sábado, 14 de janeiro de 2012

CLICHÊ MESSIÂNICO


Juess estava cansado daquela vidinha monótona do éden. Todos eram muito chatos, ‘politicamente corretos’, pragmáticos. Travava inútil peleja com o Padre Eterno. Queria retornar à Terra. O Padre Eterno rejeitava a ideia, colocando-o de castigo com Cadelena. Era um bom castigo. Cadelena era uma mulher bonita, de seios fartos, embora residisse no purgatório. Padre Eterno tinha a certeza de que Juess cometeria o Pecado Original e, posteriormente, o auto-flagelo, fazendo-o esquecer do pedido.

Juess, porém, apostou na tecnologia. Através de complexas parafernálias eletrônicas, conseguiu enviar um e-mail para o Inferno. Os anjos de Lux ficaram meio receosos, mas foram camaradas com Juess e lhe responderam a mensagem. Relataram-lhe que o ajudariam a burlar a vigilância do Padre Eterno e o enviariam à Terra, mais precisamente, ao Brasil. Segundo os anjos de Lux, Padre Eterno é brasileiro, e isto o ajudaria muito.

No dia da viagem, despediu-se de Cadelena. Ela chorou muito, pois receava que Juess se apaixonasse por uma carioca. Além do mais, chegaria bem na época do Carnaval. Juess sorriu. Ficou contente em saber que Cadelena sentiria saudades dele. Beijaram-se. À noite, os anjos infernais, travestidos de anjinhos rechonchudos e de bochechas róseas, enganaram o Guardião do Portal do éden e contactaram Juess. Colocaram-no num saco acetinado, repleto de purpurina. Atravessaram o Portal e lançaram o saco acetinado no triângulo interdimensional. Juess estava em terras brasileiras.

Durante quatro dias, Juess se refestelou no carnaval do Rio. Cadelena que o perdoasse, mas as mulheres brasileiras eram deliciosas. E, depois, Cadelena já estava um pouco passada. Depois da folia, resolveu revelar aos homens de boa vontade que estava de volta à Terra. Procurou as praças públicas para levar sua palavra ao povo. Zombaram de sua pregação. Resolveu encontrar outros meios para atingir a população.
Procurou emprego para não dar na vista. Descobriu que estava muito difícil encontrar emprego no Brasil. Foi até Brasília falar com o presidente, mas o Chefe de Estado estava na França, discursando num francês irretocável. Participou de uma sessão na Câmara dos Deputados e chorou muito. Além do mais, o clima de Brasília era péssimo.

Conseguiu emprego de marceneiro. Conhecia bem o ofício. Percebeu que era necessário ter documentos para votar, para trabalhar com carteira assinada, etc. e etc.. Contou com o apoio dos anjos do Inferno, que subornaram repartições públicas e obtiveram todos os documentos necessários para a sua estadia no Brasil. Tudo que os anjos do Mal conseguiam para Juess era anotado numa caderneta ultra-lux, no intuito de chantageá-lo quando Juess retornasse ao éden.

Três meses se passaram. Padre Eterno despediu o Guardião do Portal. Mandou Cadelena para o Inferno. Enquanto isso, Juess participava de programas de auditório, transformando água em vinho. A plateia aplaudia, fervorosamente, sob os olhos atentos dos apresentadores bonachões. A multiplicação dos pães e dos peixes foi mais difícil. Um mágico porto-riquenho o desafiou, prometendo desvendar seus truques na televisão nos domingos à noite. Juess resolveu, então, curar paralíticos. Funcionou com dois voluntários, mas logo se formaram filas quilométricas diante de sua humilde residência alugada. Teve de se mudar, sempre com o pronto apoio dos anjos coisa-ruim.

Os anjos-traquina sugeriram à Juess que desistisse de salvar os brasileiros. Juess comprou livros de auto-ajuda, mas nada curava a sua depressão aguda. Pensou nas noites de amor com Cadelena, dos concertos no éden, das conversinhas intelectualóides dos novos moradores do Paraíso, enfim, passou a sentir saudades de casa. Viajou por todas as regiões do Brasil. No Nordeste carregou no colo uma criança semimorta, afetada pelas mais diversas doenças, em busca de água no sertão. Com a criança já falecida em seus braços, ouviu da mãe da criança um agradecimento: “Que Padre Eterno te ilumine, meu filho!” Juess não sabia se chorava ou se praguejava. Na mesma semana, o presidente da res publica, fez uma visita àquela região e, no ponto mais alto de seu discurso, inflamou-se e disse: “O futuro do Nordeste pertence à Padre Eterno!” Juess avançou com fúria em direção ao palanque, mas foi espancado pelos seguranças até desfalecer.


Juess ingressou no STM. Participou dos saques no Nordeste e teve encontros com lideranças de esquerda. Foi indicado para ser deputado federal. Juess já era bem popular, ainda mais quando resolveu participar de programas reality show para angariar simpatias da classe média falida e deslumbrada. No entanto, certa noite, uma caravana celestial levou Juess de volta para o reino dos céus. Os anjos do Inferno já bolavam a chantagem que acabaria com Padre Eterno, mas como eram apenas três anjos coisa-ruim, foi fácil para a Polícia edênica desaparecer com os três. No Inferno, Lux-Mor pediu esclarecimentos sobre o desaparecimento de seus ajudantes, mas o processo foi arquivado por falta de provas.

Juess voltou à sua rotina. O castigo fora enorme. Padre Eterno consentiu a aproximação de Juess com uma nova inquilina do Paraíso, pelo menos não se envolveria mais com Cadelena, uma mulher de ‘passado ultrajante’. Juess foi para os seus aposentos com a certeza de que Padre Eterno nunca fora brasileiro.

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