quinta-feira, 9 de setembro de 2010

DO LIVRO: O ASSOMBRO DA BARBÁRIE & OS AMORES LIBERTÁRIOS

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Não sei bem quando tudo começou. Todas as crises e revoluções ocorrem sem aviso, embora houvesse uma conjunção de fatores impostergáveis para o tirocínio. As milícias que se espalharam pelo país aterrorizaram toda uma geração de guetos oligárquicos. Filhos e netos impossibilitados de perseguirem a sina dos gabinetes ministeriais; famílias quatrocentonas desaparecendo; elites urbanas desesperadas. E todas as ações eram relatadas e divulgadas nos meios de comunicação alternativos e também na mídia de massa. A inquietude dos grandes meios de comunicação conclamava os ‘cidadãos de bem’ contra o terrorismo num país tradicionalmente ordeiro e conformado. E até houve procissões que pipocaram aqui e ali com diversas palavras de ordem em seus cartazes: “ESTADO! RELIGIÃO! AUTORIDADE! DIREITO À PROPRIEDADE E À LIBERDADE!” O embate estava dado. E um jovem político, engordado pela herança paterna, teve sua língua cortada e suas orelhas mutiladas, tal como ocorria com os vagabundos que perambulavam pelas ruas da cidade, desprovidos de saúde e trabalho. E era evidente que surgissem as primeiras tentativas de um coup d’état, afinal, o ‘Estado de Exceção’ estava acima do cidadão.
Os desastres da guerra (Goya, 1746-1828)

Todavia, isto não era privilégio de um ou outro país. Quando dezenas de países desapareceram da África, por conta das pandemias e de todos os misticismos religiosos, o que se ouviu foi a triste e natural constatação de que não houvera um ‘planejamento consistente’ nestas regiões e, que infelizmente, alguns milhões precisam morrer para a salvaguarda de outros. Tal era a cegueira nestes tempos sombrios! Não se podia mais resolver as contradições internas de uma lógica social que levara toda a humanidade a um estado de brutalidade sem limites. Como fechar os olhos para os saques sistemáticos? Os incêndios nas escolas confessionais e públicas? E já se tornara ‘naturalizado’ o estupro e assassinato de professores e professoras; a total depredação dos prédios escolares, escolhidos como o baluarte da ‘miséria do mundo’. E uma leva de analfabetos indigentes grassava as ruas, recolhendo o que sobrara dos estilhaços da urb caótica.

Não! Não era um pesadelo. Talvez fosse uma questão de tempo a precipitação destes acontecimentos. O que mudara, sobretudo, era supostamente a ausência de uma causa coletiva. A revel tinha o firme propósito da destruição do ‘mal’ em seu nascedouro. E as tantas mortes de um lado e de outro não tardaram a acontecer. O exército tomou as ruas. E por milhares de dias o conflito se estendeu... e é esta experiência que aqui relato. Falo das fendas, das fronteiras entre o estabelecido e o alternativo; de almas que não se renderam à barbárie e de outros espaços de aprendizagem. Vivíamos uma explosão anômica sem precedentes. E também não estaríamos seguros com aqueles homens fardados, sedentos de sangue. Este era o cenário. Ninguém estava protegido. E é no limite que a humanidade se supera. Para além de todos os paradoxos, as diferentes experiências humanas congeminaram-se.


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