sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

DIÁLOGOS [1]


“Nem sei o seu nome”, perguntou-me, ao mesmo tempo em que acariciava minhas pernas e meus pêlos púbicos, deixando-os se encaracolar entre seus dedos. Respondi-lhe: “Meu nome é .....!”. Explicou-me a origem do meu nome em tom professoral e depois disse o seu próprio nome: “Sou .....”. Continuava acariciando meu corpo. Sua face se transfigurara. Havia, aparentemente, ganhado contornos mais joviais. Encostou sua cabeça sobre o meu peito e encolheu as duas pernas de forma quase fetal e indagou-me:

_ O que vai acontecer conosco? Quais são as chances de sairmos disso tudo com vida e um pouco de dignidade? Fracassamos como humanidade?

_ Estamos apenas redimensionando o que não mais importa. Não fomos suficientemente solidários quando precisávamos. Abrigamo-nos, invariavelmente, em nossas bem construídas retóricas, defendidas para poucos. Você pode me achar um desesperançado.

_ Não. Sempre precisei de tempo para escrever, ler, pensar, preparar aulas, seminários, palestras... mas que público era aquele? Era uma gente confinada numa mesma lógica de reprodução acadêmica. Idéias e trajetos são necessários para mudar vidas, perspectivas, não?

_ Se você entende as coisas desse modo hoje, dê uma chance a um novo destino. Estamos aqui, totalmente destruídos pelas forças do autoritarismo; esmagados e revirados do avesso. O que é mais inglório nisso tudo?

_ Inglório? Ora, de certa forma concordamos com as ações do Estado. Alguém que ‘cuide’ de nós; que nos mantenha ordenados, obedientes. Nunca aprendemos a ser autônomos...

_ Com o quê e com quem sonhávamos? Seguimos que caminho? Era isso o que desejávamos?

_ Você me condena?

_ Não!

_ O que nos destrói é este narcisismo fugaz. Somos poeira.

_ E agora? Nas mãos de generais ensandecidos com seus fuzis e ‘soldadinhos de chumbo’ seremos dizimados.

_ Quanto tempo tudo isso vai levar?

_ Não sei se percebes. Chegamos ao limite. A partir daqui tudo será de uma brutalidade sem tamanho. Não vejo nada no horizonte. Os meios de comunicação estão tomados. A limpeza social está indo de vento em popa. Seremos números perigosos nas ruas.

_ Recuso-me a aceitar! Você está conformado! Já tivemos momentos piores em nossa história.

_ Não sou conformado. Mostro-te os fatos. Não quero morrer sem fazer nada! Assim foi a minha vida inteira, escondido numa redação de jornal, cobrindo tudo pela ‘metade’, sem poder relatar nada que ferisse os princípios da ‘empresa’. Estou tão ferido quanto você!

_ Estamos no fundo do poço, então?

_ Estamos tergiversando!

_ Queremos soluções a partir do umbigo... ou de nossas crenças vazias e medíocres ...

_ Não necessariamente vazias, mas desprovidas de coletivo. Fomos condescendentes com a exploração, a miséria, o despudor, a ignorância, a corrupção... agimos como a lógica desta sociedade queria. E depois íamos para as nossas casas, resolutos e confiantes de nossas ações benevolentes.

_ E isto diz respeito a todos nós!      

_ Perdi dois grandes amigos ainda bem jovens. Um se suicidou. Viveu o seu limite, condenando o seu entorno com declarações públicas virulentas e rompendo com as amarras familiares. De repente, havia se transformado num homem de felonia descabida. Destruíra o amor da mulher com quem convivia e quase a assassinou num ato de disparatado terror. Já a minha amiga sempre teve compromisso com os mais necessitados, participando de movimentos sociais, recolhendo donativos, além de se expressar nos mais variados segmentos artísticos. Era uma dessas pessoas que facilmente nos apaixonávamos. Infelizmente, seu brilho e a alegria foram ceifados pela guilhotina da virilidade áspera de um homem incapaz de amar. Assassinada por ser alguém acima da mediana espécie humana.

_ Como espécie, estamos fadados à autodestruição? É esta a tua definição final?

_ Temos caminhado para este ponto, não é mesmo? A barbárie é a nossa condicionante!



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Palavra 
que não adere

adereço
estético
de
quem
não experencia

experiência
mesmo
é a 
dose mais
forte
deste veneno-essência
eis a questão!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O DUPLO

É este duplo que vaza incoerência, cabeça-enxame do tempo. É esta difícil escolha, às vezes desejo inconsequente, mas tão pouco para o sempre. Razão pela qual desatino e encontro tuas nuvens nas paragens adocicadas e multicores deste universo paralelo criado anteontem. E quando cinza o teu metálico sorriso; e quando raiva é o que espuma pelos teus dentes submarinos, minha sombra se oculta na túrgida retentiva do que expressei até então.

Não confias no meu intento e sua sibila corrói por dentro. E o plástico movimento da quimera já não te seduzia há muito, e se dizia infecta por ter concordado com as diretrizes opostas de crenças anteriores.

Apenas sarcasmo te veste e nem mais se importa com o vocabulário impróprio ou com os jogos de cena enturmados num solilóquio vespertino, porque aí você é única persona.  


sábado, 30 de outubro de 2010

LANÇAMENTO DE LIVRO DE FLORIANO MARTINS.

O escritor, ensaísta e tradutor cearense Floriano Martins lançou livro em Florianópolis no dia 22 de outubro. Jéferson Dantas relançou a plaqueta 'Suspenso e Alheio', editada por Camilo Prado. O evento aconteceu no Bar Taliesyn, no centro de Florianópolis.

À esquerda, Jéferson Dantas; no centro, o escritor Marco Vasques; e à direita, o
escritor Floriano Martins.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

OS POEMAS DO MAR - CANTO DOIS


Mal clareou o dia,
E lá estava o escrivão,
Com seu bico de pena
E a imaginação a mil.


O mar batia
Calmo nos rochedos,
Embalando a mente
Fértil do repórter-navegante.

Observava a voluptuosidade
Das nativas,
Os seios desnudos,
Os glúteos vermelhos,
Sem que nada
Cobrisse
As suas vergonhas.

Analisava o cenário
Paradisíaco como quem
Deleita-se com
O inalcançável.
E sua pena ágil
Ia contornando o papiro
E mais elementos
Da paisagem
Tornavam vigorosas
A sua narrativa.

A terra dos papagaios
Era, definitivamente,
Uma terra de gente sem credo,
E o escrivão se ria por dentro
Relatando ao Rei
As facilidades
Da empresa lusitana.

Mas,
O escrivão
Não notara,
Que os nativos carregavam
Em seus corpos
Todas as crenças
De seu povo,
Em desenhos
Tatuados nos braços, ombros e
Costas.


E, embora
A expedição não desejasse
A redenção
De seus contínuos
Espólios,
O escrivão folgazão
Por certo
Exagerou
Ao solicitar à majestade
A soltura de seu
Genro ladrão
E uma ‘ocupação’ do
Mal-afortunado
Na Corte Real.

OS POEMAS DO MAR - CANTO UM


À noite,
O grito de Afonso Ribeiro
Era devastador.



Chorava muito
E os nativos
Choravam juntos.



Ribeiro
Olhava o seu rosto
No regato
E não acreditava
Que as naus
Já haviam içado âncora.



Restava apenas
Uma ânfora
Deixada pelos tripulantes,
Causando curiosidade
Entre os nativos.




E Ribeiro chorava mais ainda,
Acompanhado
De um coro incomum...


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

CONVITE: RELANÇAMENTO DE 'SUSPENSO E ALHEIO'

Caros/as,
convido-lhes para o relançamento da plaqueta 'Suspenso e Alheio e as minhas reticências sinceras', conforme o convite abaixo.

Saudações poéticas,
Jéferson Dantas.








quinta-feira, 9 de setembro de 2010

DO LIVRO: O ASSOMBRO DA BARBÁRIE & OS AMORES LIBERTÁRIOS

[1]

Não sei bem quando tudo começou. Todas as crises e revoluções ocorrem sem aviso, embora houvesse uma conjunção de fatores impostergáveis para o tirocínio. As milícias que se espalharam pelo país aterrorizaram toda uma geração de guetos oligárquicos. Filhos e netos impossibilitados de perseguirem a sina dos gabinetes ministeriais; famílias quatrocentonas desaparecendo; elites urbanas desesperadas. E todas as ações eram relatadas e divulgadas nos meios de comunicação alternativos e também na mídia de massa. A inquietude dos grandes meios de comunicação conclamava os ‘cidadãos de bem’ contra o terrorismo num país tradicionalmente ordeiro e conformado. E até houve procissões que pipocaram aqui e ali com diversas palavras de ordem em seus cartazes: “ESTADO! RELIGIÃO! AUTORIDADE! DIREITO À PROPRIEDADE E À LIBERDADE!” O embate estava dado. E um jovem político, engordado pela herança paterna, teve sua língua cortada e suas orelhas mutiladas, tal como ocorria com os vagabundos que perambulavam pelas ruas da cidade, desprovidos de saúde e trabalho. E era evidente que surgissem as primeiras tentativas de um coup d’état, afinal, o ‘Estado de Exceção’ estava acima do cidadão.
Os desastres da guerra (Goya, 1746-1828)

Todavia, isto não era privilégio de um ou outro país. Quando dezenas de países desapareceram da África, por conta das pandemias e de todos os misticismos religiosos, o que se ouviu foi a triste e natural constatação de que não houvera um ‘planejamento consistente’ nestas regiões e, que infelizmente, alguns milhões precisam morrer para a salvaguarda de outros. Tal era a cegueira nestes tempos sombrios! Não se podia mais resolver as contradições internas de uma lógica social que levara toda a humanidade a um estado de brutalidade sem limites. Como fechar os olhos para os saques sistemáticos? Os incêndios nas escolas confessionais e públicas? E já se tornara ‘naturalizado’ o estupro e assassinato de professores e professoras; a total depredação dos prédios escolares, escolhidos como o baluarte da ‘miséria do mundo’. E uma leva de analfabetos indigentes grassava as ruas, recolhendo o que sobrara dos estilhaços da urb caótica.

Não! Não era um pesadelo. Talvez fosse uma questão de tempo a precipitação destes acontecimentos. O que mudara, sobretudo, era supostamente a ausência de uma causa coletiva. A revel tinha o firme propósito da destruição do ‘mal’ em seu nascedouro. E as tantas mortes de um lado e de outro não tardaram a acontecer. O exército tomou as ruas. E por milhares de dias o conflito se estendeu... e é esta experiência que aqui relato. Falo das fendas, das fronteiras entre o estabelecido e o alternativo; de almas que não se renderam à barbárie e de outros espaços de aprendizagem. Vivíamos uma explosão anômica sem precedentes. E também não estaríamos seguros com aqueles homens fardados, sedentos de sangue. Este era o cenário. Ninguém estava protegido. E é no limite que a humanidade se supera. Para além de todos os paradoxos, as diferentes experiências humanas congeminaram-se.


CORPO

Desde a primeira vez, quando retive o cheiro de seu corpo em minhas narinas sôfregas, aprendi o desejo de uma maneira sem sentimento. E lânguida gemia suave aos meus chupões descabidos e o corpo alvo de contornos belos como derradeira imagem. Se eu sofro hoje por ter apenas vestígios deste evento amoroso, não me compadeço, contudo. Sei de como as mortalhas dos dias seguintes foram dolorosos para ambos. E a minha miséria foi conscientemente construída. 

Depois, tudo foi aspereza. As noites doloridas da espera. Demorava-se para deitar-se do meu lado e rezava coisas inaudíveis. Tinha medo de minha reação e chorava, secretamente. E passei a cuidar de coisas sem qualquer importância. E os meus olhos baços eram incrivelmente tristes e distantes. Quando sumiu aos poucos da casa, não consegui reagir. Roupas que desapareciam; depois alguns móveis; um dinheiro guardado de uma escrivaninha... E, assim, sumiu de vez. E aguardei que voltasse. Que dormisse do meu lado e rezasse como fazia todos os dias. E o abandono da casa e do meu corpo denotava a fetidez do que se constituíra aquela relação destruída pelos anos. E tentei desvendar o descaminho da ruína, mas era difícil me concentrar. Minha cabeça piolhenta coçava sem parar. E não me reconheci no espelho.

À decrepitude do meu corpo lancei todas as honrarias. E não eram sábias as horas do infortúnio. Quando cansei de esperá-la fui ao encontro do sol do dia. E era óbvio o meu estado inadimplente, incompatível com as primeiras juras ingênuas. E de lá vi as nuvens. E eu não sentia medo nem remorso. E então pude compreender o limite da existência.


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

DO QUE É DO HUMANO - PARTE 2

Para entender devo me calar de maneira monástica. Retrucar seria inglório. Observar o gesto, as palavras cortantes que brotam daquela boca como ameaça sistemática. E às vezes nem era isso que ardia profundamente. Apenas o prazer de machucar, lanhar e depois cuspir. Este era o comportamento constante e nada havia de voluptuosidade. E sei que gostava de umas sujeiras; de umas ofensas cabalísticas, que findava no deleite do quartinho, onde se debulhava inteira na excitante orgia.

E na queda da volúpia, quando o jogo terminava, abruptamente desvencilhava-se de meu afago e vestia a roupa flamejante, jurando para si mesma que tudo se tratava de um engano. Pois era assim que gostavas de me  ter, para depois expelir, raivosa, os destroços da noite incompatível.

E gostava dos sons das catedrais, porque era uma redenção transcendente e te deixava mais pura e até mesmo casta. Não suportavas o próprio cheiro e banhava-te demoradamente até que uma suave bruma fantasiosa cobrisse a tua face para que tudo serenasse.

Eu, espectador ativo de tuas loucurinhas, tinha por passatempo reunir os lençóis e travesseiros, organizando o novo cenário da captura amorosa. E fazias pouco caso deste movimento e, ao mesmo tempo, já maquinavas como seria a experiência do outro dia.

E quando fui embora, cobrejavas pela sala, intuindo magnetos insolentes, pois era disso que se alimentava e a espera não tardara.

terça-feira, 20 de julho de 2010

DO QUE É DO HUMANO - NON OMNIA POSSUMUS OMNES


Foi este arrebol inesperado que te trouxe para o meu conforto mais íntimo. Eu que já não sabia brincar, agora tinha tempo de sobra para te acompanhar nesta viagem fantástica de redemoinhos e labirintos. Eu retornaria mais são e menos importunado com tolices de outrora. É que eu aprendera com a última estação a ser menos auto-sabotador e ter cuidado com os amigos de longa travessia. A menina sorrira com o meu pouco jeito diante das flores do jardim, tomando-me por certo como ilustre desconhecedor das coisas da terra. E ela estava coberta de razão. Na estratosfera de minhas transpassadas morbidezes ou de coisas inconclusas que povoam a nossa mente, nada poderia ser mais infértil ou desagregador. E percebia que foram os tantos dias de solitude, ainda que fizesse sol ou chuva, que criaram este estado bruto e distante do que é coletivo. E talvez eu pouco compreendesse do êxtase da alma quando acreditava me bastar no horizonte de meus objetivos tacanhos.

E a menina ao plantar sua primeira flor no jardim improvisado, beijou-me a face e confidenciou-me que também possuía jardins secretos nos seus sonhos, mas lá tudo parecia maior e mais colorido. Disse-lhe que os nossos sonhos têm o tamanho de nossa grandeza e ousadia. Ela riu, pois não entendia muito bem o que isso poderia significar. No outro dia, como por encanto, o jardim multicor se apresentava com todos os seus aromas sutis e penetrantes e era isso o que pretendia guardar desta aprendizagem simples e tranquila, que pode não mover mundos, mas que certamente me moveu.  

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Raulzito faria 65 anos de idade

Passados 21 anos desde o desaparecimento do cantor e compositor baiano Raul Santos Seixas (1945-1989), finalmente o roqueiro mais irreverente do país ganhará (provavelmente) seu primeiro longa-metragem. Trata-se de um filme-documentário que será dirigido por Walter Carvalho, mesclando imagens de arquivos de emissoras de tevê e outras encenadas indicando o início da carreira do músico. Apesar da inegável importância de Seixas no cenário musical brasileiro, até hoje não se realizou uma cinebiografia à altura de seu talento e muito menos uma biografia que contemplasse aspectos de sua existência que fossem além de chavões ou de cultos mitomaníacos.

Raul Seixas nasceu no dia 28 de junho de 1945 e se estivesse vivo estaria completando 65 anos. Iniciou sua carreira artística em Salvador sob a influência do rock e do baião de Luiz Gonzaga no final da década de 1950. Pertencente à classe média baiana, Seixas desde cedo tomou gosto pela literatura e queria ser tão importante quanto Jorge Amado. Porém, encontrou o seu caminho na linguagem musical.

Desiludido com o rock nacional da década de 1980 começou a compor de maneira mais espaçada e suas aparições públicas tornaram-se mais raras. Para Seixas, o rock nacional teria perdido a sua irreverência. As canções passavam a atender cada vez mais o mercado, transformando-se em meros produtos pasteurizados. O estético teria vencido o protesto.

O último trabalho musical de Raul Seixas foi realizado com o parceiro Marcelo Nova em 1989. Bastante debilitado e aplicando-se insulina regularmente, a emissão vocal titubeante de Seixas em nada lembrava o músico debochado e inventivo da década de 1970. Dentre os temas desta última obra estão os xiitas ecologicamente corretos, uma crítica bem humorada ao cantor inglês Sting, que esteve no Brasil posando de defensor da causa verde, reflexo do fenômeno arrivista que se agudizaria na década de 1990. Ainda sobram ironias para os livros mais vendidos do momento – os denominados best-sellers. As demais canções revelam momentos singulares da vida do músico, enfim, um inventário de sua produção artística. No dia 21 de agosto de 1989 o poeta anarquista embarcou num disco-voador e nos deixou um legado que tem acompanhado diversas gerações.

PELÉ E MARADONA


Pelé e Maradona: dois mitos da bola inquestionáveis. Pelé teve como a sua copa do mundo inesquecível o palco do México em 1970; Maradona, por seu turno, teve o mesmo palco do México para o brilho e o talento do seu futebol em 1986. As comparações e/ou semelhanças vão ficando por aí. Maradona volta e meia provoca Pelé e a imprensa argentina não se cansa de dizer que Maradona foi o melhor jogador do mundo de todos os tempos. São dois temperamentos distintos. O Maradona bufônico e intenso contrasta com o Pelé pragmático (quase fleumático) e empresário.

Suas histórias de vida também são distintas, mas vamos nos deter em suas personalidades. Maradona gosta de ver a sua imagem vinculada a outro mito argentino: Ernesto Che Guevara (1928-1967). Foi se tratar em Cuba devido a um processo de dependência química que quase abreviou a sua existência. Faz questão de chamar a atenção para si, e o seu personalismo ou a sua personagem desponta para ações que vão do excessivo afeto ou para a fúria destemperada. Já Pelé procura vincular a sua imagem ao filantropo, preocupado com as crianças pobres e sem escolaridade do Brasil. Sem qualquer vínculo político-ideológico consistente, Pelé é a personagem bondosa e caridosa, que no arquétipo de mito parece estar acima do bem e do mal. E nisso os dois se assemelham.

No brilhante livro do jornalista uruguaio Eduardo Galeano, Memórias do Fogo, o articulista relata a trajetória de Pelé e Garrincha, dois gênios da bola, mas também suas trajetórias distintas (Garrincha morreu na miséria). Pelé, literalmente, soube capitalizar seu nome a uma ‘marca’ conhecida nos quatro cantos do planeta. Ao se preocupar excessivamente com a sua personagem, não se deu conta de que um de seus filhos estava envolvido com consumo de drogas. A ficção e a realidade agora se confundiam.

A pretensa desavença destes dois ídolos do futebol alimenta a imprensa carnívora e temperou um pouco o mundial na África do Sul. No que se refere aos limites da coordenação técnica de Brasil e Argentina, Maradona representou a comédia e o drama, talvez calculadamente arquitetada; já Dunga, parecia ter saído dos porões da ditadura no melhor estilo ‘ame-me ou deixe-me’, liderando um escrete disciplinado, religioso e pouco dado à criação.