a ode ao criador infinito?

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

QUANDO OS BONS SILENCIAM

O ‘silêncio dos bons’ incomoda muito mais que a algaravia dos/as que espalham o mau gosto, a insensatez e produtos massificados beirando ao grotesco. Refiro-me a vários aspectos, mas notadamente ao bombardeio sistemático e diário das pautas apresentadas por parcela significativa do mundo midiático. Programas de baixo conteúdo educativo; edições protocolares e pragmáticas de telejornais – que se assemelham à ficção –, além da exposição ad nauseam de pseudo-celebridades. A idiotia ganhou estranhos e preocupantes contornos de ‘naturalização social’; tudo se compartilha, principalmente a miséria de uma civilização cada dia mais inculta e bárbara.

Aliás, a infotoxicação tem por objetivo, justamente, submeter a todos a um processo ainda mais devastador de alienação. Os conhecimentos produzidos pela humanidade sequer são socializados e muito menos apreendidos, internalizados. Enfoca-se, sobretudo, o burlesco, o bufônico. Rimos de nossa própria miséria. A compulsão narcísica e a necessidade permanente do espetáculo revelam, em boa medida, o afastamento de temas sociais decisivos que carecem de discussões urgentes, tais como: acesso à saúde e à educação pública com elevada qualidade de atendimento; segurança pública ampla respaldada por organizações comunitárias; combate à corrupção endêmica em todos os setores da vida pública, etc.. O amoldamento social é a certeza da apatia coletiva generalizada, que beneficia as elites econômicas e políticas, protegidas dos ‘abalos sísmicos’ da classe trabalhadora expropriada, esta última muito mais vulnerável, porém revolucionariamente prenhe. 

A intelectualidade militante também está confinada aos espaços assépticos das universidades; porque de alguma maneira estão todos emparedados diante da burocracia sufocante, imerso na produtividade positivista acachapante. O silêncio dos bons preocupa muito mais que a ensurdecedora matraca polifônica da ignorância trivial, célere e inconsequente. Enquanto os ‘bons’ hibernam, decisões estratégicas são tomadas a todo instante. Alimenta-se, assim, toda a ordem de tiranias miúdas e graúdas, que a curto e médio prazo, serão os patronos do autoritarismo e autores da primazia da força sobre a liberdade de expressão.



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A NATURALIZAÇÃO DA PRIVATIZAÇÃO DO PÚBLICO

Por Fábio Machado Pinto - UFSC
Jéferson Dantas - UFSC


Não podemos chamar de espanto ou surpresa o que foi publicado no dia 13 de janeiro no jornal Noticias do Dia sobre os encaminhamentos pertinentes ao fechamento da escola estadual Lúcia do Livramento Mayvorne e as questões que envolvem a sua nova direção/coordenação, agora a cargo da congregação marista. Trata-se da mais manifesta privatização de um espaço educativo público em Santa Catarina. A atuação dos Irmãos Maristas no Brasil, contudo, é antiga; são donos de um importante parque gráfico e responsáveis pela editora FTD, conhecida por suas publicações didáticas.

Nos dias 19 e 20 de dezembro de 2011 confirmou-se o que os/as professores/as da escola Lúcia do Livramento Mayvorme temiam desde o começo daquele mês quando foram interpelados pelo setor de Recursos Humanos da Secretaria Estadual de Educação (SED), que lhes aconselhou a escolherem uma nova escola para uma possível remoção. Durante o mês de dezembro do ano passado os professores percorreram todas as instâncias possíveis e solicitaram diversas reuniões e audiências públicas para obter esclarecimentos. Os responsáveis pelos projetos sociais dos Irmãos Maristas na comunidade do Mont Serrat diziam nada saber e não participaram das três reuniões realizadas pelos professores na escola Lúcia Mayvorne. Concomitantemente, os professores da escola eram recebidos pela SED, onde se dizia que não existia projeto algum de transferência de responsabilidade, ou ainda que nada havia sido decidido.

 Como sempre ocorre em tais situações, segundo a cultura política brasileira, no apagar das luzes de 2011, a SED decretou o fechamento da unidade de ensino. Nos corredores assépticos da Secretaria de Educação os professores ainda tentaram desferir os últimos brados, após um ano difícil e doloroso de enfrentamentos que culminou com uma das mais importantes greves do magistério catarinense. Não havia nada a ser discutido, pois segundo o secretário de Educação repassar a escola para os Irmãos Maristas era uma decisão/desresponsabilização do seu governo. Nesta fatídica reunião, o fleumático secretário iniciou a sua exposição comentando que o projeto era recente e que foi a SED que procurou os irmãos Maristas. Por isso, não houve tempo hábil para que os professores fossem informados; além disso, tendo como pretexto o baixo número de matrículas, relatou que a tendência ‘natural’ era o fechamento da escola, mas que o projeto dos Maristas era uma boa solução. E mais: que os professores já haviam assinado sua remoção e estavam contentes (?!).

Uma representação jurídica da congregação marista apresentou o projeto pedagógico e justificou que não se tratava de privatização, pois eles iriam utilizar apenas as instalações físicas e materiais pedagógicos até que o contrato fosse encerrado, quando tudo voltaria a ser do Estado; relatou também que a escola seria laica, prestaria ensino religioso como qualquer outra, até por uma exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, mas que nenhuma taxa seria cobrada. Sobre o uso da escola nos finais de semana e no contraturno, discorreu que a escola seria aberta e que evidentemente haveria um controle de seu uso.

Em nossa análise, o Estado precarizou ao máximo as condições de trabalho destes professores, para depois justificar a ‘pouca qualidade’ pedagógica da escola e transferir todas as responsabilidades para o terceiro setor. Santa Catarina, na esteira do governo federal, tem uma política clara de municipalização das escolas de ensino fundamental, deixando ao encargo do estado apenas o ensino médio. Isso tudo é contestável. O que não é aceitável é a configuração desrespeitosa e autoritária pelas quais os professores são tratados pela classe política, apoiada decisivamente pelo terceiro setor, que cresce assustadoramente em nosso país como uma força paralela ao Estado e com as mais diversas formas de atuação.

sábado, 14 de janeiro de 2012

CLICHÊ MESSIÂNICO


Juess estava cansado daquela vidinha monótona do éden. Todos eram muito chatos, ‘politicamente corretos’, pragmáticos. Travava inútil peleja com o Padre Eterno. Queria retornar à Terra. O Padre Eterno rejeitava a ideia, colocando-o de castigo com Cadelena. Era um bom castigo. Cadelena era uma mulher bonita, de seios fartos, embora residisse no purgatório. Padre Eterno tinha a certeza de que Juess cometeria o Pecado Original e, posteriormente, o auto-flagelo, fazendo-o esquecer do pedido.

Juess, porém, apostou na tecnologia. Através de complexas parafernálias eletrônicas, conseguiu enviar um e-mail para o Inferno. Os anjos de Lux ficaram meio receosos, mas foram camaradas com Juess e lhe responderam a mensagem. Relataram-lhe que o ajudariam a burlar a vigilância do Padre Eterno e o enviariam à Terra, mais precisamente, ao Brasil. Segundo os anjos de Lux, Padre Eterno é brasileiro, e isto o ajudaria muito.

No dia da viagem, despediu-se de Cadelena. Ela chorou muito, pois receava que Juess se apaixonasse por uma carioca. Além do mais, chegaria bem na época do Carnaval. Juess sorriu. Ficou contente em saber que Cadelena sentiria saudades dele. Beijaram-se. À noite, os anjos infernais, travestidos de anjinhos rechonchudos e de bochechas róseas, enganaram o Guardião do Portal do éden e contactaram Juess. Colocaram-no num saco acetinado, repleto de purpurina. Atravessaram o Portal e lançaram o saco acetinado no triângulo interdimensional. Juess estava em terras brasileiras.

Durante quatro dias, Juess se refestelou no carnaval do Rio. Cadelena que o perdoasse, mas as mulheres brasileiras eram deliciosas. E, depois, Cadelena já estava um pouco passada. Depois da folia, resolveu revelar aos homens de boa vontade que estava de volta à Terra. Procurou as praças públicas para levar sua palavra ao povo. Zombaram de sua pregação. Resolveu encontrar outros meios para atingir a população.
Procurou emprego para não dar na vista. Descobriu que estava muito difícil encontrar emprego no Brasil. Foi até Brasília falar com o presidente, mas o Chefe de Estado estava na França, discursando num francês irretocável. Participou de uma sessão na Câmara dos Deputados e chorou muito. Além do mais, o clima de Brasília era péssimo.

Conseguiu emprego de marceneiro. Conhecia bem o ofício. Percebeu que era necessário ter documentos para votar, para trabalhar com carteira assinada, etc. e etc.. Contou com o apoio dos anjos do Inferno, que subornaram repartições públicas e obtiveram todos os documentos necessários para a sua estadia no Brasil. Tudo que os anjos do Mal conseguiam para Juess era anotado numa caderneta ultra-lux, no intuito de chantageá-lo quando Juess retornasse ao éden.

Três meses se passaram. Padre Eterno despediu o Guardião do Portal. Mandou Cadelena para o Inferno. Enquanto isso, Juess participava de programas de auditório, transformando água em vinho. A plateia aplaudia, fervorosamente, sob os olhos atentos dos apresentadores bonachões. A multiplicação dos pães e dos peixes foi mais difícil. Um mágico porto-riquenho o desafiou, prometendo desvendar seus truques na televisão nos domingos à noite. Juess resolveu, então, curar paralíticos. Funcionou com dois voluntários, mas logo se formaram filas quilométricas diante de sua humilde residência alugada. Teve de se mudar, sempre com o pronto apoio dos anjos coisa-ruim.

Os anjos-traquina sugeriram à Juess que desistisse de salvar os brasileiros. Juess comprou livros de auto-ajuda, mas nada curava a sua depressão aguda. Pensou nas noites de amor com Cadelena, dos concertos no éden, das conversinhas intelectualóides dos novos moradores do Paraíso, enfim, passou a sentir saudades de casa. Viajou por todas as regiões do Brasil. No Nordeste carregou no colo uma criança semimorta, afetada pelas mais diversas doenças, em busca de água no sertão. Com a criança já falecida em seus braços, ouviu da mãe da criança um agradecimento: “Que Padre Eterno te ilumine, meu filho!” Juess não sabia se chorava ou se praguejava. Na mesma semana, o presidente da res publica, fez uma visita àquela região e, no ponto mais alto de seu discurso, inflamou-se e disse: “O futuro do Nordeste pertence à Padre Eterno!” Juess avançou com fúria em direção ao palanque, mas foi espancado pelos seguranças até desfalecer.


Juess ingressou no STM. Participou dos saques no Nordeste e teve encontros com lideranças de esquerda. Foi indicado para ser deputado federal. Juess já era bem popular, ainda mais quando resolveu participar de programas reality show para angariar simpatias da classe média falida e deslumbrada. No entanto, certa noite, uma caravana celestial levou Juess de volta para o reino dos céus. Os anjos do Inferno já bolavam a chantagem que acabaria com Padre Eterno, mas como eram apenas três anjos coisa-ruim, foi fácil para a Polícia edênica desaparecer com os três. No Inferno, Lux-Mor pediu esclarecimentos sobre o desaparecimento de seus ajudantes, mas o processo foi arquivado por falta de provas.

Juess voltou à sua rotina. O castigo fora enorme. Padre Eterno consentiu a aproximação de Juess com uma nova inquilina do Paraíso, pelo menos não se envolveria mais com Cadelena, uma mulher de ‘passado ultrajante’. Juess foi para os seus aposentos com a certeza de que Padre Eterno nunca fora brasileiro.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Como se criam os tiranos.

O que vou relatar não é novidade, mas nos ensina sempre um pouco mais. Moro num pequeno condomínio, onde as pessoas, via de regra, são sociáveis, bem educadas e com instrução acima da média. Todavia, como em qualquer coletividade, existem os/as que se arvoram o direito de determinar o que deve e o que não deve ser feito. Partem de uma cultura própria, possivelmente compartilhada com pessoas que pensam da mesma maneira ou que se submeteram aos seus caprichos ao longo da vida. Pois bem, estas pessoas podem se tornar um verdadeiro inferno em sua existência! Reclamam de tudo, não querem fazer rateio, contentam-se com a política da miserabilidade e, se possível, viveriam de forma franciscana em meio aos ratos e às baratas. Contudo, não contentes com a sua superioridade de botequim, procuram desqualificar os/as jovens, as mulheres, os/as que estudaram mais e os que procuram viver de forma mais diplomática possível. Pois bem, com estas pessoas não se brinca! Elas estão sempre dispostas a desestabilizarem quem quer que seja! Logo, são contumazes tiranos de plantão!


O/a tirano/a está em qualquer parte. Não nos enganemos. E ele deve ser destruído no nascedouro. Além de não contribuírem com nada, são responsáveis pela desertificação do pensamento livre; são responsáveis pela aridez das relações interpessoais. Um/a tirano/a é um infeliz incapaz de amar alguém. Caracterizam-se como seres mesquinhos, autistas e inconvenientes. Talvez nem valessem tantas linhas, se não causassem tantos estragos nos microuniversos. Desse modo, aprenda de uma vez por todas a identificar os/as tiranos/as e, se possível, suma com eles bem depressa!

A síndrome de avestruz

Em recente entrevista, o ex-secretário da Fazenda do governo Raimundo Colombo, Ubiratan Rezende, numa incomum demonstração de lucidez, realizou uma avaliação contundente do universo político catarinense, principalmente no que se refere às disputas empedernidas pelo poder e a ausência do compromisso com o público. O ex-secretário compara Florianópolis à Brasília, um território dependente economicamente e afeito ao arrivismo e ao jogo de intrigas, o que invariavelmente acaba por atingir trabalhadores estatais competentes e descolados do clientelismo ou do favoritismo.

Ampliando o debate, temos nos últimos anos em Santa Catarina e em quase toda a esfera federal polarizações partidárias e programas de governo extremamente pragmáticos, além de alianças espúrias entre siglas que até então se digladiavam. As ideologias para os defensores do arrivismo político há muito estão nas latas de lixo da História. E o que isto significa? Ausência de ética e de pudores no momento de negociar cargos políticos e beneficiar cabos eleitorais. Sobretudo, a certeza de que quando os/as cidadãos/ãs cumprem os limites democráticos do ‘ato de votar’ não têm qualquer domínio sobre quem serão os ministros e secretários de Estado, o que equivale a uma ‘fé cega’, mormente decepcionante. No que tange aos governos regionais, secretários de Estado ficam mais tempo costurando alianças políticas e projetando os seus nomes à custa de uma superexposição do que, propriamente, trabalhando em benefício da população.

A síndrome de avestruz, apontada por Rezende em relação às secretarias de Estado, denotam o quanto a ingerência pública é grave e onerosa para a população catarinense. O mal-estar generalizado em relação a esta democracia representativa talvez tenha atingido o seu limite, e tal esgotamento precisa ir além do voto obrigatório. Onde não existe diálogo e outras formas de se pensar o estado e o país que queremos, temos o autoritarismo civil subserviente ao mercado e, então, a ‘democracia’ se torna um engodo. E este alerta partiu das próprias hostes governistas em época de pleito eleitoral.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A JUVENTUDE TEM PRESSA


Os movimentos de rua protagonizados por jovens em larga escala no território europeu e também em solo americano possuem raízes materiais (desemprego, ausência de escolaridade e moradia, etc.), e não se tratam apenas de indícios motivados pelas ‘redes sociais’ (os denominados flashes mobs), como alguns analistas mal intencionados tentaram justificar no início de tais manifestações. Quando imigrantes franceses iniciaram uma série de protestos em 2005 contra a falta de emprego, assistência médica e vagas nas escolas, a síntese midiática, num primeiro momento, reduziu tudo a um ‘bando de baderneiros’, ‘desocupados’ e ‘marginais’, como se os problemas sociais agravados pela imigração ilegal não estivessem inextricavelmente associados a décadas de exploração do imperialismo francês em território africano, notadamente. Logicamente, a força de trabalho destes jovens imigrantes era fundamental para a acumulação do capital e não podia ser facilmente descartada, principalmente no subemprego ou em ocupações de elevada insalubridade.
Para o historiador de origem egípcia, Eric Hobsbawm, é importante se considerar ainda outros fatores no que tange aos movimentos praticados pela juventude. Durante a década de 1960 a Europa presenciou uma sensível explosão demográfica em suas universidades, deixando de ser um privilégio para uns bem pouco afortunados. Em consequência, esta nova geração de jovens universitários, pouco afeitos à autoridade e pauperizados, inclinou-se para os partidos e movimentos de esquerda, contrários à guerra do Vietnã e ao imperialismo estadunidense. Segundo Hobsbawm, genericamente, as insatisfações da juventude na década de 1960 “não eram amortecidas pela consciência de terem vivido épocas de impressionante progresso, muito melhores do que seus pais algum dia esperaram ver. [...]. o ímpeto para o novo radicalismo vinha de grupos não afetados pela insatisfação econômica, tendo como efeitos imediatos a rebelião estudantil europeia e uma onda de greves operárias por melhores salários e melhores condições de trabalho”.
Cinco décadas depois a massa juvenil hodierna é muito mais desconfiada em relação aos ganhos democráticos e sociais por intermédio de partidos políticos de esquerda. Aliás, o recrudescimento das organizações partidárias de extrema-direita tem revelado a incapacidade das esquerdas em estabelecerem um projeto efetivamente satisfatório para as classes trabalhadoras. O acesso à informação também mudou e os jovens não são mais reféns de uns poucos meios de comunicação. Por outro lado, os aspectos dinâmicos dos movimentos organizados pela juventude possuem difusa consciência histórica. Se tais manifestações ainda são insuficientes para abalar o establishment, devidamente coordenadas podem se estruturar numa força social consistente, reunidas não apenas em função de protestos pontuais, mas em relação a todos os instrumentos ideológicos sob a posse das classes dirigentes. A juventude clama por mudanças... a juventude tem pressa!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

SOBRE AS CULPAS


a impossibilidade é o eixo de toda rota. e a fúria não veio; e  o  infundado apaixonamento só serviu para atenuar ânimos já  arrefecidos. e as viagens que não fiz continuam nos meus  turvos pensamentos.

a embriaguez serviu para isso! um ânimo mais pluma, ocultando toneladas de culpas e martírios. e, num descontrole, aço e vidros em cacos abriram filetes  de sangue pelo meu rosto. acuado como forasteiro, nem sinfonias abrandavam o espírito indolente! e, reconhecendo tal abismo, mesmo assim, não podia escutar tua voz do fundo do poço; e minha poesia era menor do que supunha; e tive asco do teu  corpo... e tive asco de meu corpo! 

Todas as quedas são invariavelmente necessárias; não há júbilo nisso que te acossa! temer e seguir em frente, este era o aprendizado perene! nenhuma derrota foi suficientemente duradoura e vexaminosa para te fazer desistir dos planos bem preparados no calor do ímpeto!  e se tinhas essa inquietude em falso; e se tinhas esse embalo adocicado das noites primaveris; e se tinhas amor para oferecer, quem poderia lhe culpar por amar demais? e, se em algum momento, a descrença no amor foi a incapacidade de conviver, ninguém poderia lhe condenar por isso! não é possível amar na clausura dos matrimônios formais! não é possível repetir palavras apaixonadas quando a alma está incerta e busca uma serenidade ainda encoberta. 

por fim, ao dizer palavras miúdas e céleres esbofeteadas, tudo se reduzira à pequenez de compreender o todo. se isso foi importante para despertar nossa cambaleante união, não considerei isso ofensa grave. já tinha esses pressentimentos noturnos; e isso foi crescendo de tal forma, que ganhou a dimensão do caos. e o que era aparente retornou como essência-mor; afinal, tudo que é aparente esconde deficiências internas, inseguranças e aceitação externa! e, novamente, com todos esses elementos à mão, pude retomar o esteio da existência. sendo solitário, não tive pena da pequena vítima que agonizava em centenas de flocos dentro de mim...
   
 

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

vira-latas


Antes, nossas bocas despertavam muito antes da aurora e os nossos corpos se impregnavam de sinfonias angélicas sob as peles incandescentes. E olhávamos para o empíreo e tínhamos certeza de que o catarro da discórdia dava vazão para um firmamento verde-esmeralda... e esse era o pulmão do mundo imaginado... uma transcendência límpida que ardia nossos olhos e lacrimejávamos como se estivéssemos na dimensão infante dos primeiros desejos.

Tudo se desmanchava diante dos horários fixos de raros prazeres. O despertar do transe era de uma violência singular. Ficávamos grudados e não queríamos sair do leito. Os exploradores só existem para nos deixar com essa cara de vira-latas abatidos...