sábado, 22 de março de 2008

Uma noite com Gardel






Era
Um
Tango argentino...




Um
Ar
De tragédia...







Ele


removeu os
Cacos
Da
Queda...




Ela
Impulsionou
As pernas
E
Saiu,
Silenciosamente...



terça-feira, 4 de março de 2008

ANTONIETA DE BARROS PEDE SOCORRO!




Por Jéferson Dantas

No ano passado, a escola de ensino fundamental, Antonieta de Barros, localizada na área geográfica central de Florianópolis, apresentou um problema estrutural em seu prédio, o que colocava em risco as condições de trabalho de educadores e educandos. A situação foi “resolvida” pela Secretaria de Educação (SED) com o fechamento da escola e a realocação de educadores e educandos para outras unidades de ensino do centro da cidade. Todavia, as argumentações ambíguas e/ou escapistas dos representantes da gerência regional de educação, SED e Secretaria do Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis, não apontaram a contento a possibilidade de reabertura do prédio para o respectivo ano letivo; e o que é mais grave: a escola Antonieta de Barros corre sério risco de se transformar num estacionamento, já que seu portão principal já foi derrubado sem qualquer discussão com a comunidade escolar.


As crianças e jovens em situação de risco social representam o principal público atendido pela escola Antonieta de Barros. Nesta direção, a memória da educadora e primeira parlamentar negra catarinense está sendo profundamente violentada por uma política educacional arbitrária e insensível a uma inclusão educativa solidária e equânime. O fato de a escola pertencer à Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC) tem ocasionado litígios em relação ao aparato estatal educacional, tendo em vista as diferentes compreensões históricas e políticas sobre as implicações do currículo, formações continuadas, avaliação escolar e gestão democrática.


Durante muitos anos a escola Antonieta de Barros foi campo de estágio da então Faculdade de Educação (atualmente, Museu da Educação catarinense), funcionando, praticamente, como uma ‘escola de aplicação’. Muitos educadores/as foram formados em Florianópolis tendo este espaço educativo como locus de práticas de ensino diferenciadas e estruturadas conforme as novas pesquisas educacionais em âmbito regional e nacional. Antonieta de Barros (1901-1952) se orgulharia, profundamente, em saber que crianças e jovens (em sua maioria, negras como ela) têm acesso ao ensino regular, inseridos num projeto coletivo que tem priorizado a cultura afrodescendente e a visibilidade dos/as negros/as na cidade de Florianópolis. Logo, os movimentos sociais organizados nas comunidades dos morros de Florianópolis, associações civis e grupos de pesquisa acadêmica comprometidos com a memória dessa educadora, precisam se unir para evitar que mais uma escola pública não feche as portas por descaso governamental.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS E 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL





Por Jéferson Dantas

Os movimentos sociais que se fortaleceram no Brasil no início da década de 1980 (como foi o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST), tiveram importância crucial nas transformações de cunho jurídico, que culminaram na promulgação da Carta Constitucional brasileira em 1988. Nesta direção, muitos documentários foram produzidos no Brasil e em Santa Catarina sobre o tema.

Os filmes aqui selecionados, brevemente analisados, são os seguintes: a) O Canto da Terra; b) Terra para Rose; c) Terra; d) Reforma Agrária, Justiça Social; e) Terra e vida Catarina – a luta dos trabalhadores rurais sem-terra; f) Questão Agrária no Paraná. Os dois primeiros documentários foram produzidos por cineastas de ofício; Terra e Reforma Agrária, Justiça Social foram produzidos por instituições ligadas ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e à ACARESC (Associação de Crédito e Apoio Rural ao Estado de Santa Catarina). Os documentários restantes foram produzidos pelos próprios integrantes do MST em meados da década de 1980, portanto, em plena efervescência social e política no Brasil.

Os tempos de ‘abertura’ e anistia política irrestrita no final da ditadura militar (1964-1985), não surtiram os efeitos desejados na área rural, bastante prejudicada pelos desmandos da política agrária brasileira, além de conflitos generalizados envolvendo latifundiários, pequenos agricultores e milícias particulares. Com o ‘golpe’ do Colégio Eleitoral e a derrota das diretas-já, assume a presidência da República o ex-arenista José Sarney (1985-1990) devido ao falecimento de Tancredo de Almeida Neves. Durante o governo Sarney foram criados ministérios extraordinários para solucionar ou amainar os problemas no campo; todavia, a concentração de terras nas mãos de grandes grupos multinacionais (inclusive do setor de automotores) e de políticos influentes (como era o caso de Severo Gomes), neutralizou qualquer ação governamental mais enérgica. José Gomes da Silva, agrônomo, fundador da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), secretário da Agricultura no estado de São Paulo (1984-1986) e presidente do INCRA em 1985, chegou a dizer no período que a problemática do campo sofria de “inércia governamental”.

Em tal contexto, o MST se organiza na região sul do Brasil, a partir de 1984, no estado do Paraná. Em contrapartida, o aparelho estatal procura legitimar um discurso de apoio ao pequeno agricultor e evitar os conflitos generalizados na área rural. No documentário Terra, produzido pela ACARESC, admite-se que há no estado de Santa Catarina muitos latifúndios, contradizendo o documentário Reforma Agrária, Justiça Social, que ressalta a pequena área geográfica de Santa Catarina como elemento dificultador para o processo da reforma agrária, caracterizando-a como “formada por minifúndios”. Além disso, Reforma Agrária, Justiça Social vai buscar na ‘Guerra do Contestado’ (1912-1916) imagens de caboclos mortos e a reintegração das terras aos seus descendentes, dando a impressão de que o Estado estaria reparando a dor promovida pela chacina governamental que levou a vida de mais de dez mil catarinenses.

Já os documentários Terra e vida Catarina... e Questão Agrária no Paraná, são bastante semelhantes no que se refere ao caráter didático, i.e., tentam explicar as principais dificuldades apresentadas pelo MST até chegar, mais detalhadamente, na problemática do campo. Há ainda uma grande preocupação em identificar as funções de cada líder nos acampamentos, como forma de legitimar a intencionalidade de suas reivindicações a partir das ‘comissões de trabalho’. As palavras de ordem são enfáticas: “Organização e Reforma Agrária!” Os documentários supracitados revelam o desejo do MST em promover tal debate em nível nacional, contando com o apoio das universidades públicas e da sociedade civil organizada.

Nos discursos institucionais e do MST, apresentados neste período histórico (década de 1980), os antagonismos se acirram. O envolvimento de parlamentares e de grandes empresas internacionais no grande negócio fundiário criavam entraves na concepção de projetos mais sólidos para manter as famílias no campo. Além disso, denúncias explícitas contidas no documentário Terra e vida catarina... demonstram o quanto os banqueiros são intransigentes; os juros escorchantes cobrados pelos bancos não condiziam com os anos de safras ruins, dificultando a existência material de centenas de famílias e empurrando-as para os centros urbanos. Não por acaso, atualmente Santa Catarina apresenta um dos maiores índices de êxodo rural do Brasil (em torno de 90%).

Os dois últimos documentários aqui analisados (Terra para Rose e o Canto da Terra) foram realizados por cineastas de ofício. Os planos não se mantém tão estáticos e há diversos recursos interpretativos que fogem do ‘discurso direto’. O documentário Terra para Rose foi produzido em 1987 e dirigido por Tetê Moraes; trata-se da luta de trabalhadores rurais no Rio Grande do Sul para que as terras da Fazenda Anoni (improdutivas) sejam adquiridas pelo INCRA e divididas entre os agricultores. A protagonista do documentário, Rose, violentamente assassinada, torna-se um ícone pela luta no campo; a interpretação que o cineasta realiza diante do movimento social evidenciado, ultrapassa os discursos acadêmicos ou institucionais; a linguagem cinematográfica, plástica, surpreende e recria diferentes tonalidades discursivas; sensíveis afetos ao trabalhador simples e aversões pontuais aos latifundiários. Nesta direção, como afirma a pesquisadora Mônica Almeida Kornis, a “imagem não ilustra nem reproduz a realidade, ela a reconstrói a partir de uma linguagem própria que é produzida num dado contexto histórico”.

O documentário O canto da Terra, dirigido por Paulo Rufino em 1986, preocupa-se mais com a quantificação dos fatos históricos, como se os mesmos por si só fossem determinantes no processo de interpretação das desigualdades sociais. Paulo Rufino procura comparar as diferentes visões das instituições sociais em torno da reforma agrária, entrevistando políticos ligados à União Democrática Rural (UDR); líderes eclesiásticos ligados à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e também os próprios latifundiários. Os pequenos agricultores são analisados como vítimas de um sistema econômico opressor, voltado aos grandes interesses do capital.

Tal quadro histórico foi determinante para as discussões na Assembléia Nacional Constituinte, culminando na promulgação da Carta Constitucional de 1988. O então deputado federal, Luiz Inácio Lula da Silva, comentou naquele momento que a Constituição seria “sua bíblia”. Passados 20 anos, a Constituição Federal possui muitos remendos e muitas projeções jurídicas que não foram devidamente implementadas. Os movimentos sociais urbanos na década de 1990 foram sufocados e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) aprovada em dezembro de 1996, em nada lembra as discussões iniciadas naquele ano de 1988 com ampla participação de educadores de todo o país. O inchaço urbano e a engenharia dos serviços básicos prestados à população das grandes e médias cidades necessita ser reavaliada. No que tange à área rural o agribusiness tem afetado a vida de pequenos agricultores, além de não possibilitar a expectativa de trabalho e permanência dos jovens no campo. Estes fatores sociais conjugados (Educação, área rural, empregabilidade/trabalho e sustentabilidade urbana) são desafios políticos que extrapolam meras intencionalidades jurídicas, exigindo a reativação organizada dos movimentos sociais.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

MALDITOS ESCLARECIDOS/ por Jéferson Dantas

A miséria da
poesia.


'Pó'. Poeira.
E verborragia.


É nisso que virou
a semântica
cega dos versos.

Quero lâmina
e venenos!

Rimas pobres
e ingênuas
servem bem aos
egos insossos...

ou às gavetas...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Educadores como intelectuais




Por Jéferson Dantas

Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo italiano, reiterava de forma pertinente que todo ser humano é ‘filósofo’ em alguma medida, dada a faculdade de todos pensarem a respeito de um determinado objeto. Transferindo tal compreensão para o campo educacional, parece-nos razoável que os/as professores/as da Educação Básica permitam-se cada vez mais ao exercício do pensamento, tendo em vista as suas ações estratégicas na formação de crianças e jovens. Significa, sobretudo, assumir o compromisso social de educar além das fronteiras instrumentais do conhecimento especializado; romper com a estrutura rígida de um currículo que mais ‘aprisiona’ do que ‘liberta’.
Educadores/as que agregam à sua formação inicial o engajamento social conseguem atingir seus objetivos pedagógicos de forma mais plena; conduzem sua prática no fortalecimento da estima de educandos, politizando o conhecimento científico, sem ficarem trancafiados/as nas redomas da instrução vazia e pragmática. Os instrumentos avaliativos são entendidos como processos não-estanques, onde o que importa é a internalização do que foi mobilizado conceitualmente.
Logo, o/a educador/a é o/a agente particular essencial na mediação de um mundo ceifado pela intolerância, desigualdade e exclusão. A força coletiva dos/as educadores/as é extremamente decisiva na reformulação de currículos rígidos, concorrendo para uma estratégia de implosão lúcida de mecanismos avaliativos arbitrários na educação formal. A educação básica pública, nos moldes em que se encontra, reduz sobremaneira a capacidade de intervenção de educadores e educandos, já que por se tratar de uma instituição eivada de hierarquias tecnoburocráticas (cargos comissionados), acaba por esvaziar sua intencionalidade precípua. Educadores politizados, atuando como ‘intelectuais orgânicos’ nos termos gramscianos, dificilmente sucumbem aos desmandos de políticas públicas que permanecem reduzindo o/a educador/a a um/a tarefeiro/a sem brio, compromisso e voz!

sábado, 26 de janeiro de 2008

2o. FEMIC

Eu e a Filarmônica Comercial estamos participando da seletiva do Segundo Festival da Música e Integração Catarinense. Estaremos disponibilizando a canção concorrente "Tranqüila Gaivota" neste blog em breve. O meu afetuoso abraço aos companheiros de caminhada: Ju, Jana, Rapha, Dani, William, Suelen, Mineli, Isaias, Ginga, Pablo e Adriana.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A compreensão histórica das cotas



Por Jéferson Dantas


Para os/as que defendem uma competitividade em regime de ‘igualdade’ nos processos seletivos de ingresso ao ensino superior, as políticas de cotas devem ser, energicamente, combatidas. Tal lógica, todavia, encontra argumentação na idéia de que as cotas ‘beneficiam’ os afrodescendentes, quando deveria sim, vincular a qualidade da educação básica a todos os brasileiros, tornando todos/as aptos/as ao ingresso no ensino superior. Tal desejo foi fomentado pelos signatários do Manifesto escolanovista de 1932, que defendiam a ‘hierarquia das capacidades individuais’ num país essencialmente agrário e que não tinha qualquer projeto de inclusão social aos afrodescendentes. Cabe lembrar que a escolarização básica garantida pelo Estado brasileiro tem, praticamente, apenas setenta anos de existência formal (com mais tropeços do que acertos).


Se, ao mesmo tempo, compreendemos que as ações afirmativas ou as políticas de cotas representam uma atenuante (um ‘meio’ e não um ‘fim’ em si mesmo, conforme expressão do educador Petrônio Domingues), devemos também atentar ao processo de exclusão, humilhação e expropriação das comunidades afrodescendentes no Brasil ao longo de séculos. As condições gerais de trabalho e escolaridade destes grupos sociais continuam sendo muito inferiores aos dos brancos, denotando um racismo pela via ‘fenotípica’. Somente no estado de São Paulo, a expectativa de vida dos negros em pleno século XXI não chega aos 55 anos, tendo em vista suas precárias condições de existência material. Deste modo, ainda que juízes ou advogados compreendam, precariamente, que as cotas étnicas representam uma excrescência jurídica (já que não é possível determinar, geneticamente, quem é branco e quem é negro), o que está em jogo, fundamentalmente, é um processo histórico de racismo velado e cinicamente desconsiderado por determinada parcela da opinião pública.



Nesta direção, numa sociedade pautada no consumo e na competitividade, fica evidente que os ganhos sociais devem pertencer a um número cada vez mais reduzido de indivíduos. Estão fora de questão as discussões de fundo histórico, porque o que está em jogo são os interesses privados; os interesses coletivos se tornam uma ‘abstração’, e a pobreza e/ou a miséria são tratadas como algo alienado de todas as relações sociais existentes.



Concordo e defendo que a educação básica pública deve ser radicalmente qualificada, entretanto, as políticas de cotas também favorecem um debate profundo mal resolvido, repleto de feridas não suturadas. É quando se põe em tela a situação dos/s negros/as neste país que podemos vislumbrar as ações afirmativas não como um benefício de ‘mão beijada’, mas como uma das várias ações de reconhecimento sócio-histórico-cultural de todas estas comunidades envolvidas. Como nos ensina o filósofo húngaro István Mészáros, o princípio da igualdade na sociedade burguesa é apenas ‘legalista-formal’, destituído de caráter histórico e de mediações dialógicas.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Livro de Jéferson Dantas no primeiro semestre




Car@s amig@s e leitor@s do blog, no primeiro semestre de 2008 estarei lançando um pequeno livro artesanal (prosa poética) com o título Suspenso e alheio [ou as minhas reticências sinceras]. Ainda não há previsão de data para o lançamento. Provavelmente, no início do outono (aí teremos um bom pretexto para bebericar um vinho tinto seco, não é mesmo?)
Existe ainda a possibilidade de estarmos divulgando algumas canções do projeto musical A cada manhã, com os arranjadores e compositores da banda.



Então, até mais!!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

2008 - dois anos do Blog!!!!

Para não cairmos na lógica piegas de que bons ventos o novo ano traz, façamos o seguinte: acreditar que 2008 nos colocará novos desafios; que teremos muito o que aprender; que teremos mais paciência e serenidade sem perder de vista os embates e/ou conflitos necessários. Os ritos de passagem nos ensinam, pelo menos, o quanto precisamos eliminar os fardos que não nos pertencem e vislumbrar horizontes desconhecidos.
Aos meus/minhas leitores/as um 2008 repleto de incertezas, aventuras e desvarios!!!

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Cinema


arte,
esta inominável.

território de luz, sombra, encanto e
poesia.

Mergulho!

Fábula e gestos exagerados.
Edições, cortes de imagens, suspensas falas, ritos no acaso.
[Pérolas escondidas no copião].

Sínteses de fotogramas que olhos humanos não apreendem.
Ensaios.

Ação!

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Por uma educação estética



Por Jéferson Dantas

Num mundo cada dia mais embrutecido, onde as relações humanas estão coisificadas, a educação estética pode servir de alento no sentido de dar visibilidade às diversidades sociais. O ensino formal brasileiro, via de regra, tem se mostrado ineficiente na formação de estudantes que apresentam diferentes formas de aprender e de se expressar. Um currículo engessado, essencialmente disciplinar, eurocêntrico, onde os educadores exercem uma prática pedagógica notadamente focada em sua área de conhecimento, não tem possibilitado um diálogo mais horizontal e, portanto, menos excludente, entre educadores e educandos.



Para a educadora Graciela Ormezzano, a educação estética procura priorizar a imaginação, o lúdico e “o amplo espectro da estética do cotidiano que considera o design, a arquitetura, o artesanato, a música popular, a comunicação audiovisual e a arte da rua, assim como todos os estilos de sociabilidade”. Nesta direção, a estreiteza curricular do ensino formal, esmagada por uma avaliação certificativa e que atende, sobretudo, parâmetros burocráticos, as subjetividades são anuladas e descartadas do universo escolar. Tal análise torna-se ainda mais dramática no ensino formal noturno, onde é comum salas de aula esvaziadas, professores desmotivados e estudantes desmobilizados na relação com os diferentes saberes. A situação em tela, todavia, é muito mais complexa, pois exige formação continuada de qualidade aos educadores e a ressignificação do espaço-tempo no ambiente institucional de ensino, ainda bastante contaminado pela “lógica da fábrica” (customização das tarefas escolares, temáticas estanques e controle da ‘produção’).



A educação estética está longe de ser a panacéia para todos os males educacionais brasileiros. Entretanto, a arte pode minimizar as variadas carências afetivas e cognitivas de crianças e jovens em situação de risco social; ressocializar adolescentes marginalizados por um modelo econômico pautado na competitividade e no consumo exacerbado; recuperar a auto-estima de jovens mulheres violentadas; enfim, fazer da educação estética uma possibilidade de ressignificação da vida. Afinal, ninguém nasce bandido ou santo, como bem assinalam os educadores Pablo Gentili e Chico Alencar. Assim, continua sendo o objetivo maior da educação formal pública brasileira e de todo ato educativo ‘humanizar os homens’, como bem nos alertava a filósofa Hannah Arendt e o educador popular Paulo Freire.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Educação catarinense em alerta!




Por Jéferson Dantas


Os mais de vinte mil afastamentos médicos ocorridos no magistério catarinense, só em 2005, revelam os danos psíquicos provocados a estes/as profissionais devido às más condições de trabalho, salários indignos e carga de trabalho extenuante. Dentre as causas mais freqüentes do adoecimento docente, encontram-se: depressão, síndrome do pânico, síndrome de burnout, doenças cardiovasculares, estresse, etc.. Todavia, como se não bastasse a evidência das doenças laborais sofridas pelos/as educadores, - o que atinge, sobremaneira, sua estima e a própria identidade profissional – a Secretaria de Estado da Educação e outras instâncias burocráticas do aparato educacional catarinense, têm colocado em xeque a veracidade de tais afastamentos por atestados médicos. Nas entrelinhas, gerentes regionais de educação, secretários, diretores, especialistas (a lista hierárquica é imensa) duvidam tacitamente dos médicos que estão diagnosticando os/as educadores/as; ou seja, os/as trabalhadores/as em educação estariam fazendo ‘corpo mole’ para não irem ao trabalho.



Ao não reconhecer as mazelas estruturais que atingem a educação pública catarinense, a Secretaria de Estado da Educação se investe de uma postura prepotente, autoritária e antidemocrática. Apenas para dar um exemplo, a Comissão de Educação das Escolas do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC) que atendem, principalmente, crianças e jovens em situação de risco social em Florianópolis, tem sido atacada e ameaçada, sistematicamente, pela Secretaria supracitada, numa demonstração de inabilidade no trato da coisa pública. Os diretores eleitos democraticamente por sua comunidades escolar e local convivem com o fantasma da exoneração e do assédio moral, algo inadmissível em se tratando de um bem comum como é o caso da educação.



A permanência de tal comportamento do poder público no que tange à educação catarinense contribui muito para o desgaste dos/as que estão empoderados/as na máquina tecnoburocrática. Os diálogos inexistem. As decisões são verticalizadas. A CE/FMMC tem sido hostilizada nas reuniões administrativas promovidas pela Secretaria de Estado da Educação. Num Estado que se diz democrático, os dissensos e as opiniões divergentes fazem parte de tal embate. São, justamente, nos conflitos, que se estabelecem soluções alternativas e possibilidades que beneficiem a maioria. Entretanto, se os mecanismos de controle estatal servem tão-somente para reprimir, calar as vozes discordantes, a sociedade civil precisa estar devidamente organizada e pronta para os desafios que se apresentam no dia-a-dia.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Por que Chávez incomoda?




Por Jéferson Dantas


Hugo Chávez, presidente da Venezuela, tem ganhado a cena internacional com seus arroubos. Na reunião da cúpula ibero-americana ocorrida recentemente no Chile, foi ofendido com um sonoro ‘cala-boca’ pelo até então fleumático monarca da Espanha, Juan Carlos. Os adjetivos relativos à Chávez são inúmeros: ‘projeto de ditador’; ‘prepotente’; ‘arrogante’; ‘populista terceiro-mundista’; ‘bufão’; ‘caudilho’, etc.. Ainda que pese sobre o presidente venezuelano todos os adjetivos pensáveis e impensáveis, não há como negar as questões de fundo histórico suscitadas pelo mesmo, principalmente às que se referem à espoliação e/ou exploração das grandes potências européias no continente americano ao longo de séculos. É muito confortável que determinados congressistas brasileiros, ex-colaboracionistas da ditadura militar e, atualmente abrigados sob a égide da democracia, critiquem Chávez. Afinal, sua liderança pressupõe um ataque franco ao imperialismo estadunidense, algo que só Fidel Castro em Cuba era capaz de sustentar politicamente.



Não é o caso aqui de defendermos a política externa de Chávez ou de julgarmos seu comportamento numa perspectiva maniqueísta infantil. Se George Bush foi capaz de passar por cima da ONU e assassinar milhares de iraquianos e afegãos em ‘nome da democracia’ e gastar bilhões de dólares com armamentos, por que tal julgamento recairia apenas no ‘populista’ Chávez? A tão saudável democracia liberal defendida pelas lideranças latino-americanas não tem resolvido a contento o fosso entre os miseráveis e opulentos. A violência estrutural grassa o território latino-americano, num misto de desencanto e indignação social desarticulada. As questões ideológicas foram cinicamente incineradas e o desprezo à coisa pública arremessa cada vez mais os poderes republicanos constituídos na lama. Não por acaso, os mass media exploram com requintes de perversidade o ‘espetáculo da tragédia’. De um mundo mutilado pela desrazão, faz-se a manchete do dia seguinte. E Chávez é um prato cheio.



Vivemos um período histórico tão esquizofrênico, que até mesmo uma ofensa entre representantes de Estado, torna-se mercantilizável. E é, justamente, nesta sociedade de consumo, autofágica, neurótica e impotente coletivamente, que os/as representantes do povo articulam seus projetos individuais e a permanência parasita na cena política. Não precisamos que nos digam quem são os opressores e os oprimidos além de nossas cercanias. Tal desafio requer um posicionamento político coletivo capaz de discernir as opções de classe e os/as que defendem o status quo vigente; acima de tudo, exige compreensão histórica das lutas sociais, que continuam promovendo os dissensos e as denúncias de injustiça, para que, enfim, anuncie-se a igualdade entre os humanos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

GTPE DA APUFSC SE POSICIONA SOBRE ADESÃO AO REUNI


Senhores Conselheiros,


O modelo inscrito no Reuni atenta contra o conceito de universidade consignado na Constituição de 1988 (“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”). Para o cumprimento das principais metas de relação aluno-professor de 18/1 e diplomação de 90% dos ingressantes num período de 5 anos, será obrigatória uma reestruturação dos cursos para preencher vagas ociosas em qualquer etapa e disciplina dos cursos, ou pelo menos de alguns. A criação dos Bacharelados Interdisciplinares com certificação em três anos será praticamente obrigatória. Talvez a forma de acesso aos cursos profissionalizantes possa se dar em grande medida a partir dessa modalidade de curso, pinçando-se alunos para preencher vagas ociosas em todas as fases. Será que a reestruturação que acabamos de iniciar já está defasada? Será que ao discutirmos e mantermos pré-requisitos estamos na contra-mão da modernidade?


Toda a estrutura da universidade estará comprometida em atingir metas limitadas ao ensino em troca de míseros 20% a mais de sua verba de custeio. Se acreditamos, como preconiza o decreto, que há ociosidade de estrutura e pessoal, então não haverá problema em aderir ao Reuni, porém a ansiedade em aderir ao programa mostra tão somente a necessidade de verbas para ampliação de infra-estrutura e equipamentos que faltam agora, antes da expansão. Os 20% da verba de custeio que estão sendo negociados com a universidade são para aumento de vagas com estabelecimento de contrapartidas, portanto excluem as atuais necessidades. O Banco de Professor-Equivalente, ao contrário de incentivar o preenchimento das vagas abertas por vacância, vem efetivar a figura do substituto como horista, prejudicando o tripé ensino-pesquisa e extensão que caracteriza e qualifica a universidade pública brasileira.


O governo trata a educação como uma fábrica de certificados que necessitaria ter sua produtividade incrementada e, para se tornar um bom negócio, seus custos de produção reduzidos. A meta do governo é a de reduzir o custo médio anual do aluno de graduação dos quase R$ 6 mil e quinhentos investidos atualmente para R$ 4 mil. Para obter isso, ele precisa redefinir a forma de remuneração dos “recursos humanos”, em particular dos docentes. Eles terão que ser incentivados a darem mais aulas e para um número maior de alunos.


Na reunião do Andes com o Ministério do Planejamento do último dia 18 de outubro, o governo apresentou a proposta de criação de uma nova gratificação produtivista, mas agora aprofundando o modelo Bresser/ FHC: 20% de avaliação individual e 80% de avaliação institucional. O que dá para depreender disso é que teremos o fim da isonomia salarial nacional mesmo para os professores da ativa, já que a nota da instituição vai definir o salário dos docentes nela lotados. É fácil perceber que o principal quesito nesta avaliação será o atendimento ou não das metas do Reuni. As instituições que não atingirem as metas terão seus docentes punidos salarialmente.


Para receber quantidade elevada de pontos na gratificação, não bastará ao professor dar muitas e muitas aulas, será preciso que seu departamento, seu curso, sua universidade, alcancem bons resultados, nas metas definidas pelo Reuni. Lembremos que as metas não se limitam a quantidades de alunos, mas também de certificações. Portanto, no limite, a remuneração do docente dependerá também da redução da evasão e dos índices de conclusão dos cursos. A reprovação de alunos poderá ser sentida no bolso dos professores. O governo impõe a diplomação sem mérito acadêmico. Para atingir esse objetivo, busca uma fórmula para obter pelo “bolso” a cumplicidade dos professores. Esse envolvimento dos docentes, pretendido pelo governo, levará à degradação da qualidade do ensino.


É importante observar que a elevação anual dos valores do ponto da gratificação, expressa nos parâmetros apresentados pelo governo, tem por objetivo assegurar as etapas de implantação do Reuni. A cada ano, a parcela da remuneração que depende do desempenho assumirá proporção maior em relação aos demais componentes da remuneração: o vencimento básico e a titulação – esta última tornada fixa e que poderá ficar com valor congelado por longo tempo.


Aderir ao Reuni significa abrir mão da universidade que temos, que, se tem problemas, estes não serão resolvidos com a adesão a este programa. Ao contrário, a expansão sem garantia de financiamento suficiente, desvinculada da recuperação da estrutura atual, e colocada como condição para a recuperação salarial dos professores, levará ao agravamento dos problemas, impondo inclusive uma maior competição entre os centros, em uma mesma universidade, e entre elas em todo o sistema federal de ensino superior. É preciso que todos os professores sejam alertados sobre todas as conseqüências desse projeto. Na atual negociação entre Movimento Docente e governo está em jogo, também, o futuro das condições para o exercício do trabalho docente e o futuro da universidade fundada no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.



Magaly Mendonça, Bartira C. S. Grandi, Sandra Mendonça, César de Medeiros Régis, Jéferson Dantas, Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais (GTPE) da Apufsc-Seção Sindical do Andes.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O PACOTE EDUCACIONAL DO GOVERNO LULA





Por Jéferson Dantas



Este breve artigo procura suscitar uma ampla discussão na comunidade acadêmica, assim como na Educação Básica de forma geral. Parto, portanto, dos dois decretos elaborados em 24 de abril de 2007 pelo MEC: a) o Decreto 6.094/2007, que dispõe sobre a implementação do plano de metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com municípios, Distrito Federal e estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica financeira, visando a mobilização social pela melhoria da educação básica e b) o Decreto 6.096/2007 que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI.

Tais decretos supracitados só podem ser compreendidos de forma conjunta, tendo em vista que seus pressupostos estão inextricavelmente associados. Privilegiei neste estudo duas categorias de análise extremamente importantes na compreensão de tal tema: 1) O currículo acadêmico e 2) a reconfiguração do trabalho docente. Os ataques sistemáticos à universidade pública brasileira por parte das políticas educacionais, denotam claramente a opção de Estado nos últimos 12 anos, ou seja, a desresponsabilização estatal em manter uma formação pública e de qualidade. As 53 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) estão na berlinda. Acuadas pelo princípio draconiano de adesão voluntária ao REUNI, que se encerra em outubro de 2007[1], o que mais surpreende é a total desinformação de tal política no âmbito das próprias IFES. Talvez não devêssemos nos surpreender, haja vista a continuidade de propósitos utilitaristas, produtivistas e de acirramento competitivo financiados pelos órgãos de fomento e pesquisa. Tal prática, que assoberba os/as educadores/as com inúmeras atividades, também corrobora para uma despolitização estrutural, alienando-os de o seu próprio saber.
Não sei se serei suficientemente claro em minha apresentação, mas como se trata de um ‘início de conversa’, entendo que as problematizações surgidas nos diversos fóruns organizados nas próprias IFES (departamentos, pós-graduação), seções sindicais e centros acadêmicos, possibilitarão a ampliação do debate e escolhas acertadas sobre o que desejamos para o futuro da universidade pública brasileira.

1. O Decreto 6.094/2007 e a política da miséria na Educação Básica

Utilizar a expressão política da miséria parece muito contundente em tal contexto. Mas, se atentarmos ao significado que os dicionaristas utilizam, entenderemos muito bem a opção que o Estado faz em relação à Educação Básica no Brasil: ‘estado lastimoso’, ‘indigência’, ‘penúria’, ‘estado vergonhoso’, ‘bagatela’, ‘procedimento vil’ (BUENO, 1996, p. 434). Inicialmente, fica muito nítido e exposto no art. 2º do decreto em questão, que a principal bandeira do MEC é melhorar a qualidade da aprendizagem. No inciso II do mesmo artigo, comenta-se que a meta é alfabetizar as crianças até os oito anos de idade no máximo, verificando os resultados através de um teste (Provinha Brasil). Tal meta, sobretudo, atende interesses de organismos internacionais, ‘muito preocupados’ com a baixa escolarização dos países da América Latina. O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), que engloba todos os níveis de ensino do país, nesta direção, propõe várias medidas paliativas no combate à evasão e à exclusão de crianças e jovens em idade escolar.

Assim, em seu art. 2º, inciso IV, o decreto 6.094/2007 defende a idéia de combate à repetência escolar, sem citar uma única linha sequer sobre as condições salariais e de trabalho dos educadores. Ora, diante de tal desafio, não seria o momento de se recompensar os educadores dos ensinos fundamental e médio com dedicação exclusiva (DE)? Até quando teremos neste país educadores/educadoras trabalhando em tripla jornada? Até quando o discurso da ‘missão’, do ‘apostolado’, da ‘vocação ingênua’, continuará se perpetuando no mundo do trabalho educacional? Além disso, e em consonância com as propostas do PDE – o MEC tem como meta reformular o programa Brasil Alfabetizado. Para tanto, entende que a participação dos educadores é fundamental na alfabetização de adultos, visando, inclusive a sua melhoria salarial. De que modo? Tomando como exemplo a região Nordeste, onde segundo dados do PNAD (Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar) 62% dos educadores das redes públicas trabalham 20 horas semanais e têm um turno livre, estes educadores completariam sua carga com tal função. Entretanto, não fica claro se estas atividades de docência serão incorporadas aos planos de carreira destes/as profissionais.

Já no inciso VII do art. 2º, comenta-se sobre a ampliação da jornada regular de crianças na escola, mas não estabelece de forma pontual como se daria a ‘integralização escolar’. Novamente, mais uma meta que foi levantada na LDBEN 9.394/1996 e que até hoje não é realidade em grande parte das escolas básicas brasileiras. Até porque, a escola integral para efetivamente funcionar, teria de apostar na dedicação exclusiva de seus educadores; no inciso XIII do art. 2º defende-se o mérito, a formação e a avaliação do desempenho do/a educador/a. Porém, pairam muitas indagações: baseado em que parâmetros? Assiduidade? Produtividade? Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria Estadual de Educação tem criado critérios extremamente subjetivos para avaliar o educador no seu trabalho em sala de aula. O/a educador/a que consegue manter as turmas ‘animadas’ e ‘atentas’ ao que se está discutindo em sala de aula teria um acréscimo em seu salário. Novamente aqui se inverte uma situação estrutural para uma situação conjuntural. A figura do educador-animador, tão comuns em unidades de ensino privadas, não pode ser utilizada como parâmetro em unidades de ensino públicas. Evidente que a competência profissional do/a educador exige avaliação, mas tais critérios precisam ser criados nas próprias comunidades escolares e com o apoio de estudantes, familiares e educadores, através de suas instâncias de deliberação coletiva (Conselhos deliberativos, Grêmios estudantis e APP).

O MEC pretende ainda levar às últimas conseqüências o estágio probatório dos/as educadores/as na Educação Básica, ou seja, de que a avaliação seja realmente qualitativa. Espera-se que tal ação não se transforme em breve na total instabilidade funcional do/a educador/a. No inciso XVII do art. 2º do decreto em análise, a figura dos coordenadores pedagógicos é incensada em prejuízo de outras habilitações, tais como supervisão e orientação escolar. Em Santa Catarina, por exemplo, temos nas escolas de Educação Básica os assistentes pedagógicos, profissionais vindos de diversas licenciaturas, com responsabilidades acima de sua formação inicial, executando atividades de polivalência nas escolas e, em determinadas situações, assumindo interinamente a direção da escola. Na seqüência, no inciso XVIII do art. 2º, não se defende a eleição direta nas escolas, até porque o poder de barganha estatal ficaria comprometido nos períodos eleitorais e o apadrinhamento político não se concretizaria através dos mal fadados cargos de confiança.

O inciso XXIV do art. 2º trata a matéria educacional de forma difusa, misturando-a com as áreas de saúde, esporte e assistência social. Indago se tal ‘confusão legal’ não estaria criando brechas para o trabalho voluntário, descaracterizando cada vez mais o espaço escolar. Isto fica ainda mais nítido no inciso XXVIII do art. 2º: “Organizar um comitê local do compromisso [Compromisso Todos pela Educação], com representantes das associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público, Conselho Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, encarregado da mobilização da sociedade e do acompanhamento das metas da evolução do IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]”. Ainda que não esteja explícito, as parcerias entre o público e o privado estão cada vez mais presentes nas unidades de ensino públicas, através do protagonismo juvenil ou cursos de empreendedorismo infanto-juvenil coordenados pelo SEBRAE. O IDEB, índice que será divulgado e sistematizado pelo INEP, terá como base de dados o Censo Escolar, as provas do SAEB e também da ANEB (Avaliação Nacional da Educação Básica), também conhecida como Prova Brasil. As unidades de ensino públicas que aderirem ao Compromisso Todos pela Educação e se comprometerem a atingir as metas exigidas pelo MEC através dos procedimentos de avaliação e análise, receberão mais recursos do Estado. Tal atitude, em meu entendimento, acirra ainda mais a competitividade, podendo mascarar dados de aprovação em função de benefícios orçamentários. Além do mais, o Estado é sempre mínimo quando tem de investir e máximo quando tem de controlar. Nesta direção, o que temos é a perpetuação de um aceleramento progressivo de educandos/as, em contrapartida, a avaliação pedagógica poderá se tornar cada vez menos criteriosa.

Em seu art. 6º, o decreto assinala a instituição do Comitê Nacional do Compromisso ‘Todos pela Educação’; tal comitê poderá ser formado por representantes de outros poderes e também de organismos internacionais. Todavia, de acordo com o art. 7º, tal compromisso só poderia contar em caráter voluntário com os sindicatos, famílias e pessoas físicas/jurídicas que se mobilizarem para a melhoria da Educação Básica. Em outras palavras, afasta da sociedade civil a responsabilidade cívica e ética de avaliar a qualidade de seu próprio processo educacional. Já no art. 8º, o MEC reafirma que as escolas públicas só receberão assistência financeira da União, mediante o critério da ‘produtividade’.

Enfim, podemos deduzir que tal decreto aposta firmemente na gestão dos resultados, ainda que não haja recursos e condições de trabalho equivalentes para se chegar a tal meta. Repete-se aqui o que já se fazia durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), i.e., uma extremada racionalização de recursos humanos e físicos; aposta na polivalência; e evidências estatísticas que demonstrem, ainda que em valores absolutos, de que as taxas de evasão e repetência decresceram.

2. O Decreto 6.096/2007 e o desmonte curricular das IFES


Já em seu art. 1º o decreto assinala que tal meta a ser alcançada em seus propósitos leva em conta a criação de condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior. Em outras palavras, tal decreto defende o ‘melhor aproveitamento’ da estrutura física da universidade e também de seus recursos humanos. Para a professora aposentada, Lighia Horodynski[2], do Instituto de Física da USP e integrante do Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE) do ANDES-SN, o inciso I do art. 2º do decreto em questão, objetiva a redução das taxas de evasão e ocupação de vagas ociosas no meio acadêmico, principalmente no período noturno. Para o cumprimento de tais metas, todavia, o art. 3º, § 1º, estabelece que o acréscimo de recursos referenciado no inciso III será limitado a 20% das despesas de custeio e pessoal da universidade, num período de cinco anos. Tal limitador está condicionado ainda à capacidade orçamentária e operacional do MEC (BOLETIM APUFSC, 2007).

Ainda segundo a educadora Lighia Horodynski, o REUNI representa o “ataque mais complexo à qualidade da educação superior pública” no Brasil. Ainda que tais metas estejam associadas à reforma universitária, como decreto, o mesmo tem validade legal imediata. Tal projeto continua forçando as universidades públicas federais a adotarem métodos de gerenciamento empresarial, cumprimento de metas e, na prática, efetuando o que a filósofa Marilena Chauí (2001) denominou de universidade de pesquisa e universidade de docência. Tal dualidade esmaga a autonomia universitária e o seu tripé ensino, pesquisa e extensão. Muitas dessas metas são impossíveis de serem alcançadas no ensino superior público brasileiro com a qualidade desejada, tendo em vista que se deseja a relação de 18 estudantes por professor e 90% de aprovação por curso de graduação. No mundo, só o Japão consegue tal meta de aprovação, a custa de suor, sangue e lágrimas de seus estudantes.

No inciso II do art. 2º, a diretriz do REUNI aponta para a mobilidade estudantil e cursos com extrema flexibilidade, os chamados bacharelados interdisciplinares. Nesta direção, no inciso III do art. 2º, a revisão da estrutura acadêmica dá abertura ampla para um modelo de ensino presencial e a distância compartilhado. Ou seja, invés de ampliar o espaço físico acadêmico, com boas instalações de salas de aula, laboratórios, bibliotecas setoriais, restaurantes universitários, etc., o MEC insiste em sua política de estrangulamento. Necessário entender aqui o significado dos bacharelados interdisciplinares na reorganização curricular dos cursos de graduação. Penso que tal formação lembra em muito os cursos de Licenciatura Curta promovidos pelas políticas educacionais do regime militar. Ora, o/a estudante ao escolher uma das áreas do conhecimento de seu interesse (Humanas, Artes, Tecnologia e Saúde) teria uma ‘formação geral’ num período de três anos, ou seja, receberia a certificação de bacharel interdisciplinar. Com a obtenção dessa graduação generalista, flexível e/ou polivalente, o/a estudante teria de concorrer novamente (como num novo vestibular) a uma formação específica. Em outras palavras, ao se defender a terminalidade de uma formação precária em três anos, o MEC sinaliza em definitivo para a escolarização da graduação. Os péssimos resultados de aprovação no Ensino Médio público e sua má qualidade de formação, associado à falta estrutural de educadores neste nível de ensino, fez com que os engenhosos legisladores pensassem numa estratégia para ‘fechar esse buraco’. Um bacharel interdisciplinar custa pouco aos cofres públicos, pois é uma mão-de-obra barata e com uma qualificação duvidosa. A tal mobilidade estudantil e a flexibilidade curricular dos cursos de graduação tem base argumentativa frágil. Segundo os educadores Cláudio Antonio Tonegutti e Milena Martinez (2007), ambos da UFPR, os motivos da evasão dos/as estudantes no meio acadêmico não se dão tão-somente por escolhas profissionais precoces: “O grande fator, cerca de 40% a 50% para a evasão nas IFES, e também nas IES privadas, é a incompatibilidade entre o estudo e o trabalho, associada à sustentação financeira do estudante ou de sua família. Fatores que poderiam ser associados com escolha precoce do curso (ou da profissão) é [sic] de cerca de 10%.”

Um outro ataque profundo à autonomia universitária é em relação à precarização do trabalho docente. Através da portaria ministerial nº. 22, de 30 de abril de 2007, foi criado a figura do professor-equivalente. De acordo com estudos do ANDES-SN, “[...] o banco de professores-equivalente corresponde ao total de professores de 3º Grau efetivos e substitutos em exercício na universidade, no dia 31/12/2006, expresso na ‘unidade professor-equivalente’. Para chegar a essa unidade, o governo, tomando como referência a equivalência salarial entre um professor efetivo e um professor substituto [...], atribuiu um fator (peso) diferenciado a cada docente segundo sua condição de trabalho. Na versão publicada da referida portaria, foi definido, como referência 1,0 de cálculo, o professor Adjunto I com 40 horas, ou seja, o professor Adjunto 40h-DE vale 1,55; o professor doutor 20h vale 0,5; o professor doutor substituto 40h vale 0,8 e o professor doutor substituto 20h vale 0,4. Nessa lógica, um docente com dedicação exclusiva vale um pouco mais (1,55) que três professores efetivos em regime de 20h (0,5) e um pouco menos do que 4 professores substitutos com 20h (0,4). (CADERNOS ANDES, 2007, p. 27).

Tal lógica defende, explicitamente, a precarização do trabalho docente, o processo formacional e aumento de turmas por educador/a. Ora, “ao considerar que 4 professores substitutos em regime de 20h, praticamente, equivalem a 1 professor 40h DE, a universidade será induzida a preterir este em favor daqueles, dos quais obterá uma carga horária de ensino maior do que a de um único docente efetivo que também teria as atribuições de pesquisa e extensão, além das burocrático-administrativas. Como a meta global do decreto é a expansão do número de matrículas nos cursos de graduação,a contratação de professores substitutos para a função exclusiva de ensino, como já ocorre atualmente (em média, um professor substituto 20h ministra 3 disciplinas por semestre), seria a maneira mais ‘racional’ sem custos adicionais, de atender às demandas de crescimento do ensino superior, uma vez que 4 professores substitutos 20h (equivalentes a um professor adjunto I- DE) atenderiam, em média, 12 turmas-disciplina” (Idem, p. 28).

Tal desmonte permanente das IFES ganhou seu estado mais complexo e devastador. Ao retirar do âmbito universitário a escolha de seu próprio programa curricular e, ao precarizar ainda mais o ofício docente, tais propostas se encaminham para o fim dos concursos públicos e a criação de contratos de trabalho flexíveis ou até mesmos voluntários. Este modelo de universidade, em meu entendimento, não interessa à sociedade brasileira.

3. Universidade Nova e o retorno à meritocracia ou os acólitos de primeira ordem no contexto do REUNI

Tomando como exemplo o Plano de Expansão e Reestruturação da arquitetura curricular na Universidade Federal da Bahia (UFBA), surpreende já de início que tal consulta pública foi realizada por listas eletrônicas, abrindo mão das importantes assembléias presenciais. Ainda que na introdução do documento, teçam-se críticas à globalização, a proposta curricular da UFBA está pautada em três grandes objetivos: “abertura de programas de cursos experimentais e interdisciplinares de graduação, que poderiam ser não-profissionalizantes ou não-temáticos, com projetos pedagógicos inovadores, em grandes áreas do conhecimento: Humanidades, Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente, Artes; - consolidar programas de renovação de ensino de graduação por meio de projetos acadêmicos criativos e consistentes, reduzindo as barreiras entre os níveis de ensino como por exemplo oferta de currículos integrados de graduação e pós-graduação; - incentivar reformas curriculares naqueles cursos que ainda não apresentaram propostas de atualização do ensino de graduação” (MEC/UFBA, 2007, p. 5).

O documento é por demais extenso e extenuante. E também contraditório e ambíguo. De acordo com estudos do ANDES-SN, “Nesse caldo de cultura, [foi] posta a público a proposta Universidade Nova, tida como originária de uma grande universidade federal e amplamente veiculada como solução contra a obsolescência ‘diagnosticada’ para as universidades do modelo tradicional. Houve um périplo, especialmente do reitor da UFBA, pelas demais IFES, explicando, preferencialmente, em Aulas Inaugurais, que a ‘formação generalista de um grande contingente de jovens em Ciclos Básicos de 2 a 3 anos, para posterior guindada de uns poucos, peneirados como os ‘mais capacitados’, até a profissionalização propriamente dita, seria a panacéia para todos os problemas diagnosticados. O ânimo propagandístico arrefeceu um pouco quando conseguiu ser difundida a contra-argumentação de que, numa situação de contingenciamento de recursos permanente e escassez de vagas na etapa profissionalizante, o Ciclo Básico ranqueador instalado se tornaria, indubitavelmente, um mecanismo adicional de exclusão social” (Cadernos ANDES-SN, 2007, p. 22).

Tanto a UFBA quanto a UnB querem convencer as demais IFES de que as diretrizes do REUNI vão beneficiar estudantes, docentes e o processo formacional. O que estamos vislumbrando, na realidade, é uma política de desmonte, que ataca de todos os lados no mesmo instante. Decretos e portarias pipocam num mesmo marco temporal, para que a estratégia de reação seja mais pulverizada e menos intensa. A estratégia divisionista que o MEC tem adotado neste atual governo e no antecessor também, demonstra claramente a importância da organização política dos Centros de Ensino, departamentos de graduação e centros acadêmicos na publicização de tais artimanhas curriculares. Corremos o risco de ‘assistirmos’ a implementação de um projeto formacional que desqualificará cada vez mais o trabalho docente. Uma IFES pouco atraente do ponto de vista formacional, condenará o ensino superior público ao seu desaparecimento e à integração plena à lógica privatista. Saibamos, então, reconhecer os limites de tal reforma e o seu impacto no ensino público em todos os seus níveis.



Referências


- BOLETIM APUFSC. Reuni: ataque mais complexo ao ensino superior público. Apufsc, Florianópolis, n. 608, p. 3, Set. 2007.

- BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD: Lisa, 1996.

- CADERNOS ANDES-SN. As novas faces da reforma universitária do governo Lula e os impactos do PDE sobre a educação superior. Andes-Sn, Brasília, n. 25, p. 1-41, Ago. 2007.

- CHAUÍ, Marilena de Souza. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Ed. UNESP, 2001.

- MEC/UFBA. Plano de Expansão e Reestruturação da arquitetura curricular na Universidade Federal da Bahia, jul. 2007, [mimeo.].

- TONEGUTTI, Cláudio Antonio; MARTINEZ, Milena. A universidade nova, o Reuni e a degradação da universidade pública, Set. 2007, [mimeo.].

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Magistério catarinense e monopólio da mídia



Por Jéferson Dantas

No dia 29 de setembro de 2007, sábado, deparo-me com a seguinte chamada da seção Visor, página 3 (Opinião do periódico Diário Catarinense): “O coordenador do Sinte [Sindicato dos Trabalhadores em Educação] reconhece o prejuízo à formação dos estudantes [diminuição de cada aula em 15 minutos], mas afirma que é uma forma legítima de forçar o poder público a resolver problemas do setor. Não é. A medida usa os alunos como massa de manobra e prejudica ainda mais a sua deficiente formação”. Tal visão do periódico é corroborada pelo colunista Moacir Pereira na mesma página acima citada. Contudo, em se tratando da ótica rasteira que a mídia impressa brasileira se dirige às questões estruturais no campo educacional, a abordagem em foco beira ao desconhecimento pleno do que tem sido a situação do magistério catarinense nos últimos anos.

Além de a educação continuar não sendo a ‘prioridade das prioridades’, como bem ressalta o educador Dermeval Saviani, nos últimos 25 anos em Santa Catarina - entre o fim da Ditadura Militar (1964-1985) e a redemocratização - temos a permanência no estado de duas legendas partidárias que se digladiam na esfera do público/privado. A aliança partidária que representa o atual governo do estado tem em seu histórico a sanha da perseguição, da desqualificação e da intriga. Como esquecermos a violência física contra os educadores em 1987 e a demissão sumária de 17 mil educadores em plena democracia?

Entender a estratégia de greve do magistério catarinense em detrimento da lógica estatal implica, justamente, nas opções claras que o Estado faz. Afinal, como admitir que Santa Catarina pague o terceiro pior piso salarial em nível nacional? Como admitir condições de trabalho indignas? Toda vez que o discurso estatal revela que o processo educacional onera os cofres públicos devido ao impacto orçamentário, mais certeza se tem de que a educação não se qualifica como prioridade em Santa Catarina e muito menos como investimento. Gerações de catarinenses estão se apropriando menos do conhecimento científico produzido pela humanidade, num empobrecimento formacional que grassa toda a Educação Básica. Todavia, ‘culpabilizar’ educadores não é a melhor forma de se resolver tal situação.

E, para finalizar, não fica bem para o aparato estatal desqualificar o magistério através das mídias impressa e eletrônica, com adjetivos impróprios, como se os representantes da res-publica não tivessem nada a ver com isso. Se os legisladores catarinenses fossem avaliados com a agudeza que merecem pela sociedade civil, dificilmente, seriam aprovados para uma nova legislatura.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Estado agressor



Por Jéferson Dantas


Meninos de 13 e 14 anos, moradores de uma das comunidades do Maciço do Morro da Cruz, preparavam-se para irem a uma festa popular na avenida beira-mar norte. Desciam por um atalho nas imediações do morro até se depararem com policiais militares armados. Um dos policiais fez a seguinte recomendação: “Vocês sabem correr?” Os jovens, acostumados com a repressão comumente utilizada pela polícia nas comunidades empobrecidas de Florianópolis, nem pensaram duas vezes. E correram. E, como numa ‘brincadeira’ de tiro ao alvo, um dos jovens foi atingido por uma bala de borracha na sétima vértebra da espinha dorsal e corre o risco de ficar paraplégico. O pai do menino ainda busca explicações para tamanha perversão. Na escola onde o menino estuda, os/as educadores/as estão comovidos/as e desalentados/as.



Num país onde a chacina de menores de rua não é novidade para ninguém (vide o massacre da Candelária) e grupos de extermínio agem sob a conivência do Estado, não é de se admirar que tal prática condenatória tenha ganhado terreno na capital catarinense. O regime de exclusão precisa atingir o seu ápice e, para muitos (principalmente os que defendem a diminuição da idade penal) o ‘mal’ precisa ser exterminado no nascedouro. Em outras palavras, matemos os jovens antes que se tornem marginais de alta periculosidade. Tal pensamento de cunho fascista não pode ser tolerado, ainda mais se tratando de crianças e jovens em situação de risco social.



Saibam, nenhuma criança ou adolescente nasceu com uma arma na mão, muito menos passou a vender/consumir crack ou heroína como passatempo. O testemunho existencial destes meninos e meninas foge à percepção leviana e/ou xenófoba dos/as que acreditam numa limpeza étnica ou num cordão sanitário entre o morro e o asfalto. Nunca perguntaram se estas crianças e jovens não desejavam carregar instrumentos musicais nas mãos invés de armas; nunca perguntaram se tinham sonhos, desejos ou se tiveram infância. É nisto que se transforma uma sociedade pautada no medo e no terrorismo de Estado: um território desigual em oportunidades e distante de qualquer lampejo de solidariedade!

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A obra-prima dos irmãos Taviani 30 anos depois



Por Jéferson Dantas


O filme Pai Patrão (1977) dos cineastas italianos Paolo e Vittorio Taviani, ganhador do Festival de Cannes, completa 30 anos, mantendo, porém, sua atualidade e contundente crítica aos valores da sociedade capitalista. Baseado numa história real, a narrativa se passa na Sardenha, sul da Itália, onde um menino chamado Gavino (interpretado pelo ator Omero Antonutti) é obrigado pelo pai a abandonar os bancos escolares aos seis anos de idade para cuidar de um rebanho de ovelhas. O pai de Gavino ignora os anseios de sua família, tratando-os com extrema violência e intensa exploração laboral da própria prole. Gavino, sendo o mais velho dos irmãos, só consegue obter a sua ‘liberdade’ na vida adulta, quando faz o alistamento militar com outros jovens da região. Gavino aprende a ler e escrever, apropriando-se de um saber sistematizado, incorporando-o como uma segunda natureza. Em outras palavras, Gavino liberta-se não somente de uma condição perversa de exploração paterna, mas liberta-se da ignorância, passando a adquirir um habitus, ou seja, uma internalização dos princípios de interpretação do mundo letrado.


Tal exposição acima não se diferencia tanto de realidades muito presentes no meio rural brasileiro, principalmente em regiões de imigração européia. Os filhos homens (primogênitos ou não) representam a continuidade de uma racionalidade rural, arraigada à terra e aos valores restritos encharcados de religiosidade. “Servos” da terra, desde tenra idade os meninos têm um destino traçado: cuidar da lavoura e dos rebanhos (herança natural) e dos pais quando estiverem bastante velhos e doentes. No que concerne às filhas há uma possibilidade maior de ruptura com tal destino, ainda que os valores ali presentes permaneçam como molde na vida adulta, pois o peso da tradição está emoldurado na memória.

O pai-patrão castrador e indiferente ao filho que rompeu com a racionalidade rural entra, inevitavelmente, em conflito com a racionalidade letrada, condicionada ao setor produtivo industrial, portanto, calcada em outras formas de exploração da força de trabalho coletiva. Tal conflito de territórios (rural e urbano) não se estabelece tão-somente do ponto de vista geográfico, mas essencialmente, do ponto de vista simbólico. O filho que supera o pai e que agora pode lhe enxergar de uma outra maneira, não tem mais medo de ser castigado, porque tem em seu poder a cultura letrada, além de compreender como os trabalhadores rurais são explorados por atravessadores ou grupos econômicos de prestação de serviços. O pai-patrão, visivelmente fragilizado, velho e castigado por más colheitas e más negociações com capitalistas do meio rural, sente-se desamparado; desmorona-se sua pretensa convicção; o autoritarismo é quebrado pela própria lógica do capital, que negocia pelo menor valor aquilo que é produzido à custa de muito sacrifício.

Os irmãos Taviani, corajosamente, apresentaram ao público uma obra extremamente politizada num contexto de Guerra Fria (1948-1989) e de tiranias militares nas América Latina. Profundamente sensibilizados com as causas sociais, seus filmes tem sido muito discutidos no meio acadêmico, principalmente, na área de Ciências Humanas. Trinta anos depois, Pai-Patrão é a representação de um modelo rural não totalmente superado, além do que com o fim do socialismo real, (re)pensar a utopia passou a ser cada vez mais difícil. No atual contexto de práticas discursivas hegemônicas, onde os consensos sociais não são mais costurados através de ditaduras localizadas, a lógica do capital tem depositado um fardo excessivo aos trabalhadores em diversos setores produtivos; competitividade acirrada e a internalização da culpa pelo fracasso individual, tem sido a tônica destes tempos de Pai-Mercado!


PARA SABER MAIS: Acesse o site http://www.telacritica.org/. Você vai encontrar diversas sinopses de filmes premiados, tendo como enfoque analítico as interfaces entre a linguagem cinematográfica e a Sociologia crítica.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O Movimento cívico promovido pela OAB/SP




Por Jéferson Dantas



A OAB (Organização dos Advogados do Brasil) está liderando uma campanha para paralisar o Brasil por um minuto no dia 17 de agosto, às 13h, em solidariedade às famílias que perderam seus entes queridos no trágico acidente aéreo do vôo 3054 da TAM. Tal ‘movimento cívico’ já tem, inclusive, um site (www.cansei.com.br). Na publicidade de tal movimento há o seguinte desabafo: “Cansei de gente que só quer levar vantagem, do governo paralelo dos traficantes, de pagar tantos impostos para nada, de tanta impunidade, do caos aéreo, de CPI’S que não dão em nada, de ver crianças nas ruas e não nas escolas, de presidiários falando ao celular, de empresários corruptores, de ter medo de parar no sinal, de bala perdida, de tanta corrupção, de achar tudo isso normal, de não fazer nada”.


O texto acima, todavia, revela o perfil e pensamento da classe média brasileira. O tom de indignação se dá, justamente, no medo de ter a propriedade individual roubada, no medo dos marginais que infestam os grandes núcleos urbanos e, provavelmente, a indiferença em relação ás crianças, jovens e velhos que (sobre) vivem nas ruas. Com todo o respeito à iniciativa da OAB, tal indignação é frágil, pois seus pressupostos estão alicerçados em questões aparentes e imediatistas e não em questões estruturais. Numa única expressão, poderíamos sintetizar a ‘campanha cívica’ da seguinte maneira: “Cansei da lógica perversa do capital!” Ora, a democracia representativa no Brasil está longe de atender as demandas sociais mais evidentes e o Estado brasileiro funciona tão-somente como regulador das tensões coletivas, já que atende clientelisticamente, os interesses de uma única classe ou grupo social.



A nossa capacidade de indignação só ganhará corpo e resultados mais concretos, quando pudermos vislumbrar os descalabros do comando político sem alienação ou tom passional. A naturalização da lógica do capital nos ensina que temos de ser competitivos; que temos de doar o nosso tempo livre para que o capital possa se reproduzir; que temos que consumir mais e mais para acompanharmos o mundo formidável das tecnologias de informação e comunicação; que temos de ampliar a jornada de trabalho em detrimento da companhia dos familiares e dos amigos. Ainda que a ‘ação cívica’ em questão seja significativa e importante, ela é, em meu entendimento, reducionista e focalizada. Para os/as que nada possuem e vivem à margem da sociedade, a ‘tragédia’ é vivenciada cotidianamente, e estes homens e mulheres precisam igualmente ser escutados/as. Ressalto, contudo, a contribuição histórica da OAB contra a ditadura militar no Brasil e o apoio aos movimentos sociais na década de 1980. Que o tom de indignação não escorregue numa passionalidade aparente e que, as questões estruturais – incluindo os desmandos do setor aéreo – possam ser encaradas com embasamento e boa argumentação.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

O legado do carlismo


Por Jéferson Dantas


O desaparecimento de Antônio Carlos Magalhães da cena política brasileira, depois de mais de cinco décadas imiscuído no aparato estatal e controlando com mão-de-ferro seus interesses particulares na Bahia, pôs fim a um núcleo geracional de políticos truculentos. Magalhães sempre foi o colaborador de primeira hora dos governos militares e nunca titubeou em pulverizar desafetos, mesmo os que, em primeira instância, configuravam-se como aliados. Todavia, o carlismo não foi e nem será o último fenômeno histórico bem acabado do clientelismo e do coronelismo no território nacional. Há muitos "caciques" bem vivos e tão nocivos quanto "toninho malvadeza".


O discurso cuidadoso sobre a morte de Magalhães, beirando à fleuma, de políticos historicamente oposicionistas e que hoje estão no poder, revelam bem o tom asséptico de como se dão as relações palacianas com os antigos colaboradores da ditadura militar. Há, de fato, um mal-estar em comentar sobre a trajetória de atropelos autoritários de Magalhães. Para muitos um alívio! A sombra de Magalhães incomodava muitos deputados e senadores, tantas vezes desqualificados pelo "painho".


A maior herança do carlismo está alicerçada no legado colonial do Brasil. Público e privado sempre se confundiam. Em troca, o coronelismo carlista prestava importantes serviços aos generais-presidentes durante os anos de chumbo no país, silenciando a liberdade de imprensa em todo o estado da Bahia. Paradoxalmente, Magalhães teve admiradores na própria classe artística baiana, sendo o caso mais proeminente o da cantora Gal Costa. Odiado e amado. Assim, Magalhães adentrou o século XXI. Um pouco mais combalido é bem verdade. Cardiopata, quedou num quarto de hospital. Seus herdeiros tentam se desvincular da imagem truculenta do 'painho', afinal, há outras formas de se estabelecer o consenso popular. Mas, não há como negar a sua importância. Magalhães continuará sendo o modelo mais bem definido de tudo que deve ser condenado e extirpado da sociedade política nacional.


sábado, 14 de julho de 2007

Lutas incorporadas

O fatalismo e destinos traçados são um engano! Aprendemos mais quando conseguimos incorporar as nossas lutas cotidianas ao exercício laboral. A experiência coletiva nunca deve ser abandonada ou subestimada. Quando Marx dizia que o "professor precisava ser educado" ou quando Gramsci afirmava que "todo professor é aluno e todo aluno é professor", estavam na realidade defendendo a tese de que 'ninguém ensina ninguém'; a educação não é uma via de mão única; pressupõe trocas, desejos, vontades, projetos, utopias... Desplugados do que é essencial em sua existência, homens e mulheres passam a desconhecer a capacidade coletiva de mudar os rumos da sociedade capitalista. A alienação mediada pelo Estado e por grandes grupos midiáticos amortecem nossas percepções objetivas. Amorfinados, rumamos...pra onde?
Incorporar a luta coletiva, aproximando-nos dos movimentos sociais, exercendo plenamente a coorperação mútua e desmontando a lógica do capital e a opção de classes do Estado, são ações permanentes. Do contrário, o vazio e o sentimento de culpa acabam sendo incorporados de tal forma, que passamos a internalizar valores artificiais, desejos superficiais, em síntese, as relações sociais e de produção tornam-se meramente fetichizadas.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A vez dos "carentes" (?) na UFSC

Esta foi a manchete do tablóide do grupo RBS (A Hora de Santa Catarina) após a aprovação das cotas sociais na UFSC. Denota, em grande medida, o pensamento da classe média que, agora '"forçosamente", terá de conviver com os excluídos sociais.
A expressão "carentes" foi de uma infelicidade tamanha. Além de ser um periódico sensacionalista, voltado ao leitor despreocupado com o aprofundamento das notícias ou dos acontecimentos sócio-históricos, o tablóide procura dar um tom de chacota a um tema tão sério e caro aos afrodescendentes deste país. A vulgaridade e a superficialidade com que o tema é tratado retrata bem a opção classista deste conglomerado midiático.
A 'carência' não é uma escolha. Trata-se de uma sociedade controlada pela lógica do capital e pela produtividade sem limites, onde a alienação se torna cada vez mais contundente. Exige-se, pois , mais responsabilidade desta imprensa de intrigas, que entende o sujeito coletivo como ignaro e incapaz de compreender a sua dinâmica manipuladora. Os 'carentes' devem ter escolhas como qualquer outro cidadão. Que saibamos, pois, conviver com as diferenças sociais desta nação.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Entre fados e insônias


É quando a noite chega e eu me afasto de tudo que me enoja, que vislumbro o contorno de teu corpo, num local em que nunca estive. E são noites de arrepio e desejo; e sinto que tudo isso é muito caro pra mim. Foram anos de cultura cristã a crispar meu corpo e me infernizar com o mea culpa. Mas, eis que tu surges, assim, sem nenhuma exigência. E queres apenas o colo, o carinho nos cabelos e o beijo eterno de lábios.


Nem a secura dos olhos pouco serenos te acuaram. E esperaste até o último momento. E carregavas frutas frescas em tua própria roupa orvalhada. E assim caminhamos pelas veredas arborizadas e não tínhamos mais pressa. E a completude era tamanha que poderíamos ali mesmo abandonar o mundo.


E foi o que fizemos.

Quem sabe amanhã...


Quem sabe amanhã eu aprenda a dançar... quem sabe amanhã eu decida escrever o meu livro de romances e deixe de fumar... quem sabe amanhã eu tenha tanta energia e disposição para pedir demissão daquele emprego que me consome as forças e me corrói a alma criadora... quem sabe?


Quem sabe eu deixe de mentir e me lamentar. Quem sabe eu aprenda a tocar um instrumento musical e me dedique à boemia sem remorsos! Quem sabe eu deixe de ser generoso e tolo e abandone, de fato, todos/as que me pedem favores e ganham seus louros às minhas custas!


Quem sabe?


Quem sabe eu discuta sério com aqueles/as burocratas empedernidos que ocupam os espaços públicos como se estes lhe pertencessem e planeje alguma afronta de dimensões maiores?


Quem sabe consiga aprender uma nova canção. E possa ver pássaros multicores na outra estação e reencontrar a poesia dos anos passados.


Quem sabe o mendigo é mais pleno do que eu. E lembro de uma canção de Buarque: "Nós gatos já nascemos pobres, porém, já nascemos livres!"


Quem sabe amanhã eu também me liberte?


Quem sabe?

O que importa?


O que importa agora se teus olhos cabisbaixos não respondem ao singelo apelo de um chamado; o que importa agora que eu saiba de teus secretos planos trancafiados, exigindo desculpas veladas; o que importa os anos modorrentos debaixo de tantas culpas e desenganos, como se uma força externa, mágica e estranha, pudesse te salvar?


O que importa se estás surda para me ouvires na escuridão do quarto; se ontem ainda choravas quieta e dizias palavras ininteligíveis e rias por dentro como quem faz uma molecagem atroz; o que importa o acinzentado de teus olhos mais distantes e mais opacos nos invernos do sul;


Eu posso te dizer agora que pouco importa a tua fúria e o teu desejo. Porque teu corpo e languidez foram apenas lampejos! Porque a muralha de teu corpo é um flagelo do qual não me amena e tampouco me absorve.


E eram escadarias tuas argumentações de boteco. Um jorro de pura e transbordante fluidez de passos nas nuvens. Nefelibata como te intitulavas, como se isso pudesse resolver tua cólera e o pouco sorriso. Economizavas até nisso.


E agora queres saber por que não te procuro? Por que deixei de escrever ou telefonar? Por que abandonei meu estado de miséria? Por que passei a valorizar minha existência? Pois bem, frágil aurora, vá procurar o que está distante e envolto em névoas. Eu estarei tranqüilo, passeando com meus pedregulhos de escritos e apostando em algo superior ao que definiste como inexorável.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

As cotas e a dívida social brasileira




Por Jéferson Dantas


As manifestações ocorridas recentemente em Porto Alegre contra o sistema de cotas para estudantes egressos das escolas públicas e afrodescendentes continuam acirrando os ânimos nas universidades públicas brasileiras. Tal medida desagrada em grande parte os/as estudantes que podem fazer cursinhos pré-vestibular e que já estão inseridos/as na lógica perversa da seletividade meritocrática. Até aqui, nenhuma novidade. Entretanto, a permanência do preconceito racial neste país é digno de nota. Os que são contrários/as às cotas preferem discutir a melhoria da educação básica pública brasileira o que, teoricamente, colocaria em pé de igualdade aqueles/as que podem realizar seus estudos em boas escolas privadas e os/as que não têm acesso a este tipo de ensino. Em outras palavras, joga-se para as calendas gregas uma discussão de cunho histórico, fruto da mais rasa e perniciosa permanência da exclusão social.




Se levarmos em conta os/as estudantes afrodescendentes que conseguem terminar os estudos no ensino médio em relação aos/às estudantes brancos, já teremos uma boa medida da discrepância de escolarização em nosso país. Apenas para citar um exemplo, em Florianópolis crianças e jovens em situação de risco são em sua maioria afrodescendentes. São as que abandonam os estudos ainda no ensino fundamental, ou porque precisam trabalhar (de forma precária) mais cedo ou porque a própria escola reforçou de maneira naturalizada a 'incompetência' destes jovens para os estudos. A violência estrutural atinge de forma muito mais cruel e nefasta os/as afrodescendentes. São os que têm os piores índices de escolaridade e, em conseqüência, de empregabilidade.




Ao tratar desiguais como iguais somos presas fáceis das contradições. Não olhamos para o passado como substância dialética em relação ao presente. Nesta direção, a preocupação se volta a uma competitividade desenfreada, movida a contrapelo pela lógica do capital. Certas coletividades desejam o fim da violência sem se darem conta de que a mesma é fomentada dia após dia pela ausência de trabalho formal e a intensa concentração de renda. A mentalidade "pequeno-burguesa", distante de qualquer solidariedade, alimenta a individuação exacerbada e o descaso com as questões de fundo histórico. Logo, discutir as cotas sociais/étnicas nas universidades públicas vai além dos discursos inflamados dos prós e contras. Ela está alicerçada na denúncia de que somos incapazes de assumirmos os nossos próprios preconceitos.