segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

Como diria Raulzito...


Revista Caros Amigos, Edição 104

O dólar deles paga o nosso mingau


O grupo norte-americano Laureate Education Inc., que administra instituições de ensino superior e a distância nos Estados Unidos e em mais catorze países da Europa, Ásia e América Latina, anunciou no início de dezembro a compra de 51 por cento da universidade brasileira Anhembi Morumbi. A transação, de 69 milhões de dólares, transforma a instituição na primeira universidade do país com capital majoritário estrangeiro. A Anhembi Morumbi tem hoje 27.000 alunos distribuídos em quatro campi na cidade de São Paulo, e faturou 52,8 milhões de reais em 2004. Esse lucrativo aparato educacional agora está sob o comando da Laureate, que é administrada por um grupo de altos executivos, alguns com experiência na Nasa e em companhias energéticas, e também faturou um bocado em 2003: algo em torno de 470 milhões de dólares. Para Roberto Rodríguez Gómez, professor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), que realizou um estudo sobre a atuação da Laureate no país – a empresa tem 80 por cento da Universidade do Vale do México (UVM) –, "ela está principalmente orientada à execução de lucros. Qualquer outro propósito depende desse primeiro objetivo". A Laureate começou suas atividades em 1979, com outro nome: Sylvan Education Solutions.
De 1999 até 2005, a expansão da Sylvan (cujo nome foi mudado para Laureate em 2004) foi rápida e enorme. 4.500 alunos no primeiro ano, hoje beira os 215.000. Para
Gómez, "os lucros das operações internacionais são direcionados à própria expansão da rede. Isso valoriza o empreendimento e aumenta as ações da empresa na Bolsa de Nova York. É uma valorização de ativos". Ao adquirir a UVM mexicana em 2000, a Laureate construiu seis campi em quatro anos. "A universidade comprada começa a crescer e adquirir pequenas faculdades pelo país. Aí, a lei tem de regular", explica Gómez. A maior motivação da Anhembi Morumbi para assinar a "parceria" com a Laureate foi encontrar uma alternativa à queda nos negócios da universidade. "A oferta de vagas está muito grande", diz Gabriel Mário Rodrigues, reitor da Anhembi Morumbi, mostrando um gráfico com a oscilação de seu negócio. "Já observamos aumento na procura para o vestibular após o anúncio da parceria", comemora. O reitor afirma que a qualidade do ensino não cairá com a massificação, e explica que se pode constatar a manutenção da qualidade pelo aumento no número de matrículas. O raciocínio segue a linha da lei da oferta e procura: se as pessoas se matriculam é porque a universidade é boa; se elas não demonstram interesse, o ensino é ruim. Para Jairo Jorge, secretário executivo do Ministério da Educação (MEC), a explicação é questionável. "Esse pessoal pensa a educação como se fosse padaria: o cara vai lá e compra o pãozinho. Se não gostou, no outro dia não compra mais", alfineta. "Os estudantes e a sociedade só vão perceber que aquela instituição não
tem qualidade muitos anos depois, quando o aluno já está avançado no curso ou quando se forma um péssimo profissional." A venda parcial da Anhembi mexe também em outro vespeiro: a cultura nacional. Segundo o reitor, uma das condições da "aliança" é a "preservação dos valores culturais e da cultura brasileira". Embora seja outra a experiência vivida no México.
"Não há nenhuma preocupação com a cultura do país, mas sim de implantar a cultura da globalização", conta Gómez. O secretário do MEC alerta que o ensino superior "deve estar vinculado a um projeto de nação baseado na identidade nacional e cultural". E prevê que muito em breve haverá uma batalha jurídica entre a Laureate/Anhembi e o MEC. Isso porque, segundo o projeto da Reforma Universitária que está para ser votado, a participação estrangeira na educação nacional ficará restrita ao máximo de 30 por cento. Já no entender da reitoria da Anhembi, o negócio não corre riscos e, desde que as coisas "sejam transparentes e os valores dos países respeitados, tanto faz quem é o dono". Mas, como esse parágrafo da reforma ainda nem foi votado, as cartas podem mudar. É nessa hora que o lobby surge. "Eu creio que com os deputados será feito lobby, aqui não fizeram porque não necessitaram, a lei os favorecia", avisa, do México, o professor Gómez. Na visão do secretário Jairo, o lobby do setor privado deve mesmo acontecer: "O que temos que fazer é evitar que isso ocorra nas catacumbas do Poder Legislativo".

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