sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

O ZEITGEIST NA CONTRAMÃO CIVILIZATÓRIA

A expressão alemã Zeitgeist sintetiza todas as manifestações políticas, culturais e sociais de uma dada época histórica ou, em outras palavras, representa o espírito de um tempo, sintonizada com expressões artísticas originárias da literatura, música, dança e artes plásticas, apenas para citar alguns exemplos. Mas, tal fenômeno, ainda pode ser compreendido como uma síntese aguda de um tempo histórico marcado por um conjunto de ações performáticas individualizantes apartadas de mobilizações coletivas e de teor socializante.
O decandentismo europeu do final do século 19, do qual o escritor inglês Oscar Wilde (1854-1900) é um dos seus principais representantes, teve bastante influência em nosso país, especialmente na obra de João do Rio (1881-1921). Grosso modo, o decandentismo tinha traços da escola romântica, sobressaindo-se o ‘dandismo’ como modus vivendi. O gosto pelas coisas fúteis, o interesse pelo efêmero, a associação da vaidade narcísica ao tédio, também são marcas deste estilo artístico.  Numa aproximação precária com os dias coevos, estaríamos vivendo um período da História em que as intenções são mais importantes do que as ações, ou ainda, de que uma boa performance por meio das redes sociais garantiria, por si só,  efetiva participação ativa, ocultando os efeitos nefastos de uma democracia consentida e, portanto, descaracterizada de seus matizes mobilizadores em nível estrutural.
Não por acaso, o mercado editorial brasileiro tem realizado novas reedições de obras distópicas, que traduzem em suas narrativas ficcionais, as dificuldades humanas de diálogo, o isolacionismo narcísico, a obsessão por produtos tecnológicos que impedem ou reduzem encontros presenciais e a necessidade compulsiva em expressar opinião sobre qualquer assunto, ainda que não existam elementos conceituais ou teóricos consistentes que sustentem determinadas abordagens. A necessidade comunicacional a qualquer custo, portanto, mitiga todos os esforços epistemológicos de compreensão sistemática da sociedade pautada na lógica do capital, que a todo instante cria necessidades artificiais e supérfluas.
Esta verdadeira ‘empresa de si’, nos termos dos sociólogos franceses Dardot e Laval, estabelecem novas formas de convívio, muito mais áridas e concorrenciais, promovendo além da competitividade desenfreada em todos os setores da vida produtiva, um aceno preocupante às ideias autoritárias, que reduzem as manifestações artísticas a meras expressões de mentes recalcadas. Contraditoriamente e, na contramão do que alcunhamos de ‘civilização’, é justamente o ideário ultraconservador que não consegue resolver os seus recalques. Nesta direção, tudo o que for ‘diferente’ de sua visão de mundo, permitirá ao espírito totalitário repudiar sem peias. Logo, o dandismo virtual e a ausência de vínculo com a realidade concreta, que não podem ser confundidas com a expressão artística de um tempo, são insuficientes para combater os exageros autoritários, já que legítimas disputas só podem ocorrer na arena pública, portanto, terrena!




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