quarta-feira, 22 de março de 2006

Minha singela resposta ao ranking do ENEM

O que não aparece no “ranking”.

Jéferson Dantas

A Escola de Educação Básica Jurema Cavallazzi, situada no bairro José Mendes e que atende, principalmente, crianças e jovens do Morro da Queimada na cidade de Florianópolis, recebeu a pior avaliação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) no Estado de Santa Catarina. Como educador que fui dessa escola, posso elencar alguns exemplos de como números “frios”, que promovem a competitividade e a isenção do poder público, procuram criar na percepção coletiva a idéia de que todos são iguais na desigualdade, nos termos da professora Terezinha Saraiva.
A E.E.B. Jurema Cavallazzi faz parte do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (FMMC) há pelo menos seis anos em parceria com mais oito escolas públicas estaduais e quatro Centros de Educação Infantil mantidas pelo Estado. O FMMC atende, basicamente, crianças e jovens que vivem em situação de risco nos morros e encostas de Florianópolis, quase todas ceifadas pela triste realidade do narcotráfico, péssimas condições de moradia e ausência de projetos sociais consistentes. Grande parte das escolas realiza eleições diretas para diretores, na contracorrente dos cargos de confiança apadrinhados pelo governador, prática tão comum em várias partes do país. O FMMC possui várias instâncias de deliberação coletiva, dentre elas a comissão de educação que planeja e executa ações pedagógicas de caráter social, cultural e educativo, como foi o caso da Mostra Cultural realizada no final de 2003 no principal teatro da cidade. Além disso, inúmeras foram as audiências com o então secretário de Educação, Ciência e Tecnologia Jacó Anderle, já falecido. O mesmo ocorreu com o secretário de Desenvolvimento Regional da Mesorregião da Grande Florianópolis, Valter Gallina, que em setembro de 2004 prometera a construção do ginásio poliesportivo na E.E.B. Jurema Cavallazzi, promessa nunca cumprida, embora o engenheiro responsável naquele momento tenha afirmado que havia orçamento para a obra. A Gerência Regional de Educação, Ciência e Tecnologia (GEREI) também foi procurada como interlocutora no sentido de auxiliar a referida escola em seus aspectos pedagógicos mais emergentes.
Fica-me uma grande indagação: como uma escola que busca, exaustivamente, a inclusão social de crianças e adolescentes em situação de risco pode ser a última no ranking do ENEM? Como uma escola que, em nenhum momento, isentou-se de sua responsabilidade social e educativa, procurando as organizações do sistema de ensino vigente, pode ter sido a última no ranking do ENEM? Como uma escola que há anos é campo de estágio das duas maiores universidades públicas do Estado (UFSC e UDESC) e que possui uma longa trajetória de intercâmbio com estas instituições de ensino superior (principalmente com projetos de extensão articulada à formação continuada de educadores) pode ser a última do ranking do ENEM?
Bem, a resposta não é simples. Está tangenciada por uma série de elementos que passa pela valorização social do magistério e condições dignas de trabalho. A E.E.B. Jurema Cavallazzi, em síntese, tem resistido a todos os desmandos das políticas públicas locais, já que não está coadunada a qualquer legenda partidária. Ah, mas isso não pode aparecer no ranking, não é mesmo? Prefiro acreditar no trabalho coletivo real, solidário, repleto de desafios cotidianos e com todas as multifaces de uma construção histórica do que em números frios e previsíveis sob a ótica da lógica do Capital. É justamente essa lógica que trata desiguais como iguais que tem permeado as políticas públicas nos últimos dez anos, denotando a desresponsabilização do Estado e a indiferença a sujeitos em plena formação escolar.

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