quarta-feira, 24 de maio de 2017

FABRICANDO O SUJEITO NEOLIBERAL

Os cientistas sociais Pierre Dardot e Christian Laval na obra A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal realizam uma importante investigação sobre o que denominam de ‘sujeitos de um novo tipo’, mais afeitos à competitividade, ao risco e à busca da eficácia. Segundo os autores, “o efeito procurado pelas novas práticas de fabricação e gestão do novo sujeito é fazer com que o indivíduo trabalhe para a empresa como se trabalhasse para si mesmo (governo de si empresarial)”, ou seja, a racionalidade neoliberal estaria produzindo sujeitos preocupados com a maximização de seus resultados, expondo-se a riscos e assumindo inteiramente a responsabilidade por eventuais fracassos.
O discurso gerencial ganha tal dimensão que este ‘novo sujeito’ é visto como proprietário de capital humano, que ele precisa acumular por meio de um cálculo responsável entre custos e benefícios. Em outras palavras, a distribuição dos recursos econômicos e das posições sociais é vista exclusivamente como consequência de percursos bem ou mal sucedidos, diferenciando os riscófilos (os que têm gosto pelo risco e potenciais empreendedores) dos riscófobos (os que têm medo de arriscar, mais afeitos aos ofícios tradicionais). Os ‘gestores do risco’ seriam mais adaptáveis e suscetíveis à intensificação do desempenho. Não por acaso a figura do coaching é tão difundida nos dias de hoje, como apontam os cientistas sociais: “Foi esse modelo mais do que o discurso econômico sobre a competitividade que permitiu naturalizar esse dever do bom desempenho e difundir nas massas certa normatividade centrada na concorrência generalizada”.
Em síntese, a obra nos faz refletir sobre o significado da neogestão, calcada no controle dos comportamentos e atitudes dos trabalhadores, que diante do enfraquecimento dos coletivos de trabalho, isolam-se e internalizam fracassos. Tal discurso da ‘realização de si mesmo’ e de ‘sucesso na vida’ leva a uma estigmatização dos ‘perdedores’, ‘perdidos’, isto é, dos incapazes de se adaptarem à nova norma social de felicidade. O fracasso social é visto, em última instância, como uma patologia. Concluem os autores que parece ser inútil lamentar a crise das instituições (família, escola, organizações sindicais) e tentar compreender como todas essas instituições são hoje incorporadas e transformadas em dispositivos de desempenho/eficácia em nome da modernização.  Ou ainda, “oscilando entre depressão e perversão, o neosujeito é condenado a ser duplo: mestre em desempenhos admiráveis e objeto descartável”.


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