sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Para pensar...agir...e resistir!

Folha de São Paulo, 04/08/2006 - São Paulo SP

Esquizofrenia na educação e cultura

Alcione Araújo

Os números são eloqüentes: dos 186 milhões de habitantes, a educação -estudantes e professores, do ensino fundamental ao doutorado- envolve 55 milhões. Cotejar esses números com os da produção artística é deparar-se com outro país. A tiragem média de um romance no Brasil é de 3.000 exemplares; a ocupação média dos teatros, de 18%; em crise, as gravadoras têm números pífios, e a média de espectadores de filmes brasileiros, de 250 mil, está em 180 mil em 2006.

Os números revelam enorme desinteresse pela arte e, deduz-se, cresce a distância entre os significados percebidos pelo público e o conteúdo latente das formas de expressão. Nem os 55 milhões envolvidos na educação usufruem da produção artística. O país vive esquizofrênica fratura: uma educação sem cultura e uma criação artística sem público. A economia pode até crescer, mas cresce sem alma. Criação da subjetividade, de percepção subjetiva, as artes interagem com as demais metáforas -filosofia, antropologia, sociologia etc.- criadas pela sensibilidade e razão humanas para se entender, entender o mundo e se entender no mundo. Braço sistematizado da cultura, a educação tem métodos, normas e hierarquias para realizar a transmissão do saber. A expectativa é que, vivenciado o processo -graduar-se, digamos-, se esteja preparado e motivado para fruir a arte de várias épocas nas suas várias formas. O que se vê, porém, são médicos que jamais leram um romance, engenheiros que nunca foram ao teatro, advogados que não vão ao cinema, dentistas que não se emocionam com a música etc. Na origem do fenômeno, uma sociedade que não tem a educação e o saber como valores, mas sim como meios de ter uma profissão e se inserir na produção. Se assegurar o emprego, prescinde-se da qualidade no ensino, ou, num utilitarismo ingênuo, se dá o diploma, cumpriu o papel. Sem minimizar a importância do emprego num país carente dele, com tal visão, a educação renuncia à função de desvelar universos e se limita a formar mão-de-obra mais ou menos qualificada. Compelida pelos vestibulares, a idéia reflui aos níveis médios, reduzidos a cursinhos preparatórios. O pragmatismo expulsa as disciplinas chamadas de humanidades, que dão lugar àquelas de especialização prematura. Nessa moldura, a missão da universidade -universalização do saber pelo tripé da formação do profissional, do cidadão e do homem- torna-se uma trajetória de adestramento para a produção. A história reconhece na aliança entre educação e cultura a primazia de criar sonhos e inventar meios para realizá-los. O valor simbólico da cultura fecunda o processo civilizatório, dos valores às leis, da política à vida. A herança de colonizado, a exclusão social e a elitização da cultura atrelam o futuro da produção artística ao que a educação lhe reservar. A cultura é dependente da educação. Se não cumpre sua missão, sufoca as artes. Não se pode pensar a educação sem a cultura, nem a cultura sem a educação. No espectro cultural, há um vácuo entre arte popular -autônoma à educação- e arte tradicional, dita do espírito. Tentou-se fazê-las dialogar num amplo projeto nacional popular abortado pela ditadura. No "gap" entre as duas, irrompeu a indústria audiovisual de entretenimento, hoje hegemônica. O público, além de introjetar valores dessa indústria, assiste à contaminação da cultura do espírito e da cultura popular pela anódina cultura de massa.

Ao artista, resta o desalento por sua obra não chegar ao público, não emocioná-lo nem aguçar sua imaginação, não humanizá-lo nem levá-lo a pensar. Artista e arte perdem a função, o público empobrece e estreita o horizonte da sociedade. Não se formam platéias e as obras não circulam; não se viabiliza economicamente a produção, cujo custo crescente a torna mais dependente do Estado, suscetível à discriminação política e acomodação estética -o artista inibe a própria ousadia. À falta do público induzido pela educação, a produção artística se autodesqualifica na busca de audiências que não a reconhecem e perde o público cativo remanescente. Educar não é apenas qualificar para o emprego, nem arte é apenas adorno que aguça a sensibilidade. Há uma dimensão humana que, sem educação e cultura, nada agrega como experiência coletiva nem alcança a plenitude como experiência individual capaz de discernir e ser livre para escolher. E, sem isso, não podemos dizer que somos realmente humanos.
ALCIONE ARAÚJO , 56, pós-graduado em filosofia, é romancista, dramaturgo, cronista e roteirista de cinema. É autor de "Urgente é a Vida" (prêmio Jabuti 2005).

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Demasiadamente humano

Tenho passado pouco por aqui. Manter um blog não é tarefa fácil. E creio que tenho me repetido, exaustivamente. Parece que tudo já foi dito, mas o "tudo" é bastante prepotente. É imensa a tarefa daquele que se expressa! Na poesia, na arte plástica, na música ou numa sala de aula... Entretanto, resistir, dizer, falar, gritar, liberar os grilhões da expressividade cambaleante é um alimento perene! Único fruto que nos conforta e nos transporta à eternidade. Somente a obra nos redime! E somente o verdadeiro amor é capaz de nos purificar da imensa fadiga, da nossa pequenez e da inescapável finitude...

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Do projeto literário "Verdes Idades para serem ditas".

"Persistência da Memória", de Salvador Dali.













e o brilho
difuso
que ainda
se
espalha
pela casa:
é uma centelha
ou uma vel(h)a acesa?



e a valsa que
prometeste ao teu
amor
na primeira chance
de corpos colados
em noite-furor
em noite de amor
cambaleantes de éter
e álcool?

e a sedução
que nunca se abala
olhares
na tela
virtuais casualidades
encontros na chuva
pesadelos na rua
e sonhos de
desventura?

varando noites
tu te revelas
cão andejo!

ainda que revire latas,
ainda que revire cacos da memória,
ainda que te encontres
esfolado na matéria.

quarta-feira, 21 de junho de 2006

Enquantos milhões de brasileiros passam fome...


Número de milionários no Brasil chega a 109 mil

CASSIANO GOBBET, da BBC Brasil

Um estudo da Merrill Lynch publicado nesta terça-feira mostra que número de pessoas no Brasil com mais de US$ 1 milhão (R$ 2,12 milhões) chegou a 109 mil em 2005. O número de milionários no Brasil em 2005 aumentou em 11,3%, comparado a 2004. Segundo o 10º Relatório sobre a Riqueza Global, o número de investidores que têm mais de US$ 1 milhão passou de 98 mil para 109 mil no período.O Brasil está entre os países onde o grupo de pessoas com mais de US$ 1 milhão além de suas residências mais cresceu. Coréia do Sul (21,3%), Índia (19,3%) e Rússia (17,4%) foram os países que tiveram os maiores índices.
No mundo todo, a quantia de dinheiro em poder das pessoas dessa faixa atingiu os US$ 33,3 trilhões (R$ 70,7 trilhões de reais), num acréscimo de 8,5% em relação ao ano anterior. Os Estados Unidos seguem como o país com a maior quantidade de milionários e também com o maior volume de dinheiro acumulado por essas pessoas. Contudo, pela primeira vez os EUA não conseguiram superar o crescimento do ano anterior, crescendo 6,8% em comparação aos 9,9% de 2003. O estudo também mostra que os patrimônios de ricos de continentes diferentes têm origens diversas.
Na Europa e na América Latina, o maior volume de recursos está alocado na propriedade de negócios ou no dinheiro vindo da venda de companhias, enquanto nos Estados Unidos, a maior parte do montante vem de renda.

terça-feira, 20 de junho de 2006

Tempos de Circo...

A mistura de Copa do Mundo e eleições, além da conhecida falta de prioridade à educação, está colocando em risco a aprovação de uma medida (Fundeb) que vai transferir, em quatro anos, R$ 4 bilhões de verbas federais para o ensino básico. Pode não ser muito, mas é o que se conseguiu depois de demoradas negociações. O pior nem é isso.O pior é que está para expirar a validade do sistema de financiamento do ensino fundamental (Fundef), e, se o novo mecanismo não for aprovado, entraremos num buraco jurídico, no qual quem será dragado é o ensino. Há meses está se alertando para esse risco (inclusive neste espaço) e pouco, ou quase nada, tem se avançado, apesar da gravidade do assunto. Dizem até que o tema não anda por questões eleitoreiras: não gostariam de dar essa conquista para Lula.O fato, porém, é o seguinte: o Congresso está montando uma armadilha para o país numa questão tão estratégica como educação. É necessário, portanto, que os políticos pensem um pouco menos em futebol e em eleições para evitar essa armadilha.


Gilberto Dimenstein, 48, é membro do Conselho Editorial da Folha e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz. Coordena o site de jornalismo comunitário da Folha. Escreve para a Folha Online às terças-feiras.

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Sobre o Poder, por Jéferson Dantas

Na sanha pelo poder muitos homens tombarão, tomados de vaidade e arroubos juvenis, como se tivessem a solução para tudo e para todos! No entanto, no terceiro milênio que se descortina, assistimos apenas um tipo de liderança: o arrivista! O arrivista não tem sentimentos e nem se importa em ser dúbio ou ambíguo. Age por uma determinação calculada, cercada de 'marketing', maquiagem pesada e apoio de sanguessugas de plantão.
O poder público se transformou no espaço eterno do privado. Pelas paredes do Congresso Nacional, com seus corredores que mais parecem labirintos, só restou o teatro de homens e mulheres absurdamente despudorados. Não há ética! Só a sanha do poder! Só o desejo de esmagar/desqualificar o divergente. Numa democracia jovem como a nossa, não é de se espantar que os arrivistas arreganhem os dentes para os ingênuos do mundo apodrecido da res-publica.
Após leitura de "O dia em que Getúlio matou Allende", do jornalista Flávio Tavares.

terça-feira, 6 de junho de 2006

Do projeto literário "Verdes idades para serem ditas"

2

na manhã de
chuva
as leituras que faço
são tensas
confidenciais.


o café quente
preparado no acordo
das horas
reluz na
fina têmpera do
quarto de estudos.

preparo-me
para o exercício do tempo
e penso na mulher
que amo.

fico feliz
com as gotas
da chuva...
com
as minhas escolhas.


e quando
o domingo se finda
acenando para
mais uma semana
nem o coração
entende
o porquê de tanta
leveza
em tempos de
neve nos
semblantes alheios.

PEDAGOGIA WALDORF



Diário da Tarde, 06/06/2006 - Belo Horizonte MG

à esquerda, Rudolf Steiner






Felizes na escola

por Helena Trevisan


Nossa filha mais velha já morava em Barcelona há um ano quando fomos visitá-la com seus dois irmãos. Na ocasião, o caçula tinha seis anos de idade e ainda não estava alfabetizado. Esse detalhe é muito importante para o que eu vou contar em seguida, pois se tornou o motivo pelo qual acabei escrevendo um livro tempos depois. Aconteceu que em Barcelona fomos visitar a Casa Juan Miró, um acervo das obras do grande pintor catalão. Uma das salas do museu intitulava-se Constelación. Ali, nos sentamos diante de uma tela por alguns instantes. E então, meio provocativa, perguntei ao pequeno: Victor, o que você está vendo? Uma constelação , respondeu ele, candidamente, para o meu mais total espanto.

Se tivessem feito essa pergunta a mim, com toda a minha capacidade intelectual devidamente amadurecida, essa resposta seria mais do que esperada. Além do fato, é claro, de eu ter lido a palavra constelación escrita no pórtico de entrada da sala. Mas, em se tratando de uma criança não alfabetizada, o que isso revelaria? Anos depois, a lembrança desse fato me trouxe uma súbita clareza no entendimento do que preconiza a pedagogia Waldorf,metodologia empregada na escola em que o Victor estuda até hoje. Criada em plena desolação do pós-guerra, em 1919, em Stuttgard, Alemanha, por um visionário chamado Rudof Steiner, a pedagogia foi aplicada pela primeira vez numa escola fundada para os filhos dos empregados da fábrica de cigarros Waldorf-Astória, daí o seu nome. A pedagogia leva em conta temas tão atuais, como preservação do meio ambiente, justiça social, formação ética, inteligência emocional, que é fácil esquecer que ela já tem quase um século de existência.

Na prática, ela prega que a transmissão do conhecimento deve acompanhar numa obediência rigorosa e solene, o desenvolvimento do aluno. Isso quer dizer que se deve respeitar o momento certo para se ensinar determinado conteúdo, e esse momento é quando o aluno experimenta no seu íntimo uma experiência semelhante. A prova do vestibular que assombra nossos jovens cada vez mais precocemente, cai como uma bomba em plena flor da idade, aquela etapa da vida em que tudo é só promessa, e quase nada realização, pois estamos tratando de futuro. São raros os casos em que, aos 17 ou 18 anos, umacriatura possa garantir que a carreira escolhida será de fato aquela para todo o sempre, pelo simples motivo de que não houve ainda existência suficiente para tamanha certeza. Podemos dizer que uma escola Waldorf não prepara os jovens para o vestibular. Prepara para a vida, da qual o vestibular é apenas uma parte e um treino, basta se dedicar a esse fim específico e tudo se resolverá, com maior ou menor brilho.

Quando nosso filho foi capaz de captar o que Miró expressou em pinceladas, compreendi que, mesmo sem conhecer letras, sem saber fazer contas, ele entendeu. E seu entendimento foi muito mais espontâneo e verdadeiro do que o meu, sua mãe letrada e com diploma universitário. A pedagogia Waldorf se propõe a formar homens livres. Isso dá sem subterfúgios ao se expressar pela arte, através das emoções. O que se aprende com a alma, jamais sai da cabeça e se manifesta nos gestos naturalmente. Se todas as metodologias de ensino se propusessem a ouvir o que os alunos dizem sem palavras, haveria mais estudantes felizes nas escolas.

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Do projeto literário "verdes idades para serem ditas"

5


que a música
venha
como melodia
andadeira
derradeira
ou primeira
nunca fim
milonga
polca
valsa
ou samba!




que a música
venha e
derrame-se
como bálsamo
em tardes
e noites
de chegadas
e partidas
vínculos
do tempo
sonhos
de primavera
ou
hinos
de levante!

Para entender a greve do Magistério em Santa Catarina




Por Jéferson Dantas

A greve do magistério estadual ultrapassou trinta dias, numa demonstração de incapacidade das políticas públicas em negociar com a categoria docente, além de a educação continuar não sendo a ‘prioridade das prioridades’, como bem ressalta o educador Dermeval Saviani. Historicamente, nos últimos 25 anos em Santa Catarina, entre o fim da Ditadura Militar (1964-1985) e os ares da “Nova República”, temos no Estado, essencialmente, duas legendas partidárias que se digladiam na esfera do privado, nas contendas miúdas, típicas das oligarquias coloniais. O partido que representa o atual governo do Estado tem em seu histórico a sanha da perseguição, da desqualificação e da intriga. Como esquecermos a violência física contra os educadores em 1987 e a demissão sumária de 17 mil educadores em plena democracia?

Entender a greve do magistério pela lógica estatal implica, justamente, nas opções claras que o Estado faz. Afinal, como admitir que Santa Catarina pague o terceiro pior piso salarial em nível nacional? Como admitir a política dos “penduricalhos” através de abonos não incorporados ao salário? Toda vez que o discurso estatal revela que o processo educacional onera os cofres públicos devido ao impacto orçamentário, mais certeza temos de que a educação não se qualifica como prioridade em Santa Catarina e muito menos como investimento. Gerações de catarinenses que não podem pagar a educação privada estão cada vez mais se apropriando menos do conhecimento científico produzido pela humanidade, num empobrecimento formacional que grassa toda a Educação Básica. E isso pais e estudantes sabem muito bem.

E, para finalizar, não fica bem para o aparato estatal desqualificar o magistério através das mídias impressa e eletrônica, com adjetivos impróprios, como se os representantes da res-publica não tivessem nada a ver com isso. Se os legisladores catarinenses fossem avaliados com a agudeza que merecem pela sociedade civil, dificilmente, seriam aprovados para uma nova legislatura. Algo a se pensar em tempos de renovação nos Congressos Estadual e Nacional.

terça-feira, 23 de maio de 2006

Arrivismo X Militância



Por Jéferson Dantas


Há alguns dias atrás num programa de entrevistas de um canal fechado de tevê, acompanhei a trajetória de duas ex-prostitutas: a primeira entrevistada lutava por melhores condições de trabalho na profissão, além de ter criado em regime de cooperativa uma empresa de confecções que lembrava em tom irônico uma outra loja destinada ao público endinheirado do país; a segunda entrevistada, bem mais jovem, acabara de lançar um livro de memórias dos tempos de ‘garota de programa’ e nitidamente respondia às perguntas da entrevistadora de maneira calculada, denotando que estava sendo orientada por alguém. Pois bem, o que significa estes dois exemplos? De uma maneira geral e até mesmo simplista, parece-me que hoje em dia temos apenas esses dois gêneros de seres humanos na face da Terra: @s que reivindicam melhores condições de trabalho e qualidade de vida e @s que movem mundos de maneira inescrupulosa para atingir os seus objetivos.

Na arena política os últimos acontecimentos são bastante ilustrativos. Parlamentares governam de costas para o povo e os poderes executivo estadual e federal resolvem entrar em celeumas partidárias colocando em risco a vida de milhares de civis. Ou seja, os interesses privados e/ou partidários são mais importantes que os interesses do bem-comum. E, quando o Estado deixa de fazer o seu trabalho, a violência social se agudiza e se complexifica, reforçando e aparelhando o Estado paralelo. E o poder judiciário? Isolado dos demais poderes, acompanha o marasmo da ausência de coragem para se tomar decisões históricas num país tão desigual!

Por fim, o que mais admirei na entrevista da ex-prostituta militante foi a sua clareza política e, principalmente, a idéia de que a sociedade civil organizada não pode se comportar como vítima do Estado neoliberal. Questionar o Estado Mínimo e as opções políticas, econômicas e sociais d@s que legislam em causa própria são temários que estão na ordem do dia, principalmente num ano eleitoral. O arrivista político é tão nocivo quanto qualquer criminoso, porém, o primeiro destróis gerações inteiras, rompe a possibilidade do sonho, desqualifica educadores e nos diz em alto e bom tom que as práticas politiqueiras justificam os meios.

segunda-feira, 22 de maio de 2006

O DESAFIO DA VIOLÊNCIA




*Leonardo Boff

A paz resulta da administração dos conflitos, usando meios não conflitivos. A paz só triunfa na medida em que as pessoas e as coletividades se dispuserem a cultivar, como projeto de vida, a cooperação, a solidariedade e o amor.
A violência ocorrida nos meados de maio em São Paulo nos obriga a pensar. Por que ela é tão recorrente? Para vislumbrar alguma luz temos que realisticamente partir desta ambiguidade fundamental: a realidade por um lado vem marcada por conflitos e por outro vem perpassada por ordem e paz. Nenhum destes lados consegue erradicar o outro. Mesclam-se e se mantém num equilíbrio difícil e dinâmico.
A arte consiste em manter a tensão, buscando aquela convergência de energias que permitem o surgimento da paz, fruto de instituições minimamente justas e includentes e ordenações sociais sadias, custodiadas por um Estado que zela pelo equilíbrio das tensões, usando, quando preciso, legitimamente da coerção. Se não houvesse essa busca do equilíbrio possivelmente a socialidade seria impossível e os seres humanos ter-se-iam exterminados uns aos outros.
A paz resulta da administração dos conflitos, usando meios não conflitivos. Assim, na construção da paz devem os interesses coletivos se sobrepor aos individuais, a multiculturalidade prevalecer sobre o etnocentrismo, a perspectiva global orientar a local.
Importa sermos realistas e sinceros. Há violência no mundo porque eu carrego violência dentro de mim na forma de raiva, inveja e ódio que devem ser sempre contidos.
A explicação da agressividade tem desafiado os pensadores mais argutos. Sigmund Freud parte da constatação de que existem duas pulsões básicas: uma que afirma e exalta a vida (Eros)e outra que tensiona para a morte (Thánatos) e seus derivados psicológicos como os ódios e as exclusões.
Para Freud a agressividade surge quando o instinto de morte é ativado por alguma ameaça que vem de fora. Alguém pode ameaçar o outro e querer tirar-lhe a vida. Então o ameaçado se antecipa e passa a agredir e, eventualmente, a eliminar o ameaçador.
Outro pensador contemporâneo, René Girard, afirma que a agressividade provém da permanente rivalidade existente entre os seres humanos (chamada por ele de desejo mimético). Esta rivalidade cria permanentes tensões e elabora sinistras cumplicidades. Ao concentrar em alguém toda a maldade e toda a ameaça, a sociedade torna-o um bode expiatório. Todos se unem contra ele para afastá-lo. Essa união instaura uma paz momentânea entre todos os contendores. Desfeita esta paz, inventa-se um novo bode expiatório (os terroristas, os traficantes etc) e novamente se cria a união de todos contra ele e se refaz a paz perdida.
Os antropólogos nos ajudaram também a entender a agressividade. Asseguram-nos que somos simultaneamente sapiens e demes não por degeneração mas por constituição evolucionária. Somos portadores de inteligência e de energias interiores orientadas para a generosidade, a colaboração e a benevolência. E ao mesmo tempo somos portadores de demência, de excesso, de pulsões de morte. Somos seres trágicos porque surgimos como coexistência dos opostos.
Dada esta contradição como construir a paz? A paz só triunfa na medida em que as pessoas e as coletividades se dispuserem a cultivar, como projeto de vida, a cooperação, a solidariedade e o amor. A cultura da paz depende da predominância destas positividades e da vigilância que as pessoas e as instituições mantiverem sobre a outra dimensão, sempre presente, de rivalidade, de egoísmo e de exclusão.

*Leonardo Boff é teólogo.

quarta-feira, 17 de maio de 2006

Cursinhos pré-vestibular esvaziados




Por Bruno Aires

Vestibular já foi sinônimo de sala lotada em cursos pré-vestibulares. Era uma época em que passar para uma universidade pública poderia significar o maior orgulho que uma família teria. Quem não passasse estava condenado a mais um ano de cursinho ou tentado a desistir do sonho do ensino superior. Apesar da procura pelas universidades públicas ainda ser grande, esta realidade mudou. As salas dos pré-vestibulares não estão mais tão cheias. E a universidade pública não é vista mais como a única alternativa de bons estudos. "O número de alunos dos cursos pré-vestibulares, hoje, é bem menor do que há dez anos. A expansão das universidades particulares fez com que, efetivamente, o interesse do estudante que conclui o ensino médio em fazer um curso preparatório tenha diminuído", avalia o diretor da rede MV1 de Ensino, professor José Carlos Portugal. Crise nas públicas tem seus reflexos - Uma das razões para que a procura pelos cursinhos tenha sido reduzida, segundo o professor Portugal, é o estado atual de muitas instituições públicas. "Um percentual de estudantes, não muito grande, está desiludido com o ensino público gratuito, pois não enxerga na universidade pública um caminho para a empregabilidade. Eles acabam buscando, equivocadamente, outras alternativas, comprometendo sua renda e sua escolaridade", lamenta.
Para o professor José Carlos Portugal, as constantes greves nas universidades públicas também contribuem para aumentar a desilusão pelo ensino superior público. "As greves, mesmo sendo justas, trazem um prejuízo para a formação dos alunos. O estudante não é bobo e, por isso, resolve buscar opções que vão lhe proporcionar melhores resultados no futuro. Neste sentido, a universidade pública está cada vez mais enfraquecida", afirma. Menos interesse pelas instituições públicas, menos interesse pelos cursos preparatórios. "A saída para os cursinhos é se adaptar, como fizeram as fábricas de discos e de videocassetas quando foram lançados os CDs e DVDs. Hoje, o mercado deve buscar um nicho específico e não mais ser um segmento de massa. Não há mais demandas reprimidas como antes", ressalta Portugal. (In)segurança é fator predominante.
De acordo com o professor Rui Alves, diretor pedagógico do Colégio/Curso pH, o que determina se o curso se mantém bem no mercado é a qualidade de ensino que oferece. Para ele, muitos estudantes ainda sonham com a universidade pública, mas o que acontece atualmente é que eles não têm mais o receio de optar por uma instituição particular. "Alguns estudantes, por exemplo, podem escolher tranqüilamente fazer Direito na UFRJ ou na PUC-Rio e optam pela segunda. Neste ponto, o que conta é a segurança. Muitos pais ficam preocupados dos filhos saírem à noite do Fundão, temendo a violência", destaca. O professor acredita ainda que as mudanças pelas quais os vestibulares vêm passando nos últimos anos contribuíram para que a realidade dos cursinhos também tenha mudado. "O vestibular mudou para melhor. Hoje, não há mais a ´decoreba´. As universidades querem fazer o aluno pensar cada vez mais. O melhor exemplo é a UFRJ, que faz um concurso totalmente discursivo. Isso contribui para mudar a situação dos cursinhos", analisa Rui Alves.

Mudanças começaram na década de 90

O professor George Cardoso, diretor pedagógico do Centro Educacional da Lagoa (CEL), concorda que as mudanças nos processos seletivos também foram responsáveis pela atual situação dos cursos pré-vestibulares. "Houve épocas em que as turmas dos cursinhos eram muito grandes. O professor tinha que lecionar no microfone. Hoje, os cursos trabalham com turmas menores. O vestibular atualmente cobra mais interpretação. Para você preparar o aluno para este tipo de concurso, é preciso um atendimento mais individualizado, impossível com o tamanho de turma que existia antes", explica. Para George Cardoso, os cursos pré-vestibulares estão em mudança desde o início da década de 1990, quando foram criadas escolas a partir de cursos preparatórios bem-sucedidos. "Nenhuma rede de ensino se mantém hoje só com o cursinho, que se tornou um apêndice financeiro. É a escola que permite que a rede continue. Por isso, todas as redes de cursos preparatórios, hoje, contam com escolas também. Aliás, apostar nessas duas vertentes é uma das características das melhores instituições de ensino", acredita.
As constantes greves no ensino público, mais uma vez, são apontadas como uma das razões para que as universidades particulares tenham atraído tantos estudantes. "Há mais de 10 anos que não se vê uma greve no ensino particular no Rio. Já no ensino público, há greve todo ano. Isso afasta alguns alunos, que optam por universidades particulares. Hoje, o ensino privado conta com instituições de muita qualidade e com bons recursos. O aluno quer estudar na UFRJ e na Uerj, mas também avalia se vale a pena ir para uma instituição particular. No mercado de trabalho, atualmente, o que conta mais é a competência e não o lugar em que o profissional se formou", diz George Cardoso. Para o diretor do Instituto Guanabara e do curso Miguel Couto, professor Victor Notrica, apesar de muitos estudantes pensarem na opção de uma universidade particular, o foco da maioria continua sendo a instituição pública, principalmente em algumas carreiras. "Nos cursos mais tradicionais, como Medicina e Direito, os estudantes querem passar para uma universidade pública ou, no máximo, para a PUC. Há uma qualidade reconhecida e um prestígio nestas instituições. Mas também há um percentual de alunos que, por optarem por outras carreiras, não tem este foco", afirma Notrica. Expansão das vagas e maior incentivo - O presidente da Fundação Cesgranrio e da Academia Brasileira de Educação (ABE), Carlos Alberto Serpa de Oliveira, lembra que outro aspecto vem aumentando o interesse pelas universidades particulares: o Programa Universidade para Todos (ProUni), do governo federal. "No Brasil, temos universidades de dois tipos, independentemente de ser pública ou privada. As boas universidades particulares são cada vez mais procuradas, principalmente porque elas
investem bastante em pesquisa e melhorias constantes", afirma.
Segundo o presidente da Cesgranrio, houve uma mudança fundamental nesta questão: o vestibular deixou de ser uma comoção. "Antes, faltavam vagas no ensino superior. Hoje, a realidade mudou bastante. Há muito mais oferta de vagas do que procura. E não só as universidades particulares estão se expandido. Algumas instituições públicas estão se interiorizando, abrindo novas unidades, e o governo também investe em abrir novas universidades", analisa. O professor Serpa, porém, revela que esta situação o deixa apreensivo. "Não se improvisam qualidade de ensino e um bom corpo docente de um dia para o outro. Uma mesma universidade não pode oferecer cursos de qualidades diferentes. Fico apreensivo de ver que algumas instituições públicas estão passando por situações difíceis para se manter e, mesmo assim, novas universidades públicas são criadas", avalia.
De acordo com Carlos Alberto Serpa, o fato de ser uma universidade pública não lhe dá o status de boa instituição de ensino. "Algumas universidades foram criadas há pouco tempo ou estão sem receber os investimentos necessários. Por isso, é importante que o governo faça periodicamente avaliações das instituições. É isso que vai indicar aos alunos e às famílias sobre a qualidade e o futuro dos cursos, garantindo uma escolha mais segura e consciente", orienta.

terça-feira, 16 de maio de 2006

A cultura da violência, por Jéferson Dantas

Ao lado, Fernandinho Beira-Mar
do PCC


As ondas de ataque em São Paulo comandadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) e os seus efeitos em outras capitais do país, como é o caso de Florianópolis, apenas realça com cores vivas o fato de que vivemos uma guerra civil declarada no Brasil. Não há mais o que esconder! A elite econômica do país associada às antigas oligarquias políticas de norte a sul e também aos ideólogos neoliberais conseguiram o seu intento: agudizaram o fosso entre os endinheirados e os completamente miseráveis. Não é à toa que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo!
Mas, engana-se quem acredita que o PCC é apenas um grupo de bandidos sem discernimento das práticas sócio-econômicas impingidas pela classe política tupiniquim. A demonstração de força do PCC paralisou o Estado mais rico do país e os seus estragos podem ser muito mais devastadores numa cidade como Florianópolis, que já convive com uma população estimada em 30 mil pessoas nos morros e encostas da capital. E quando essa massa descer os morros e exigir atenção do poder público? O Estado de Direito vai fazer o quê? Reprimir e colocar em risco milhares de civis?
Sem projeto social nenhum país consegue dar dignidade ao seu povo. São tempos difíceis! De uma barbárie generalizada. Acredito que só é possível mudar o jogo quando o Estado brasileiro tomar a decisão histórica de investir maciçamente em educação e saúde pública. Não vejo outra saída. As gerações que vêm por aí estão desamparadas em diferentes níveis objetivos e subjetivos. O nível de exclusão social é brutal! E para piorar, a imprensa brasileira aposta na cultura da violência para alavancar programas sensacionalistas encharcados de moralismo cristão, hipocrisia e xenofobia!
Hard times, hard times caro Dickens... Continuarei escrevendo sobre as minhas impressões da cultura da violência nos próximos dias.
NOTA: Foi com profundo mal-estar que li a reportagem de uma agência internacional de notícias relatando a criação de um game baseado no massacre da Escola Columbine (EUA) onde jovens e um professor foram assassinados por dois estudantes. No game, o jogador que mais matar estudantes e professores avança para as próximas fase ou níveis de dificuldade. Não há dúvidas: são tempos de indiferença à vida!

quarta-feira, 10 de maio de 2006

O Legado de Paulo Freire, por Jéferson Dantas*



No dia 2 de maio fez nove anos que o educador Paulo Freire desapareceu. Porém, suas idéias e, principalmente, o seu legado no campo da Educação continua tão vivo quanto na época da Ditadura Militar (1964-1985), quando teve de abandonar o seu próprio país por acreditar numa educação popular emancipadora. Paulo Freire considerava também que o educador para atingir os seus estudantes precisava compreender a sua própria prática social, rompendo com o que denominou de “consciência ingênua”. Logo, o educador não deveria se entregar às questões educacionais como um missionário que libertaria seus educandos das trevas da ignorância, sendo tão-somente um depositário de conteúdos (educação bancária).
Para Freire, se o educador é um sujeito histórico, ele é um agente de mudança. Porém, agente de mudança da estrutura social. Neste sentido, quanto mais fosse levado a refletir sobre sua situação como trabalhador intelectual, sobre seu “enraizamento espaço-temporal”, mais conscientemente estaria carregado de compromisso com sua realidade comunitária. O comportamento ingênuo diante dos acontecimentos históricos era um dos grandes pontos de discussão de Freire, já que para ele o ingênuo era polêmico, com forte carga passional, compreendendo a realidade social como estática e não mutável. Já o educador crítico quando se deparasse com um determinado fenômeno histórico, tentaria se afastar o máximo dos preconceitos, “não somente na captação, mas também na análise e na resposta”.
Diante de tamanhos ensinamentos, do intenso e apaixonado legado de Paulo Freire, o que vemos em nosso país, atualmente, é a desistência sistemática de jovens educadores do magistério. A identidade do educador está cada vez mais agredida pela desvalorização de seu ofício. E é justamente a identidade que confere legitimidade ao processo de construção da prática pedagógica e suas conseqüentes rupturas históricas. Fiquemos, pois, com a herança de um homem que nos ensinou que educar é, acima de tudo, um exercício de imortalidade.

* Mestre em Educação (UFSC). Educador da rede municipal de São José/SC.

quarta-feira, 12 de abril de 2006

Do projeto literário "Verdades para serem ditas: os poemas da esperança"



VII

eu atrás
do vulcão
espero
a erupção
e depois
rio
muito de
tudo .

eu não sei
ciranda
e nem versos
de troças.

a menina
do cabelo anelado
ensina-me
uma
brincadeira nova
e ela cheira bem
e diz-se princesa
do bairro
encantado.

eu
o sujismundo
com a rosa
na mão
pareço carlitos
a chorar
melancolia
e beleza
da hora.

terça-feira, 11 de abril de 2006

A participação dos professores substitutos da UFSC na greve das IFES de 2005



Por Jéferson Dantas



A participação dos professores substitutos na greve das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) em 2005 foi de extrema relevância para a compreensão/avaliação de como estes trabalhadores em educação se encontram em situação de alarmante precarização. De acordo com um levantamento estatístico realizado durante a mobilização dos docentes do ensino superior, os professores substitutos representam, praticamente, 25% da força de trabalho da categoria na Universidade Federal de Santa Catarina, ou seja, contabilizam mais de 400 docentes. Entretanto, esta situação se agrava quando erguemos nossos olhos para a carga de trabalho dos professores substitutos em sala de aula (ensino): praticamente, 50% da força de trabalho da UFSC.
Neste sentido, a ‘novidade’ concernente à participação dos docentes substitutos na greve das IFES em 2005 foi, justamente, a denúncia de que esta força de trabalho precarizada, sujeita a um contrato de trabalho de caráter civil, i.e., um contrato de prestação de serviço sem qualquer garantia trabalhista mais consistente, precisa ser analisado estruturalmente num contexto de privatização e sucateamento do ensino público superior. A UFSC em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), principalmente durante a participação dos professores substitutos no Comando Nacional (CNG) da greve em Brasília, conseguiram elencar e organizar princípios comuns através de documentos direcionados à Reitoria das duas universidades e à sensibilização de suas seções sindicais (APUFSC e ADUnB, respectivamente). Esta parceria teve pelo menos um fruto positivo: a articulação e construção do primeiro Encontro Nacional de Professores Substitutos (ENAPS) a se realizar, provavelmente, em fevereiro de 2006, concomitante ao Congresso da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN) [1]. Este primeiro encontro deve priorizar, certamente, o debate concernente à diminuição dos professores substitutos nas IFES e suas condições de trabalho, a abertura imediata de novas vagas mediante concursos públicos em todas as IFES do país, condições salariais dignas, dedicação exclusiva para os que têm 40 horas e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, já que os substitutos são contratados apenas para o ensino. Além disso, em momentos tensos e difíceis como ocorre em toda a mobilização de trabalhadores, os professores substitutos são os alvos preferidos para os constrangimentos, ameaças de demissão, de ‘não terem direito à greve’, enfim, toda sorte de humilhações e improbidades. A primeira atitude dos professores substitutos da UFSC foi eleger representantes locais da greve entre seus pares, sindicalização imediata e os devidos esclarecimentos da assessoria jurídica da APUFSC, encontros regulares entre os substitutos durante a semana e antes das AG’s (assembléias gerais). Foi elaborada ainda uma lista de e-mails dos substitutos, buscando a integração de outros Centros e Departamentos da UFSC e, consequentemente, o fortalecimento da identidade dos substitutos (BOLETIM DE GREVE, 2005, p. 2).
Durante a segunda quinzena de setembro de 2005, a representante dos professores substitutos no Comando Nacional de Greve (CNG/ANDES) apresentou em Brasília a ata nº. 2, de 13 de setembro de 2005, do Comando Local de Greve dos professores da UFSC, que pontuava entre outras deliberações os seguintes tópicos: a) estabelecimento imediato de concurso público; b) revisão contratual, i.e., reconhecimento da natureza trabalhista do vínculo, incorporando todos os direitos a ela inerentes, especialmente a revisão da remuneração em relação à carga horária do trabalho; c) condições iguais de trabalho para professores substitutos e efetivos, tais como estrutura física, técnica e de materiais de consumo; d) apoio e respaldo da categoria na paralisação dos substitutos, assegurando que nenhum educador tenha prejuízo ou sofra algum tipo de punição; e) audiência com o Ministério Público Federal para ajuizar uma ação civil pública, exigindo a abertura de concurso público, em virtude da caracterização da vaga (universo permanente de professores substitutos da UFSC) e a necessidade imediata de ampliação do quadro docente efetivo. Os tópicos elencados reafirmavam a necessidade de se reavaliar o impacto e o crescente inchaço de professores substitutos nas IFES, o que representa grandes perdas de qualidade e excelência acadêmica, já que os substitutos não podem se dedicar à pesquisa e à extensão, ferindo o princípio universal das universidades públicas: a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BOLETIM DE GREVE, 2005, p. 3).
Todavia, os cinco tópicos supracitados passaram por uma depuração significativa, já que alguns membros da Diretoria da APUFSC não concordaram com o teor de determinados itens de uma carta construída pelos professores substitutos antes da assembléia de 13 de setembro de 2005. A referida ‘carta’ acabou se tornando um documento emblemático e vale a pena comentar algumas passagens da mesma, denotando impasses e campos de disputas internas. Primeiramente, a carta é endereçada ao Comando Nacional de Greve e constituída por sete sintéticos parágrafos. No primeiro parágrafo há um breve histórico de como surgiram os denominados ‘professores colaboradores’, ainda na década de 1980, e de como os mesmos através de intensa mobilização e uma greve que, inclusive, derrubou o Ministro da Educação do período, conseguiram ser incorporados ao quadro efetivo das instituições de ensino superior. Cabe lembrar que estávamos sob a égide dos últimos anos do regime militar no Brasil (1964-1985). Porém, no terceiro parágrafo da carta aparecem as primeiras divergências e uma luta silenciosa entre docentes efetivos e docentes substitutos: “Durante muitos anos a posição do ANDES e de praticamente todas as AD’S [Associação de docentes] tem sido não debater as condições de trabalho e questões específicas dos substitutos, pois a compreensão (que entendemos correta) é a de defender a não existência de profissionais com condições de trabalho precárias o que ocorre com os substitutos [sic] e que portanto não haveria o que discutir e a solução seria a abertura de concursos públicos, com que temos absoluta concordância”.
Já em seu quarto parágrafo, o ‘tom’ da carta torna-se mais incisivo: “[...] esta tática de não discutir as condições de trabalho dos substitutos não tem sido efetiva em seu propósito de diminuir a existência destes nas IFES; ao contrário, a presença destes tem aumentado significativamente, sendo que suas cargas horárias destinadas aos cursos de graduação são cada vez mais representativas, chegando a ser maiores do que o número de horas de professores efetivos, [...]”.
Ficava patente, portanto, o mal-estar ocasionado pela carta, sem eufemismos, colocando em xeque os posicionamentos políticos dos colegas em situação de efetividade. Havia uma determinada compreensão de que os “professores substitutos eram o mal necessário”, pois num contexto de produtividade e competitividade acirradas no universo acadêmico, o ensino precisava ficar nas mãos de alguém, e este ‘alguém’ estava personificado no docente em caráter temporário. Ainda que as práticas discursivas construídas nas assembléias de greve da UFSC e em outras IFES do país apontassem para o ‘problema dos substitutos’, sabe-se que na própria pauta de reivindicações protocolada pelo ANDES-SN e colocada na mesa de negociações com o MEC, não ficava suficientemente claro a situação dos substitutos. O último ponto de pauta, embora defendesse a abertura de novas vagas nas IFES, não ampliava o debate e a situação de precarização dos substitutos, dando a entender que este aspecto de relevância estrutural nas universidades públicas brasileiras iria, literalmente, para as calendas gregas.
Lembrando o educador baiano Anísio Teixeira, que na década de 1940 defendia que a universidade deveria estimular a criatividade intelectual e a destruição do isolamento de determinados setores da sociedade, assim como o constante espírito de investigação e desenvolvimento de quadros intelectuais do país (PINTO; LEAL; PIMENTEL, 1995, p. 77), parece-me que esta greve deixou de lado muito desse espírito. No âmbito de uma reforma universitária em curso, que defende o empreendedorismo docente e a busca de recursos privados para o fomento de pesquisas estratégicas, Anísio Teixeira, efetivamente, soa-nos extemporâneo. O Partido dos Trabalhadores (PT) na costura de sua estratégia de poder atual deixou de lado princípios muito caros presentes em sua trajetória histórica, das quais podemos elencar: a) valorização da cultura, do saber e do poder popular; b) defesa intransigente da escola pública, gratuita, laica e única; c) luta pela gestão democrática, gratuidade ativa e superação da dicotomia educação formal/educação informal; d) defesa da escola pública e gratuita em todos os níveis e criação de uma escola com princípios socialistas (Idem, p. 100-103).
Logo, os golpes duros que o ANDES-SN recebeu em todas as rodadas de negociação com o MEC e, tendo que presenciar a participação conjunta de um fórum de professores sem legitimidade sindical (PROIFES), representou, nitidamente, a estratégia de desqualificação impingida pelo MEC ao ANDES-SN, divisionando a categoria docente do ensino superior.
Levando-se em conta todos esses aspectos, os professores substitutos muito em breve passarão a ser majoritários em boa parte das IFES brasileiras. Sob todos os ângulos, isso será o estopim da destruição da universidade pública no Brasil. Imagino como será, por exemplo, construir uma greve tendo como elemento majoritário os docentes em caráter temporário, extremamente tangenciados por ameaças de demissão, constrangimentos por parte de chefes de departamento e coações de toda espécie. Do ponto de vista do embate político isto representa uma fragilização de conseqüências diversas. E o que é mais dramático: um facilitador para a implementação da reforma universitária em curso e o desmonte pleno da universidade pública.
Enfim, os professores substitutos da UFSC, em particular, demonstraram nesta greve uma compreensão mais aguda de suas condições de trabalho, denunciando nas assembléias a precariedade a que são submetidos. Além disso, destacaram-se nacionalmente, em parceria com a UnB, dando visibilidade ao seu caráter profissional, a indissociabilidade da pesquisa, ensino e extensão e o compromisso do ANDES-SN na colaboração do primeiro Encontro Nacional de Professores Substitutos (1º. ENAPS). Como em toda a greve, as avaliações possíveis são multifacetadas e polissêmicas. As lições foram inúmeras. A experiência política que os professores substitutos da UFSC adquiriram no comando local de greve e também no comando nacional, não deixam dúvidas de que este contingente de trabalhadores em educação é importante nos momentos cruciais de uma greve e na formação de futuros profissionais em áreas diversas do conhecimento humano. Neste sentido, as seções sindicais vinculadas ao ANDES-SN precisam mais do que nunca, estruturarem internamente e, permanentemente, fóruns que avaliem a nocividade do crescimento dos professores substitutos nas IFES, uma força de trabalho de baixo custo e que tem respondido por boa parte dos profissionais que são ‘lançados’ no mercado de trabalho todos os anos.

REFERÊNCIAS


Boletim de Greve – Informativo do Comando de greve dos professores da UFSC, Florianópolis/SC, n. 1, Ago. 2005.

Boletim de Greve – Informativo do Comando de greve dos professores da UFSC, Florianópolis/SC, n. 5, Set. 2005.

PINTO, Diana Couto; LEAL, Maria Cristina; PIMENTEL, Marília. Trajetórias de Liberais e Radicais pela Educação Pública. São Paulo: Ed. Loyola, 1995.



[1] A proposta inicial do ENAPS foi alterada por um Seminário de dois dias em Brasília (11 e 12 de fevereiro de 2006) organizado pelo ANDES-SN, tratando fundamentalmente da precarização do trabalho docente.

quarta-feira, 22 de março de 2006

Minha singela resposta ao ranking do ENEM

O que não aparece no “ranking”.

Jéferson Dantas

A Escola de Educação Básica Jurema Cavallazzi, situada no bairro José Mendes e que atende, principalmente, crianças e jovens do Morro da Queimada na cidade de Florianópolis, recebeu a pior avaliação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) no Estado de Santa Catarina. Como educador que fui dessa escola, posso elencar alguns exemplos de como números “frios”, que promovem a competitividade e a isenção do poder público, procuram criar na percepção coletiva a idéia de que todos são iguais na desigualdade, nos termos da professora Terezinha Saraiva.
A E.E.B. Jurema Cavallazzi faz parte do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (FMMC) há pelo menos seis anos em parceria com mais oito escolas públicas estaduais e quatro Centros de Educação Infantil mantidas pelo Estado. O FMMC atende, basicamente, crianças e jovens que vivem em situação de risco nos morros e encostas de Florianópolis, quase todas ceifadas pela triste realidade do narcotráfico, péssimas condições de moradia e ausência de projetos sociais consistentes. Grande parte das escolas realiza eleições diretas para diretores, na contracorrente dos cargos de confiança apadrinhados pelo governador, prática tão comum em várias partes do país. O FMMC possui várias instâncias de deliberação coletiva, dentre elas a comissão de educação que planeja e executa ações pedagógicas de caráter social, cultural e educativo, como foi o caso da Mostra Cultural realizada no final de 2003 no principal teatro da cidade. Além disso, inúmeras foram as audiências com o então secretário de Educação, Ciência e Tecnologia Jacó Anderle, já falecido. O mesmo ocorreu com o secretário de Desenvolvimento Regional da Mesorregião da Grande Florianópolis, Valter Gallina, que em setembro de 2004 prometera a construção do ginásio poliesportivo na E.E.B. Jurema Cavallazzi, promessa nunca cumprida, embora o engenheiro responsável naquele momento tenha afirmado que havia orçamento para a obra. A Gerência Regional de Educação, Ciência e Tecnologia (GEREI) também foi procurada como interlocutora no sentido de auxiliar a referida escola em seus aspectos pedagógicos mais emergentes.
Fica-me uma grande indagação: como uma escola que busca, exaustivamente, a inclusão social de crianças e adolescentes em situação de risco pode ser a última no ranking do ENEM? Como uma escola que, em nenhum momento, isentou-se de sua responsabilidade social e educativa, procurando as organizações do sistema de ensino vigente, pode ter sido a última no ranking do ENEM? Como uma escola que há anos é campo de estágio das duas maiores universidades públicas do Estado (UFSC e UDESC) e que possui uma longa trajetória de intercâmbio com estas instituições de ensino superior (principalmente com projetos de extensão articulada à formação continuada de educadores) pode ser a última do ranking do ENEM?
Bem, a resposta não é simples. Está tangenciada por uma série de elementos que passa pela valorização social do magistério e condições dignas de trabalho. A E.E.B. Jurema Cavallazzi, em síntese, tem resistido a todos os desmandos das políticas públicas locais, já que não está coadunada a qualquer legenda partidária. Ah, mas isso não pode aparecer no ranking, não é mesmo? Prefiro acreditar no trabalho coletivo real, solidário, repleto de desafios cotidianos e com todas as multifaces de uma construção histórica do que em números frios e previsíveis sob a ótica da lógica do Capital. É justamente essa lógica que trata desiguais como iguais que tem permeado as políticas públicas nos últimos dez anos, denotando a desresponsabilização do Estado e a indiferença a sujeitos em plena formação escolar.

quarta-feira, 1 de março de 2006

Do projeto literário "Verdades para serem ditas: os poemas da esperança" (2006)


IV

necessário
se afastar do amigo
para que ele
aprenda coisas novas
e possa te ensinar
também.

necessário
não dizer nada
quando o amigo
chora
e só quer o
teu abraço.

necessário
acolher o amigo
com culinárias
alquímicas e
beijos na face.

necessário
que a palavra
nunca seja em
vão.

necessário
que a vida vingue
em corações
exangues.

imperativo
amar o amigo
pleno de contradições
porque ele
é como tu:
auge e abismo!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

ENEM acirra a competitividade?


Igualdade entre desiguais

Terezinha Saraiva

Pela primeira vez, nesses oito anos em que o Ministério da Educação realiza o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o INEP resolveu publicar um "ranking" das escolas públicas e particulares de ensino médio, a partir dos resultados obtidos pelos alunos que o realizaram. Não sei qual foi a intenção. Considero, entretanto, uma decisão sem qualquer valor pedagógico, uma vez que a partir de uma comparação entre realidades diversas, em que inúmeras variáveis influem no processo ensino – aprendizagem e, em conseqüência, no desempenho dos alunos, a publicação do ranking levou a opinião pública a estabelecer um equivocado juízo de valor sobre as escolas. A publicação do ranking que comparou clientelas diversas, corpos docentes diferenciados, condições de trabalho desiguais, além de não traduzir um julgamento justo trouxe um grande desconforto e mal-estar às escolas, seus gestores, seu corpo docente, seus alunos e suas famílias. Qual o mérito de um ranking? A meu ver, como educadora, nenhum; sobretudo quando, como este, estabelece comparação entre coisas desiguais.
Se considerarmos estímulo e desestímulo, este último foi muito maior. A frustração alastrou-se entre os diversos atores das escolas mal classificadas no ranking. O esforço para construir e desenvolver uma boa proposta pedagógica, para oferecer ao seu corpo docente oportunidades permanentes de atualização, de modo a aperfeiçoar sua prática docente, de oferecer a seus alunos um ensino de qualidade, além de orientação para a continuação de seus estudos ou para buscar um espaço no mundo do trabalho, familiarizando-os com as várias profissões e com os cursos técnicos ou superiores existentes, enfim, o esforço para desenvolver um trabalho educacional de qualidade foi julgado pontualmente, por um único instrumento – a prova do ENEM, deixando de considerar as inúmeras variáveis que poderiam ter interferido nesse resultado. Por exemplo: sei de um excelente colégio particular do Rio de Janeiro, que não inscreveu para o ENEM os alunos das turmas de EJA, sabendo que seu desempenho seria, provavelmente, inferior, empurrando para baixo os resultados da escola. Do mesmo modo, conheço um outro excelente colégio particular, também do Rio, que inscreveu além dos alunos dos cursos regulares os das turmas que atendem jovens e adultos. As notas obtidas por esses últimos colocaram o colégio muito abaixo da classificação que obteria, se tivesse inscrito somente os alunos das turmas do ensino regular, que tiveram um excelente desempenho no ENEM. Por ter tido uma postura muito mais correta e democrática dando oportunidade, a todos, de realizaram o ENEM, o segundo colégio ficou mal classificado e julgado por mau desempenho perante os leigos, porque os educadores sabem que um ranking tem que ser visto com ressalvas e quase nunca traduz a qualidade do ensino oferecido pelas escolas e da aprendizagem alcançada
pelos alunos. Os aspectos positivos de um ranking são infinitamente inferiores aos aspectos negativos. Um outro aspecto negativo resultante do ranking foi a indução à comparação entre ensino público e privado, levando a uma assertiva generalizada que não é verdadeira: a de que escola particular é, em geral, melhor do que escola pública. Aliás, o próprio ranking mostrou os bons resultados dos Colégios de Aplicação, das Escolas Técnicas Federais, com destaque para a Escola Técnica, voltada para a área de saúde, mantida pela FIOCRUZ, do Colégio Pedro II, do Colégio Militar, todos eles públicos. Quem já foi gestor de um sistema educacional sabe que há boas escolas públicas e particulares; como há escolas fracas mantidas pelo poder público ou pela iniciativa privada. Generalizar é um erro.
Os dois exemplos aqui citados mostram o desserviço prestado com a publicação de um ranking de escolas, a partir dos resultados do ENEM. O desestímulo foi muito maior do que o estímulo, se era essa a intenção do INEP. É importante que as escolas recebam as notas obtidas por seus alunos, retirando, de sua análise, os procedimentos a serem tomados para cumprir, cada vez melhor, a sua missão: ensinar e fazer aprender. Quanto ao ranking, sua análise não leva a nada, a não ser afagar o ego de algumas escolas e levar frustração a muitas outras. E, pedagogicamente, sabe-se, e não é de hoje, que não se deve tratar igualmente os desiguais.