terça-feira, 11 de abril de 2006

A participação dos professores substitutos da UFSC na greve das IFES de 2005



Por Jéferson Dantas



A participação dos professores substitutos na greve das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) em 2005 foi de extrema relevância para a compreensão/avaliação de como estes trabalhadores em educação se encontram em situação de alarmante precarização. De acordo com um levantamento estatístico realizado durante a mobilização dos docentes do ensino superior, os professores substitutos representam, praticamente, 25% da força de trabalho da categoria na Universidade Federal de Santa Catarina, ou seja, contabilizam mais de 400 docentes. Entretanto, esta situação se agrava quando erguemos nossos olhos para a carga de trabalho dos professores substitutos em sala de aula (ensino): praticamente, 50% da força de trabalho da UFSC.
Neste sentido, a ‘novidade’ concernente à participação dos docentes substitutos na greve das IFES em 2005 foi, justamente, a denúncia de que esta força de trabalho precarizada, sujeita a um contrato de trabalho de caráter civil, i.e., um contrato de prestação de serviço sem qualquer garantia trabalhista mais consistente, precisa ser analisado estruturalmente num contexto de privatização e sucateamento do ensino público superior. A UFSC em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), principalmente durante a participação dos professores substitutos no Comando Nacional (CNG) da greve em Brasília, conseguiram elencar e organizar princípios comuns através de documentos direcionados à Reitoria das duas universidades e à sensibilização de suas seções sindicais (APUFSC e ADUnB, respectivamente). Esta parceria teve pelo menos um fruto positivo: a articulação e construção do primeiro Encontro Nacional de Professores Substitutos (ENAPS) a se realizar, provavelmente, em fevereiro de 2006, concomitante ao Congresso da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN) [1]. Este primeiro encontro deve priorizar, certamente, o debate concernente à diminuição dos professores substitutos nas IFES e suas condições de trabalho, a abertura imediata de novas vagas mediante concursos públicos em todas as IFES do país, condições salariais dignas, dedicação exclusiva para os que têm 40 horas e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, já que os substitutos são contratados apenas para o ensino. Além disso, em momentos tensos e difíceis como ocorre em toda a mobilização de trabalhadores, os professores substitutos são os alvos preferidos para os constrangimentos, ameaças de demissão, de ‘não terem direito à greve’, enfim, toda sorte de humilhações e improbidades. A primeira atitude dos professores substitutos da UFSC foi eleger representantes locais da greve entre seus pares, sindicalização imediata e os devidos esclarecimentos da assessoria jurídica da APUFSC, encontros regulares entre os substitutos durante a semana e antes das AG’s (assembléias gerais). Foi elaborada ainda uma lista de e-mails dos substitutos, buscando a integração de outros Centros e Departamentos da UFSC e, consequentemente, o fortalecimento da identidade dos substitutos (BOLETIM DE GREVE, 2005, p. 2).
Durante a segunda quinzena de setembro de 2005, a representante dos professores substitutos no Comando Nacional de Greve (CNG/ANDES) apresentou em Brasília a ata nº. 2, de 13 de setembro de 2005, do Comando Local de Greve dos professores da UFSC, que pontuava entre outras deliberações os seguintes tópicos: a) estabelecimento imediato de concurso público; b) revisão contratual, i.e., reconhecimento da natureza trabalhista do vínculo, incorporando todos os direitos a ela inerentes, especialmente a revisão da remuneração em relação à carga horária do trabalho; c) condições iguais de trabalho para professores substitutos e efetivos, tais como estrutura física, técnica e de materiais de consumo; d) apoio e respaldo da categoria na paralisação dos substitutos, assegurando que nenhum educador tenha prejuízo ou sofra algum tipo de punição; e) audiência com o Ministério Público Federal para ajuizar uma ação civil pública, exigindo a abertura de concurso público, em virtude da caracterização da vaga (universo permanente de professores substitutos da UFSC) e a necessidade imediata de ampliação do quadro docente efetivo. Os tópicos elencados reafirmavam a necessidade de se reavaliar o impacto e o crescente inchaço de professores substitutos nas IFES, o que representa grandes perdas de qualidade e excelência acadêmica, já que os substitutos não podem se dedicar à pesquisa e à extensão, ferindo o princípio universal das universidades públicas: a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BOLETIM DE GREVE, 2005, p. 3).
Todavia, os cinco tópicos supracitados passaram por uma depuração significativa, já que alguns membros da Diretoria da APUFSC não concordaram com o teor de determinados itens de uma carta construída pelos professores substitutos antes da assembléia de 13 de setembro de 2005. A referida ‘carta’ acabou se tornando um documento emblemático e vale a pena comentar algumas passagens da mesma, denotando impasses e campos de disputas internas. Primeiramente, a carta é endereçada ao Comando Nacional de Greve e constituída por sete sintéticos parágrafos. No primeiro parágrafo há um breve histórico de como surgiram os denominados ‘professores colaboradores’, ainda na década de 1980, e de como os mesmos através de intensa mobilização e uma greve que, inclusive, derrubou o Ministro da Educação do período, conseguiram ser incorporados ao quadro efetivo das instituições de ensino superior. Cabe lembrar que estávamos sob a égide dos últimos anos do regime militar no Brasil (1964-1985). Porém, no terceiro parágrafo da carta aparecem as primeiras divergências e uma luta silenciosa entre docentes efetivos e docentes substitutos: “Durante muitos anos a posição do ANDES e de praticamente todas as AD’S [Associação de docentes] tem sido não debater as condições de trabalho e questões específicas dos substitutos, pois a compreensão (que entendemos correta) é a de defender a não existência de profissionais com condições de trabalho precárias o que ocorre com os substitutos [sic] e que portanto não haveria o que discutir e a solução seria a abertura de concursos públicos, com que temos absoluta concordância”.
Já em seu quarto parágrafo, o ‘tom’ da carta torna-se mais incisivo: “[...] esta tática de não discutir as condições de trabalho dos substitutos não tem sido efetiva em seu propósito de diminuir a existência destes nas IFES; ao contrário, a presença destes tem aumentado significativamente, sendo que suas cargas horárias destinadas aos cursos de graduação são cada vez mais representativas, chegando a ser maiores do que o número de horas de professores efetivos, [...]”.
Ficava patente, portanto, o mal-estar ocasionado pela carta, sem eufemismos, colocando em xeque os posicionamentos políticos dos colegas em situação de efetividade. Havia uma determinada compreensão de que os “professores substitutos eram o mal necessário”, pois num contexto de produtividade e competitividade acirradas no universo acadêmico, o ensino precisava ficar nas mãos de alguém, e este ‘alguém’ estava personificado no docente em caráter temporário. Ainda que as práticas discursivas construídas nas assembléias de greve da UFSC e em outras IFES do país apontassem para o ‘problema dos substitutos’, sabe-se que na própria pauta de reivindicações protocolada pelo ANDES-SN e colocada na mesa de negociações com o MEC, não ficava suficientemente claro a situação dos substitutos. O último ponto de pauta, embora defendesse a abertura de novas vagas nas IFES, não ampliava o debate e a situação de precarização dos substitutos, dando a entender que este aspecto de relevância estrutural nas universidades públicas brasileiras iria, literalmente, para as calendas gregas.
Lembrando o educador baiano Anísio Teixeira, que na década de 1940 defendia que a universidade deveria estimular a criatividade intelectual e a destruição do isolamento de determinados setores da sociedade, assim como o constante espírito de investigação e desenvolvimento de quadros intelectuais do país (PINTO; LEAL; PIMENTEL, 1995, p. 77), parece-me que esta greve deixou de lado muito desse espírito. No âmbito de uma reforma universitária em curso, que defende o empreendedorismo docente e a busca de recursos privados para o fomento de pesquisas estratégicas, Anísio Teixeira, efetivamente, soa-nos extemporâneo. O Partido dos Trabalhadores (PT) na costura de sua estratégia de poder atual deixou de lado princípios muito caros presentes em sua trajetória histórica, das quais podemos elencar: a) valorização da cultura, do saber e do poder popular; b) defesa intransigente da escola pública, gratuita, laica e única; c) luta pela gestão democrática, gratuidade ativa e superação da dicotomia educação formal/educação informal; d) defesa da escola pública e gratuita em todos os níveis e criação de uma escola com princípios socialistas (Idem, p. 100-103).
Logo, os golpes duros que o ANDES-SN recebeu em todas as rodadas de negociação com o MEC e, tendo que presenciar a participação conjunta de um fórum de professores sem legitimidade sindical (PROIFES), representou, nitidamente, a estratégia de desqualificação impingida pelo MEC ao ANDES-SN, divisionando a categoria docente do ensino superior.
Levando-se em conta todos esses aspectos, os professores substitutos muito em breve passarão a ser majoritários em boa parte das IFES brasileiras. Sob todos os ângulos, isso será o estopim da destruição da universidade pública no Brasil. Imagino como será, por exemplo, construir uma greve tendo como elemento majoritário os docentes em caráter temporário, extremamente tangenciados por ameaças de demissão, constrangimentos por parte de chefes de departamento e coações de toda espécie. Do ponto de vista do embate político isto representa uma fragilização de conseqüências diversas. E o que é mais dramático: um facilitador para a implementação da reforma universitária em curso e o desmonte pleno da universidade pública.
Enfim, os professores substitutos da UFSC, em particular, demonstraram nesta greve uma compreensão mais aguda de suas condições de trabalho, denunciando nas assembléias a precariedade a que são submetidos. Além disso, destacaram-se nacionalmente, em parceria com a UnB, dando visibilidade ao seu caráter profissional, a indissociabilidade da pesquisa, ensino e extensão e o compromisso do ANDES-SN na colaboração do primeiro Encontro Nacional de Professores Substitutos (1º. ENAPS). Como em toda a greve, as avaliações possíveis são multifacetadas e polissêmicas. As lições foram inúmeras. A experiência política que os professores substitutos da UFSC adquiriram no comando local de greve e também no comando nacional, não deixam dúvidas de que este contingente de trabalhadores em educação é importante nos momentos cruciais de uma greve e na formação de futuros profissionais em áreas diversas do conhecimento humano. Neste sentido, as seções sindicais vinculadas ao ANDES-SN precisam mais do que nunca, estruturarem internamente e, permanentemente, fóruns que avaliem a nocividade do crescimento dos professores substitutos nas IFES, uma força de trabalho de baixo custo e que tem respondido por boa parte dos profissionais que são ‘lançados’ no mercado de trabalho todos os anos.

REFERÊNCIAS


Boletim de Greve – Informativo do Comando de greve dos professores da UFSC, Florianópolis/SC, n. 1, Ago. 2005.

Boletim de Greve – Informativo do Comando de greve dos professores da UFSC, Florianópolis/SC, n. 5, Set. 2005.

PINTO, Diana Couto; LEAL, Maria Cristina; PIMENTEL, Marília. Trajetórias de Liberais e Radicais pela Educação Pública. São Paulo: Ed. Loyola, 1995.



[1] A proposta inicial do ENAPS foi alterada por um Seminário de dois dias em Brasília (11 e 12 de fevereiro de 2006) organizado pelo ANDES-SN, tratando fundamentalmente da precarização do trabalho docente.

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