A expressão alemã Zeitgeist sintetiza todas as manifestações
políticas, culturais e sociais de uma dada época histórica ou, em outras
palavras, representa o espírito de um
tempo, sintonizada com expressões artísticas originárias da literatura,
música, dança e artes plásticas, apenas para citar alguns exemplos. Mas, tal
fenômeno, ainda pode ser compreendido como uma síntese aguda de um tempo
histórico marcado por um conjunto de ações performáticas individualizantes
apartadas de mobilizações coletivas e de teor socializante.
O decandentismo europeu do final do século 19, do qual o escritor
inglês Oscar Wilde (1854-1900) é um dos seus principais representantes, teve
bastante influência em nosso país, especialmente na obra de João do Rio
(1881-1921). Grosso modo, o decandentismo
tinha traços da escola romântica, sobressaindo-se o ‘dandismo’ como modus vivendi. O gosto pelas coisas
fúteis, o interesse pelo efêmero, a associação da vaidade narcísica ao tédio,
também são marcas deste estilo artístico. Numa aproximação precária com os dias coevos,
estaríamos vivendo um período da História em que as intenções são mais importantes do que as ações, ou ainda, de que uma boa performance por meio das redes
sociais garantiria, por si só, efetiva
participação ativa, ocultando os efeitos nefastos de uma democracia consentida
e, portanto, descaracterizada de seus matizes mobilizadores em nível
estrutural.
Não por acaso, o
mercado editorial brasileiro tem realizado novas reedições de obras distópicas,
que traduzem em suas narrativas ficcionais, as dificuldades humanas de diálogo,
o isolacionismo narcísico, a obsessão por produtos tecnológicos que impedem ou
reduzem encontros presenciais e a necessidade compulsiva em expressar opinião
sobre qualquer assunto, ainda que não existam elementos conceituais ou teóricos
consistentes que sustentem determinadas abordagens. A necessidade
comunicacional a qualquer custo, portanto, mitiga todos os esforços
epistemológicos de compreensão sistemática da sociedade pautada na lógica do
capital, que a todo instante cria necessidades artificiais e supérfluas.
Esta verdadeira
‘empresa de si’, nos termos dos sociólogos franceses Dardot e Laval,
estabelecem novas formas de convívio, muito mais áridas e concorrenciais,
promovendo além da competitividade desenfreada em todos os setores da vida
produtiva, um aceno preocupante às ideias autoritárias, que reduzem as
manifestações artísticas a meras expressões de mentes recalcadas.
Contraditoriamente e, na contramão do que alcunhamos de ‘civilização’, é
justamente o ideário ultraconservador que não consegue resolver os seus
recalques. Nesta direção, tudo o que for ‘diferente’ de sua visão de mundo,
permitirá ao espírito totalitário repudiar sem peias. Logo, o dandismo virtual e
a ausência de vínculo com a realidade concreta, que não podem ser confundidas
com a expressão artística de um tempo, são insuficientes para combater os
exageros autoritários, já que legítimas disputas só podem ocorrer na arena
pública, portanto, terrena!
Nenhum comentário:
Postar um comentário