quinta-feira, 9 de setembro de 2010

CORPO

Desde a primeira vez, quando retive o cheiro de seu corpo em minhas narinas sôfregas, aprendi o desejo de uma maneira sem sentimento. E lânguida gemia suave aos meus chupões descabidos e o corpo alvo de contornos belos como derradeira imagem. Se eu sofro hoje por ter apenas vestígios deste evento amoroso, não me compadeço, contudo. Sei de como as mortalhas dos dias seguintes foram dolorosos para ambos. E a minha miséria foi conscientemente construída. 

Depois, tudo foi aspereza. As noites doloridas da espera. Demorava-se para deitar-se do meu lado e rezava coisas inaudíveis. Tinha medo de minha reação e chorava, secretamente. E passei a cuidar de coisas sem qualquer importância. E os meus olhos baços eram incrivelmente tristes e distantes. Quando sumiu aos poucos da casa, não consegui reagir. Roupas que desapareciam; depois alguns móveis; um dinheiro guardado de uma escrivaninha... E, assim, sumiu de vez. E aguardei que voltasse. Que dormisse do meu lado e rezasse como fazia todos os dias. E o abandono da casa e do meu corpo denotava a fetidez do que se constituíra aquela relação destruída pelos anos. E tentei desvendar o descaminho da ruína, mas era difícil me concentrar. Minha cabeça piolhenta coçava sem parar. E não me reconheci no espelho.

À decrepitude do meu corpo lancei todas as honrarias. E não eram sábias as horas do infortúnio. Quando cansei de esperá-la fui ao encontro do sol do dia. E era óbvio o meu estado inadimplente, incompatível com as primeiras juras ingênuas. E de lá vi as nuvens. E eu não sentia medo nem remorso. E então pude compreender o limite da existência.