segunda-feira, 23 de julho de 2007

O legado do carlismo


Por Jéferson Dantas


O desaparecimento de Antônio Carlos Magalhães da cena política brasileira, depois de mais de cinco décadas imiscuído no aparato estatal e controlando com mão-de-ferro seus interesses particulares na Bahia, pôs fim a um núcleo geracional de políticos truculentos. Magalhães sempre foi o colaborador de primeira hora dos governos militares e nunca titubeou em pulverizar desafetos, mesmo os que, em primeira instância, configuravam-se como aliados. Todavia, o carlismo não foi e nem será o último fenômeno histórico bem acabado do clientelismo e do coronelismo no território nacional. Há muitos "caciques" bem vivos e tão nocivos quanto "toninho malvadeza".


O discurso cuidadoso sobre a morte de Magalhães, beirando à fleuma, de políticos historicamente oposicionistas e que hoje estão no poder, revelam bem o tom asséptico de como se dão as relações palacianas com os antigos colaboradores da ditadura militar. Há, de fato, um mal-estar em comentar sobre a trajetória de atropelos autoritários de Magalhães. Para muitos um alívio! A sombra de Magalhães incomodava muitos deputados e senadores, tantas vezes desqualificados pelo "painho".


A maior herança do carlismo está alicerçada no legado colonial do Brasil. Público e privado sempre se confundiam. Em troca, o coronelismo carlista prestava importantes serviços aos generais-presidentes durante os anos de chumbo no país, silenciando a liberdade de imprensa em todo o estado da Bahia. Paradoxalmente, Magalhães teve admiradores na própria classe artística baiana, sendo o caso mais proeminente o da cantora Gal Costa. Odiado e amado. Assim, Magalhães adentrou o século XXI. Um pouco mais combalido é bem verdade. Cardiopata, quedou num quarto de hospital. Seus herdeiros tentam se desvincular da imagem truculenta do 'painho', afinal, há outras formas de se estabelecer o consenso popular. Mas, não há como negar a sua importância. Magalhães continuará sendo o modelo mais bem definido de tudo que deve ser condenado e extirpado da sociedade política nacional.


sábado, 14 de julho de 2007

Lutas incorporadas

O fatalismo e destinos traçados são um engano! Aprendemos mais quando conseguimos incorporar as nossas lutas cotidianas ao exercício laboral. A experiência coletiva nunca deve ser abandonada ou subestimada. Quando Marx dizia que o "professor precisava ser educado" ou quando Gramsci afirmava que "todo professor é aluno e todo aluno é professor", estavam na realidade defendendo a tese de que 'ninguém ensina ninguém'; a educação não é uma via de mão única; pressupõe trocas, desejos, vontades, projetos, utopias... Desplugados do que é essencial em sua existência, homens e mulheres passam a desconhecer a capacidade coletiva de mudar os rumos da sociedade capitalista. A alienação mediada pelo Estado e por grandes grupos midiáticos amortecem nossas percepções objetivas. Amorfinados, rumamos...pra onde?
Incorporar a luta coletiva, aproximando-nos dos movimentos sociais, exercendo plenamente a coorperação mútua e desmontando a lógica do capital e a opção de classes do Estado, são ações permanentes. Do contrário, o vazio e o sentimento de culpa acabam sendo incorporados de tal forma, que passamos a internalizar valores artificiais, desejos superficiais, em síntese, as relações sociais e de produção tornam-se meramente fetichizadas.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A vez dos "carentes" (?) na UFSC

Esta foi a manchete do tablóide do grupo RBS (A Hora de Santa Catarina) após a aprovação das cotas sociais na UFSC. Denota, em grande medida, o pensamento da classe média que, agora '"forçosamente", terá de conviver com os excluídos sociais.
A expressão "carentes" foi de uma infelicidade tamanha. Além de ser um periódico sensacionalista, voltado ao leitor despreocupado com o aprofundamento das notícias ou dos acontecimentos sócio-históricos, o tablóide procura dar um tom de chacota a um tema tão sério e caro aos afrodescendentes deste país. A vulgaridade e a superficialidade com que o tema é tratado retrata bem a opção classista deste conglomerado midiático.
A 'carência' não é uma escolha. Trata-se de uma sociedade controlada pela lógica do capital e pela produtividade sem limites, onde a alienação se torna cada vez mais contundente. Exige-se, pois , mais responsabilidade desta imprensa de intrigas, que entende o sujeito coletivo como ignaro e incapaz de compreender a sua dinâmica manipuladora. Os 'carentes' devem ter escolhas como qualquer outro cidadão. Que saibamos, pois, conviver com as diferenças sociais desta nação.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Entre fados e insônias


É quando a noite chega e eu me afasto de tudo que me enoja, que vislumbro o contorno de teu corpo, num local em que nunca estive. E são noites de arrepio e desejo; e sinto que tudo isso é muito caro pra mim. Foram anos de cultura cristã a crispar meu corpo e me infernizar com o mea culpa. Mas, eis que tu surges, assim, sem nenhuma exigência. E queres apenas o colo, o carinho nos cabelos e o beijo eterno de lábios.


Nem a secura dos olhos pouco serenos te acuaram. E esperaste até o último momento. E carregavas frutas frescas em tua própria roupa orvalhada. E assim caminhamos pelas veredas arborizadas e não tínhamos mais pressa. E a completude era tamanha que poderíamos ali mesmo abandonar o mundo.


E foi o que fizemos.

Quem sabe amanhã...


Quem sabe amanhã eu aprenda a dançar... quem sabe amanhã eu decida escrever o meu livro de romances e deixe de fumar... quem sabe amanhã eu tenha tanta energia e disposição para pedir demissão daquele emprego que me consome as forças e me corrói a alma criadora... quem sabe?


Quem sabe eu deixe de mentir e me lamentar. Quem sabe eu aprenda a tocar um instrumento musical e me dedique à boemia sem remorsos! Quem sabe eu deixe de ser generoso e tolo e abandone, de fato, todos/as que me pedem favores e ganham seus louros às minhas custas!


Quem sabe?


Quem sabe eu discuta sério com aqueles/as burocratas empedernidos que ocupam os espaços públicos como se estes lhe pertencessem e planeje alguma afronta de dimensões maiores?


Quem sabe consiga aprender uma nova canção. E possa ver pássaros multicores na outra estação e reencontrar a poesia dos anos passados.


Quem sabe o mendigo é mais pleno do que eu. E lembro de uma canção de Buarque: "Nós gatos já nascemos pobres, porém, já nascemos livres!"


Quem sabe amanhã eu também me liberte?


Quem sabe?

O que importa?


O que importa agora se teus olhos cabisbaixos não respondem ao singelo apelo de um chamado; o que importa agora que eu saiba de teus secretos planos trancafiados, exigindo desculpas veladas; o que importa os anos modorrentos debaixo de tantas culpas e desenganos, como se uma força externa, mágica e estranha, pudesse te salvar?


O que importa se estás surda para me ouvires na escuridão do quarto; se ontem ainda choravas quieta e dizias palavras ininteligíveis e rias por dentro como quem faz uma molecagem atroz; o que importa o acinzentado de teus olhos mais distantes e mais opacos nos invernos do sul;


Eu posso te dizer agora que pouco importa a tua fúria e o teu desejo. Porque teu corpo e languidez foram apenas lampejos! Porque a muralha de teu corpo é um flagelo do qual não me amena e tampouco me absorve.


E eram escadarias tuas argumentações de boteco. Um jorro de pura e transbordante fluidez de passos nas nuvens. Nefelibata como te intitulavas, como se isso pudesse resolver tua cólera e o pouco sorriso. Economizavas até nisso.


E agora queres saber por que não te procuro? Por que deixei de escrever ou telefonar? Por que abandonei meu estado de miséria? Por que passei a valorizar minha existência? Pois bem, frágil aurora, vá procurar o que está distante e envolto em névoas. Eu estarei tranqüilo, passeando com meus pedregulhos de escritos e apostando em algo superior ao que definiste como inexorável.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

As cotas e a dívida social brasileira




Por Jéferson Dantas


As manifestações ocorridas recentemente em Porto Alegre contra o sistema de cotas para estudantes egressos das escolas públicas e afrodescendentes continuam acirrando os ânimos nas universidades públicas brasileiras. Tal medida desagrada em grande parte os/as estudantes que podem fazer cursinhos pré-vestibular e que já estão inseridos/as na lógica perversa da seletividade meritocrática. Até aqui, nenhuma novidade. Entretanto, a permanência do preconceito racial neste país é digno de nota. Os que são contrários/as às cotas preferem discutir a melhoria da educação básica pública brasileira o que, teoricamente, colocaria em pé de igualdade aqueles/as que podem realizar seus estudos em boas escolas privadas e os/as que não têm acesso a este tipo de ensino. Em outras palavras, joga-se para as calendas gregas uma discussão de cunho histórico, fruto da mais rasa e perniciosa permanência da exclusão social.




Se levarmos em conta os/as estudantes afrodescendentes que conseguem terminar os estudos no ensino médio em relação aos/às estudantes brancos, já teremos uma boa medida da discrepância de escolarização em nosso país. Apenas para citar um exemplo, em Florianópolis crianças e jovens em situação de risco são em sua maioria afrodescendentes. São as que abandonam os estudos ainda no ensino fundamental, ou porque precisam trabalhar (de forma precária) mais cedo ou porque a própria escola reforçou de maneira naturalizada a 'incompetência' destes jovens para os estudos. A violência estrutural atinge de forma muito mais cruel e nefasta os/as afrodescendentes. São os que têm os piores índices de escolaridade e, em conseqüência, de empregabilidade.




Ao tratar desiguais como iguais somos presas fáceis das contradições. Não olhamos para o passado como substância dialética em relação ao presente. Nesta direção, a preocupação se volta a uma competitividade desenfreada, movida a contrapelo pela lógica do capital. Certas coletividades desejam o fim da violência sem se darem conta de que a mesma é fomentada dia após dia pela ausência de trabalho formal e a intensa concentração de renda. A mentalidade "pequeno-burguesa", distante de qualquer solidariedade, alimenta a individuação exacerbada e o descaso com as questões de fundo histórico. Logo, discutir as cotas sociais/étnicas nas universidades públicas vai além dos discursos inflamados dos prós e contras. Ela está alicerçada na denúncia de que somos incapazes de assumirmos os nossos próprios preconceitos.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

A miséria da (in)formação



Por Jéferson Dantas


O conjunto de informações que recebemos atualmente dos mais diversos veículos de comunicação, modificou, sobremaneira, as nossas concepções de mundo e, principalmente, nossa percepção objetiva sobre os principais acontecimentos políticos, sociais e econômicos. A mídia impressa de massa – com raríssimas exceções –, brinda-nos com manchetes sensacionalistas e desprovidas de aguçada reflexão crítica dos fatos. Aliás, faz muito tempo que o jornalismo investigativo tem dado espaço para o roteiro de intrigas e fofocas, típico dos tablóides medíocres.



Nesta direção, é razoável, pois, considerar, nos dias de hoje, que tipo de informação precisamos selecionar. O consumo da mercadoria cultural funciona da mesma maneira que outras mercadorias, porém, seus efeitos nocivos se alastram pelas conversas de esquina, ganhando mesmo os territórios educativos. O monopólio de uma determinada indústria da informação corrobora para a hegemonia de um único grupo social, relegando às classes populares os noticiários infames, desprovidos de história e/ou dialética. Os movimentos sociais são criminalizados abertamente por este tipo de mídia, funcionando como reguladores das tensões envolvendo a sociedade civil e a sociedade política.



A miséria da informação está, inevitavelmente, globalizada. O que se pode reter ou internalizar de fragmentos paupérrimos provenientes desta mídia? Por que temos de aceitar este tipo de informação? Quais são os prejuízos conceituais e analíticos dos grandes monopólios midiáticos? Repensar os círculos de leitura nas escolas formais e nos espaços educativos não-formais e a elaboração de materiais informativos que fujam dessa lógica da indústria da informação, já é uma realidade presente, principalmente nos ambientes virtuais. Romper com tal lógica, porém, não é tão simples assim. Implicaria numa mudança profunda na concessão de emissoras de rádio/tevê, que beneficiam claramente elites políticas aninhadas em seus territórios de influência. Logo, a informação também é um instrumento de litígio. Nas mãos erradas, sustentam a hegemonia sem qualquer avaliação e sem nenhum pudor.


domingo, 3 de junho de 2007

É possível transgredir nos limites da lei?




Por Jéferson Dantas


Em sua última edição a revista Isto É trouxe uma entrevista com o deputado federal Fernando Gabeira (PV/RJ), tendo como eixo temático as manifestações estudantis em São Paulo e a invasão da hidrelétrica de Tucuruí, no estado do Pará. Em tom ameno e bastante pragmático, Gabeira (ex-guerrilheiro durante o período da ditadura militar) defende o Estado de Direito e a resolução de tais impasses em fórum jurídico. Em outras palavras, o deputado reconhece a soberania da lógica do capital e a ausência de autoridade do Estado para a resolução das lutas corporativistas. Nas entrelinhas, há uma compreensão explícita de que os modelos de embate promovidos pelos sindicatos e movimentos sociais no Brasil caminham em descompasso com um país liberal e democrático.

Desse modo, pensar no Estado de Direito num país como o Brasil é um enorme quebra-cabeças. O aparato jurídico além de moroso precisaria ser refundado com os demais poderes. Ainda que Gabeira tenha renegado em parte seu passado e a construção do socialismo, países como o Brasil ainda são bastante influenciados pelo passado colonial, sendo o Congresso nacional o palco privilegiado do clientelismo e da corrupção endêmica. Como legalista, Gabeira se esquece de que mudanças sociais profundas só podem acontecer no litígio entre a sociedade civil e a sociedade política. As relações de poder são extremamente desiguais no Brasil. Soma-se a isso a despolitização de grande parcela da população, descrente em seus representantes e tomada de um ceticismo perigoso.

Assim, há duas ações que trafegam em desnível: a transgressão e a obediência às leis. E deve-se entender, antes de tudo, que transgredir no Brasil não é simplesmente ‘desobedecer as leis instituídas’. Ela se refere a uma mobilização social constante, que inclusive revela os limites do aparato jurídico burguês ou as suas contradições. Desobediência civil nem sempre significa ‘baderna’, ‘arruaça’. É um sintoma relevante de uma nação ainda em construção, que não consolidou o ‘Estado democrático de direito’ e que está longe de solucionar suas mazelas sociais.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Nepotismo e outras excrescências


Por Jéferson Dantas



Muitos meses se passaram até que o prefeito de São José, Santa Catarina, acatasse a decisão do Ministério Público e demitisse parentes ligados à sua gestão. O município campeão em nepotismo no estado, enfim, obriga-se a respeitar a lei. Para uma cidade que cresceu populacionalmente nos últimos anos e que teve sua área industrial ampliada de forma significativa, não é possível aceitar tamanho descalabro com o dinheiro público. A ausência de concursos para o preenchimento de cargos em todos os setores da vida pública da cidade também são dignos de nota. Ainda que ocorram os concursos, são passíveis de fraudes ou desconfianças para garantirem os cargos de quem já exerce alguma função indicada na prefeitura. É a política do toma-lá-da-cá.

Exemplos como o relatado acima ocorre em muitas cidades interioranas, acostumadas ao clientelismo raso, propinas, favoritismos, etc. O senador Antonio Carlos Magalhães afirmou em recente entrevista que uma ‘propininha’ de R$ 20 mil não é corrupção. Afinal, nossos estimados representantes no Congresso Nacional trabalham com números mais polpudos. Tal lógica nefasta e incrustada no aparato estatal brasileiro é endêmico, ganhando ares de uma epidemia ou pandemia. Há a certeza da impunidade e os cofres públicos são sangrados à revelia da população.

Se para uma cidade de porte médio como São José, que tem em seu portal de entrada “Bem-vindos à cidade do século XXI” (e seria melhor dizer séculos XVIII ou XIX) a máquina pública é compreendida como território de uns poucos, portanto, privatizada, o que dizer dos mais de cinco mil municípios que existem neste país? Como tem se gerenciado a ‘coisa pública’? Como se dão as relações de compadrio? Tais excrescências precisam ser extirpadas, ampliando-se os fóruns decisórios e a própria idéia de democracia participativa. E isto significa pressionar, sistematicamente, os(as) que acreditam donos do que é produzido, socialmente.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Operação Moeda Verde: a privatização do público



Por Jéferson Dantas


A Operação Moeda Verde em Florianópolis - ação conjunta da Polícia Federal e do Ministério Público - revelou claramente a fragilidade da democracia representativa e os interesses privatistas que estão em jogo em diversos setores públicos que deveriam zelar pelo patrimônio ambiental. A concupiscência do legislativo municipal associado a uma política predatória que vem se agravando nos últimos anos na Ilha de Santa Catarina, responsabiliza e exige explicações também de seu executivo. Afinal, quem nomeia secretários e aliados políticos? A população florianopolitana desconhece ou ignora aqueles(as) que a representa, até porque diante do aparato burocrático estatal, dificilmente se sabe quem são os apadrinhados beneficiados pelas mãos caridosas do Estado.


As relações de poder no espaço público ainda são construídas pela prática colonial do favoritismo e o clientelismo, além da concussão de seus funcionários, sem nenhuma prestação de contas para o povo. O espaço público parece uma abstração: em benefício próprio tudo é permitido! A apropriação indevida, propina, presentinhos de luxo, boa comida em restaurantes caros, destruição do meio ambiente, empreendimentos milionários, segregação e exclusão dos que não podem consumir. A democracia brasileira é uma pilhéria das quais todos fazemos parte. Gargalhamos sarcasticamente das sessões ordinárias no plenário municipal, quando na realidade deveríamos avaliar seriamente esta tragicomédia de erros em que se transformou o circo da política partidária.


Todavia, para o senso comum, acostumado à impunidade histórica neste país, responsabilizar os criminosos que passeiam pela câmara de vereadores, resorts ou templos de consumo, ainda é algo inimaginável. O que deve ficar claro, entretanto, é que tal operação despertou a sociedade civil de uma sonambulia acachapante. As próximas eleições municipais serão um termômetro decisivo do quanto as atuais e anteriores gestões políticas do executivo/legislativo municipal se refletiram na opinião pública. Ainda que saibamos os limites da democracia representativa, os movimentos sociais e lideranças comunitárias em Florianópolis precisam estar mais do que nunca organizadas e atentas aos deslizes dos(as) que se julgam acima de qualquer Lei.

domingo, 29 de abril de 2007

Bento XVI e o ranço medieval




Por Jéferson Dantas


A visita do papa Bento XVI ao Brasil é uma tentativa de consolidar o espaço perdido do catolicismo na América Latina nas últimas décadas. Com uma organização apoteótica, própria dos grandes espetáculos, Joseph Ratzinger (o verdadeiro nome do papa) se apresenta em suas muitas visitas internacionais como o paladino mais fervoroso do conservadorismo religioso mundial, seguindo à risca os passos de seu antecessor, João Paulo II. Ligado à juventude hitlerista na década de 1940, Ratzinger pertenceu por mais de duas décadas à Congregação para a Doutrina da Fé que, historicamente, vinculava-se ao Tribunal da Santa Inquisição. Foi Ratzinger que impôs ao teólogo e ex-frade brasileiro Leonardo Boff, o silêncio obsequioso, devido à sua relação com a Teologia da Libertação.



Tratar de questões religiosas num país de forte matriz católica como é o caso do Brasil, não é uma tarefa fácil. Diria até que é inglória. Joseph Ratzinger e o seu séqüito de cardeais, tendo como cenário o Vaticano, é uma continuidade anacrônica de um mundo medievalizado, quando a Igreja Católica detinha forte influência política, econômica e espiritual. Deixar de apontar os inúmeros crimes em nome da fé realizados pelas missões jesuíticas na América, acompanhados da política da cruz e da espada dos saqueadores europeus, devem ser (re) lembrados em momentos como este da visita de Bento XVI. O que dizer, por exemplo, da conivência da ala conservadora do catolicismo nacional durante a Ditadura Militar (1964-1985)?



Além dos aspectos supracitados, temas polêmicos como AIDS, utilização de preservativos, aborto, são tratados por Ratzinger de forma desumanizada. Naquilo que é mais terreno e próprio dos embates sociais, o papa procura omitir ou renegar à esfera do divino, desprezando a historicidade da própria instituição que defende. Penso ainda ser uma grave ofensa às demais religiões praticadas no Brasil, a forma como a mídia de massa ressalta o catolicismo, esmagando o sincretismo espiritual de um país particularmente pluralista. Logo, devemos compreender no terreno da História que a mistificação religiosa tem diversos reveses e que são construídas por seres humanos. O deslumbramento diante do paramento medieval oculta segregações, preconceitos, opções políticas equivocadas e cegueira coletiva.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

A miséria da pós-modernidade



Jéferson Dantas


O pensamento pós-moderno já foi alvo de intensas críticas, principalmente dos teóricos marxistas. Em grande medida, tal crítica deve-se ao caráter caricatural que os pós-modernos imprimem em suas análises, apoiados em “fontes filológicas, sem nenhuma significação teórica”, conforme expressões de Antonio Gramsci (1891-1937). Os pós-modernos podem se achar detratados, excomungados do panteão das ‘grandes teorias’, mas isto tem uma razão de ser.

No terreno educacional tal exame analítico se faz às invencionices verborrágicas dos chamados pós-críticos que, emaranhados em seus próprios arranjos conceituais, desprezam a própria realidade social. O excessivo relativismo, posicionamentos políticos pendulares e um profundo desapego ao conflito de classes, fazem dos pós-modernos as principais referências dos defensores da ética de mercado. Como se sabe – ou deveríamos saber – a expressão ‘ética de mercado’ já traz em seu âmago uma profunda contradição.

Todavia, se por um lado os pós-modernos ampliaram determinados conceitos e categorias de análise (diversidade, multiculturalismo, gênero, interculturalidade), ao mesmo tempo dissiparam a importância dos movimentos sociais e as suas respectivas experiências concretas. Ou seja: como ainda não superamos o modelo econômico capitalista e como a desigualdade social caminha a passos largos ao longo das últimas décadas, os pós-modernos se contentam com frases de efeito, o fragmento, práticas discursivas e o imediatismo/presentismo, num mundo cada vez mais convulsionado. Acredito que ao relativizarmos excessivamente os conflitos sociais, caímos na armadilha da impotência coletiva. Entre o desespero de uma esquerda pouco aguerrida e o niilismo dos que advogam o cinismo e a indiferença, resta-nos buscar na realidade histórica dialética a compreensão dos fenômenos sociais, problematizando evidências orais/escritas e admitindo nossas próprias contradições.

sábado, 14 de abril de 2007

Paulo Bauer na berlinda



Jéferson Dantas


O secretário estadual de educação, Paulo Bauer, foi hostilizado na maior unidade de ensino de Santa Catarina: o Instituto Estadual de Educação (IEE). Em grande medida, tal situação ocorreu pelo fato do secretário não respeitar um processo democrático envolvendo as comunidades escolar e local. A prepotência de Bauer, que num passado não muito distante, desqualificou os educadores catarinenses alcunhando-os de “baderneiros”, encontra agora um novo episódio neste território de correlação de forças entre a sociedade política e a sociedade civil, ou seja: o embate com o Fórum do Maciço do Morro da Cruz (FMMC).

O FMMC passou a se organizar politicamente em meados de 2000, reunindo lideranças comunitárias dos morros e encostas de Florianópolis e trabalhadores em educação de dez escolas públicas estaduais e quatro centros de educação infantil mantidos pelo Estado. O público escolar é constituído principalmente por crianças e jovens em situação de risco social, portanto, a existência do FMMC como movimento social de base tem procurado investigar as demandas sócio-educativas destes estudantes com a construção de currículos diferenciados e uma formação continuada que privilegie as reivindicações pedagógicas dos educadores. Nesta direção, o FMMC não é tão-somente um “amontoado” de escolas que estão brincando de fazer “revolução”, como enfatizou o assessor direto do secretário estadual de educação. Reconhecer que há, de fato, um movimento social em Florianópolis e que a contra-hegemonia está no campo das contradições da lógica do capital, parece-me pertinente neste conflito que é próprio das opções políticas, relações de poder hierarquizadas e arranjos ideológicos diferenciados.

Por fim, ainda que a Gerência Regional de Educação (GEREI) e a Secretaria de Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis (SDR) tenham sinalizado a nomeação dos diretores eleitos diretamente nas escolas do FMMC, Bauer tem emperrado o processo numa demonstração antidemocrática e que poderá, inclusive, desgastá-lo politicamente. A autonomia política e pedagógica nas escolas públicas deve ser exercitada pelas comunidades escolar e local como algo permanente, pois esta é uma das condições da plena cidadania. Cabe ao secretário estadual de educação repensar a forma como dialogará com o FMMC e com a organização sindical da classe docente nos próximos dias.
OBS: Os créditos da foto são do fotógrafo Jaime Tavares do Jornal A Notícia, Joinville/SC.


domingo, 8 de abril de 2007

Organizar-se é preciso!



Jéferson Dantas


As relações humanas estão cada vez mais embrutecidas, coisificadas. O corre-corre das grandes cidades, com seus milhões de automóveis poluentes, a individuação martirizante que promove todo tipo de adoecimento orgânico ou psíquico está na ordem do dia. A produtividade pela produtividade, a ansiedade coletiva que leva ao cansaço e ao sentimento de fracasso... Todos estes elementos estão inextricavelmente relacionados ao modelo econômico capitalista. Nesta direção, desacelerar é extremamente necessário, pois representa a salvaguarda de uma existência mais sadia, equilibrada emocionalmente e potencializadora de novos projetos sociais.
No outro extremo das implicações da sociedade capitalista temos a exclusão de vários segmentos sociais, a violência estrutural, a criminalização dos movimentos coletivos, o Estado paralelo com suas milícias de crianças e jovens que deveriam estar na escola. Tudo corrói. Condenamos a farra do boi como violência ambiental, mas milhares de crianças abandonadas nas ruas dos grandes centros urbanos não são considerados crimes de Estado. As contradições da lógica do capital assumem seu lado mais cruel quando nos deparamos com as armadilhas de sua própria arquitetura da competitividade, das humilhações sistemáticas de dirigentes de empresas ou dos ‘chefes’ das repartições públicas com todo o seu aparato hierárquico e burocratizante.
O modelo capitalista reinante para ser superado exige uma compreensão coletiva histórica de suas conseqüências para o futuro do planeta. Isto significa dizer que a sociedade civil teria de se organizar numa esfera contrapública, isto é, como as esferas públicas não dão conta das demandas coletivas, as organizações populares assumiriam as ações transformadoras da produção social e, consequentemente, redefiniriam o processo democrático em bases mais radicais. Para tanto, torna-se urgente que as lideranças comunitárias apropriem-se de sua historicidade, que estabeleçam suas próprias condições de convivência e laços de solidariedade, buscando a construção da contra-hegemonia possível.

quarta-feira, 28 de março de 2007

O Mito de Procusto


Jéferson Dantas


A visão politicamente correta ou os ajustamentos teóricos compatíveis com explicações abrangentes ou instrumentais têm reduzido a capacidade do sujeito coletivo em problematizar questões naturalizadas, socialmente. Na mitologia grega, Procusto convidava incautos para passar a noite em sua casa e repousar em sua cama de ferro; porém, caso o(a) visitante não tivesse as medições adequadas para cama, o(a) mesmo(a) era esticado(a) ou tinha suas pernas serradas. O mesmo tem ocorrido com o poder de discernimento dos seres humanos. Quando temos nossa capacidade reflexiva decepada ou achatada, reproduzindo dados descontextualizados, não conseguimos exercer efetivamente o nosso ‘ livre pensar’.

Nesta direção, quantas potencialidades humanas já foram jogadas no ralo? Quantos homens e mulheres rotulados como irrecuperáveis ou desajustados sociais tiveram suas existências ceifadas pela exclusão virulenta? Quando não expressamos nossos sentimentos ou quando não conseguimos argumentar qualquer situação que nos afeta, tornamo-nos servos obedientes da ‘lógica do capital’, representada no consumo desenfreado e frenético. A participação dos indivíduos na sociedade se reduz ao quanto ele pode adquirir e não o quanto ele é essencial na construção das políticas públicas.

A estupidez humana, a ignorância sistemática e um profundo mal-estar que nos abala neste início de milênio, apenas confirma que o ‘presentismo’, o ‘aqui e agora’, seqüestraram nossas identidades coletivas sem nenhum ressentimento. Enquadrar-se na lógica do capital é aceitar que nenhuma outra construção social é possível. Que podemos continuar despejando toneladas de lixo tóxico nos mares e rios do planeta, porque estamos certos da impunidade. Não quero que estiquem ou amputem as minhas pernas. Quero poder me movimentar livremente pela turba e ter autonomia para pensar diferente. É pedir demais?


sexta-feira, 16 de março de 2007

A criança e a educação ambiental



Por Jéferson Dantas


O referencial curricular nacional para a Educação Infantil elaborado pelo Ministério da Educação em 1998 traz inúmeras orientações didáticas para os(as) educadores(as) que lidam com crianças na faixa etária entre 0 e 6 anos. Recentemente, foi aprovada uma nova Lei que determina que as crianças passem a cursar a 1ª. Série do Ensino Fundamental aos seis anos de idade, o que tem reconfigurado a própria estrutura da educação infantil em todo o país. Em linhas gerais, o referencial curricular propõe uma série de atividades de investigação, socialização e de manifestações lúdicas que as instituições de educação infantil precisam oferecer para as crianças, alicerçado sempre nos contextos sociais onde as mesmas vivem. Apesar do seu alto teor propositivo, o referencial curricular traz importantes indicações metodológicas aos profissionais da educação infantil, principalmente no que concerne às interfaces entre o ‘mundo da criança’, a sociedade e a natureza.



Embora tenha se transformado num lema surrado, afirmar que as crianças representam o futuro da humanidade nos dias de hoje, torna-se cada vez mais relevante, essencial. A consciência ambiental que as gerações anteriores não tiveram e que tem ocasionado uma série de desastres ecológicos no mundo inteiro chegou a um patamar intolerável. Mais de um bilhão de pessoas no mundo já não têm acesso à água potável. O desmatamento indiscriminado passa ao largo da inoperância das autoridades públicas. Alertas de organizações não-governamentais como o Greenpeace há muito apontam o desaparecimento de várias espécies marinhas e terrestres. Neste ritmo, o ser humano será o próximo a entrar em extinção. Mas, antes, sofrerá os efeitos lancinantes dos verões intermináveis, da falta de água e comida, da ausência de coleta de lixo tóxico e do tratamento inadequado dos dejetos que escorrem pelos canais de esgoto, poluindo rios e mares. Não é uma visão apocalíptica. É o resultado do desrespeito que temos com a preservação de nossa própria espécie.



As crianças são muito afeitas às questões que envolvem a destruição da natureza. Entretanto, muitas delas vivem em contextos sociais onde a coleta do lixo, água encanada e o tratamento do esgoto ainda é um sonho. Por outro lado, as instituições de educação infantil em Santa Catarina e no Brasil como um todo não consegue atender a demanda desse público escolar e, em variados casos ou situações peculiares, creches e centros de educação infantil se transformam em verdadeiros depósitos de crianças, perdendo o seu valor educativo/formacional. Repensar o modelo de educação infantil no Brasil e, consequentemente, valorizar e formar profissionais capacitados para esse nível de formação, além de imprescindível e urgente, seria uma conquista formidável para um país com milhares de crianças fora da escola.


A violência na escola




Por Jéferson Dantas


A violência na escola quando ganha as páginas dos periódicos tem, em linhas gerais, apenas uma face: ora expõe os educadores como autoritários e punitivos, ora expõe os estudantes como verdadeiros criminosos ou delinqüentes. Quando não se procura compreender a violência estrutural, marcada sobremaneira pelo modelo econômico adotado no mundo, não é possível analisar a contento a cultura escolar e, principalmente, os mecanismos de exclusão, humilhação e enfrentamento no universo educativo. Tanto educadores como estudantes estão em contextos de violência física ou simbólica. Afinal, péssimas condições de trabalho, cargas horárias desumanas, salários aviltantes não é uma violência? Além disso, há de se acrescentar que a organização escolar calcada nos moldes tradicionais, baseada em avaliações certificativas e no monismo pedagógico, dificilmente consegue atrair a atenção do público escolar, principalmente àquele que necessita de mais atenção e de práticas pedagógicas diferenciadas no processo de alfabetização e internalização do conhecimento.

Recentemente, a UNESCO produziu um relatório sobre a educação na América Latina afirmando que a escola ‘produz violência’. Não há aí uma inversão dos termos? Será que a escola representa um mundo social à parte? Ela não sofre os efeitos da desigualdade social, do desemprego, da fome? Os sistemas de ensino não fazem qualquer interferência na autonomia pedagógica das escolas? Ora, os educadores são seres de carne e osso e muitas vezes encontram-se no seu limite físico e psíquico; da mesma maneira, os estudantes são provenientes de diferentes contextos sociais e não podem ser avaliados e formados homogeneamente. Evidente que a escola pode reforçar a violência estrutural através de seus aparatos normativos, logo, é necessário repensar seu currículo, como o conhecimento está organizado, partilhar diferentes práticas pedagógicas com os pais, educadores e estudantes e reavaliar o que está proposto no projeto político-pedagógico de cada unidade de ensino. Quando educadores, pais e estudantes sentem-se pertencentes à escola, a violência diminui sensivelmente.

Nessa direção, é bastante preocupante tratar a violência escolar como simplesmente um caso de polícia. Mas, se tivermos a sensatez de compreender a violência como um fenômeno histórico e que as escolas também são construções sócio-históricas, sofrendo os dilemas e/ou desafios de seu tempo, teremos condições de avaliar este lugar social a partir de um outro enfoque. Determinismos históricos, afirmações categóricas e irresponsáveis ou a mera desqualificação dos educadores, estes sim são fomentadores de violência.

terça-feira, 6 de março de 2007

A formação dos educadores


A importância da travessia na formação dos educadores

Por Jéferson Dantas


A formação de futuros educadores é um dos principais desafios em Santa Catarina e no Brasil como um todo. As demandas do mundo contemporâneo exigem dos (as) educadores (as) mais do que uma formação instrumental, razão pelas quais milhares de estudantes da Educação Básica encontram-se cada vez mais despolitizados e alheios ao modelo econômico vigente. As lacunas da formação inicial nas universidades não são os únicos entraves, já que as próprias instituições educacionais necessitam repensar os seus currículos e o processo de democratização de suas instâncias de deliberação coletiva (Associação de Pais e Professores, Grêmios estudantis e Conselhos Deliberativos).


Para o educador estadunidense Henry A. Giroux a racionalidade instrumental na formação inicial tem ‘treinado’ os educadores para obedecerem a pacotes curriculares oficiais das quais não opinaram ou não construíram coletivamente. Embora esta seja uma realidade dos Estados Unidos, no Brasil as políticas públicas educacionais têm seguido esta mesma corrente há alguns anos. A lógica institucional neo-tecnicista é preocupante, já que desvaloriza ou desqualifica a função social mediadora do (a) educador (a), tornando-o um mero repassador de conteúdos disciplinares descontextualizados. A politização dos (as) educadores (as) ao perder seu lugar para a mera instrução, empobrece o caráter epistemológico das diferentes áreas do conhecimento, sedimentando práticas pedagógicas desideologizadas e sensíveis à escamoteação do que efetivamente precisaria ser ensinado nos bancos escolares.


A travessia dos (as) educadores (as) em sua formação inicial/continuada é bastante árdua, tendo em vista as precárias condições de trabalho e uma carga horária muitas vezes desumana na Educação Básica. Um (a) educador (a) que lê pouco, que não freqüenta espaços culturais diferenciados e não reivindica sua autoria na construção de seu projeto existencial, dificilmente superará sua condição de subalternidade. A luta permanente da classe docente na valorização de seu ofício é o caminho possível para a mudança desse panorama. Caso contrário, continuar-se-á formando crianças e jovens menos solidários (as), insensíveis à violência estrutural e indiferentes à banalização da sociedade de consumo, cada dia mais individualizada e a mercê da manipulação da indústria cultural.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

A Síndrome de Burnout


A Síndrome de Desistência do Educador e a necessidade do reencantamento nos limites do fazer pedagógico

Prof. Jéferson Dantas

1. Considerações Iniciais:


A priori, poderíamos dizer que a Síndrome de Desistência do educador ou Síndrome de Burnout é um sintoma bastante presente na vida de qualquer trabalhador em educação. Porém, nunca a sistematização e o aprofundamento desta síndrome foram tão importantes para compreendermos o porquê de este profissional estar perdendo o seu vigor no ambiente escolar, ou melhor, o porquê de estar tão desvitalizado e sem ânimo para continuar acreditando em seu ofício.


Primeiramente, deve-se perceber que esta síndrome é multidimensional, ou seja, carrega consigo pelo menos três elementos essenciais: A) Despersonalização; B) Exaustão emocional; C) Falta de envolvimento pessoal no trabalho. Logo, estes três elementos revelam uma situação em que os educadores percebem esgotada a sua energia e os “recursos emocionais próprios”, além de desenvolverem atitudes negativas e cínicas em relação aos educandos. O endurecimento afetivo dos educadores torna as relações no ambiente escolar coisificadas, afetando sua prática pedagógica cotidiana (CODO, 1999, p.238).


É bem verdade que há variados ingredientes estruturais coadunados que reforçam esta síndrome, que vão dos salários indignos até a ausência de suporte sócio-afetivo na Escola. Os problemas familiares e econômicos, também podem ser apontados como obstáculos na eficiência do(a) educador(a).


Os educadores, embora tenham controle sobre o seu trabalho (todas as etapas do processo de produção do conhecimento), sofrem psiquicamente quando não conseguem atingir os seus objetivos pedagógicos. Este sofrimento quando não encontra um restauro imediato, tende a internalizar no educador uma sensação constante de impotência diante das demandas estruturais e conjunturais em seu ambiente de trabalho. Não há alternativas mágicas para superar a síndrome, nem tampouco uma solução clínica que possa resolver os desequilíbrios somatizados pelo corpo ao longo de um ano letivo. Entretanto, podemos apontar alguns caminhos que possam promover a amenização da síndrome ou condicioná-la de uma forma que não atinja o estágio da estagnação total do (a) profissional.

2. Troca de Experiências Pedagógicas e culminância de projetos coletivos

Entendendo que a dimensão pedagógica e o ofício do educador como um todo, necessita ser constantemente repensado no ambiente de cada escola, assim como a identificação dos principais obstáculos no processo ensino-aprendizagem, ressaltamos a relevância de intercambiarmos práticas e saberes coletivos. Nós, educadores, de maneira geral, somos ruins de marketing. Não sabemos fazer propaganda de nossas aulas. Acreditamos na maioria das vezes que as tarefas que propomos aos nossos alunos são simplistas e desinteressantes. Ledo engano. Atualmente, as relações humanas encontram-se cada vez mais pulverizadas. Há pouco tempo para o diálogo, há pouco tempo para o sublime e a contemplação. Como nos ensina Paulo FREIRE, precisamos fugir do discurso fatalista dos governos neoliberais e acreditar numa força capaz de arregimentar uma “nova rebeldia (...) a ética universal do ser humano e não a do mercado, insensível a todo reclamo das gentes e apenas aberta à gulodice do lucro. É a ética da solidariedade humana” (2003 p. 129). Dizer isso é radicalizar o espírito dos educadores. Mostrar-lhes que os caminhos são áridos e depende de toda uma organização pessoal e material.
Os saberes e as práticas destes educadores quando culminam em projetos coletivos, desencadeiam uma catarse fantástica. O registro destas experiências pedagógicas, agrupadas em áreas disciplinares, é que dão visibilidade a estas práticas, seja através de oficinas ou seminários, possibilitando uma intervenção mais sistemática por parte dos educadores. Urge, pois, romper os grilhões que condicionam o saber escolarizado a um saber menor, sem validade científica.

2.1. Espaço de trabalho também é espaço de criação

Atender clientelas tão díspares, com perfis sociais tão diversificados exige dos trabalhadores em educação uma formação que vai além daquela recebida nos bancos de uma universidade (formação inicial). A formação continuada possibilita ao educador estar atento ao seu tempo, ser protagonista e ao mesmo tempo coadjuvante no momento das decisões coletivas, desenvolvendo capacidades para “novas formas de utilização dos saberes, com o rompimento das barreiras na divisão das áreas estritas de conhecimento e trabalho” (GATI, 1997, p. 95).


É natural que às novas exigências das transformações do mundo do trabalho, que coisificam as relações humanas a patamares semelhantes às da 1a. Revolução Industrial, os trabalhadores em educação sejam chamados a uma imensa responsabilidade: reduzir as fronteiras que separam os alfabetizados plenos dos alfabetizados funcionais. A leitura do mundo está exigindo muito mais do que decodificações precárias de textos impressos, de informações fragmentadas retiradas de um site da internet ou de uma manchete de um semanário. Soma-se a isto, a enorme leva dos analfabetos digitais, excluídos por não poderem acompanhar o avanço incessante da microeletrônica.


Diante disso, os educadores não podem se isolar. A criação é um processo muito rico, embutido nos planejamentos coletivos e em consonância com o PPP (Projeto Político Pedagógico) da unidade escolar. Um ambiente de trabalho criativo é um ambiente dotado de possibilidades pedagógicas. Mas, acima de tudo, é um ambiente onde os trabalhadores em educação se sentem à vontade para trocar idéias, onde impera a construção do conhecimento e a ludicidade necessárias para se promover um locus sadio de interatividade intelectual.

2.2. Trabalhadores em educação: domínio do conhecimento científico

Ter domínio de sua área de conhecimento parece ser algo óbvio quando nos referimos aos educadores. No entanto, não é o que tem ocorrido ultimamente. O domínio do território epistemológico por parte do educador é que o torna um diferencial na análise de um fenômeno físico-químico ou de um fenômeno social. Porém, seja pela defasagem da formação inicial e a ausência de uma formação continuada a contento, os educadores estão em grande medida aquém das necessidades exigidas pelo mercado típico de trabalho.


Logo, a postura profissional dos trabalhadores em educação necessita, efetivamente, ser de intervenção pedagógica constante. O enfrentamento, as atitudes afirmativas tomadas nos momentos de conflito, fazem com que os educadores se tornem peças fundamentais na construção do projeto pedagógico da Escola. Um educador feliz, apaixonado, que materializa suas utopias, consegue contagiar seus alunos. Isto só é possível quando a gestão na unidade escolar é democrática, quando todos os educadores, educandos, especialistas e funcionários agem de maneira uníssona, pois sabem que as instâncias de deliberação coletiva (Conselho Deliberativo, APP e Grêmio Estudantil) possuem legitimidade. Uma gestão autoritária, desplugada da realidade da comunidade escolar, tende a reforçar exclusões e o isolamento de seus sujeitos partícipes.


Tendo em mãos um planejamento estratégico, que possa diagnosticar com maior precisão as prioridades, metas e ações transformadoras no ambiente escolar, conduz os trabalhadores em educação a um processo de superação de práticas pedagógicas viciadas e desarticuladas com o PPP da unidade escolar. Entendemos que o desafio das gestões democráticas é o de motivar todos os seus profissionais num projeto coletivo sólido, que possa servir de referência para todos os educadores compromissados com o seu ofício social. As lideranças agregadoras devem ser identificadas no interior do universo escolar, objetivando a protagonização destes sujeitos potencialmente criativos em circunstâncias de desmobilização grupal.

3. Considerações Finais

Não podemos ser simplistas ou ingênuos a ponto de acreditar que o empenho dos educadores resolverá todas as demandas de uma Escola. Evidente que os educadores são os agentes diretos pelo maior ou menor avanço do processo ensino-aprendizagem de uma classe de educandos. Mas, o que fazer quando estes profissionais deixam de ter compromisso com a Escola? Quando começam a se ausentar sistematicamente e apresentar atestados médicos freqüentes? Quando sabotam os projetos coletivos e se posicionam como lideranças desagregadoras? Quando se orgulham em menosprezar a equipe pedagógica, acreditando que estão sempre certos e que só eles – professores- trabalham na Escola?


Os educadores sofrem, porque estão no atual momento histórico, sentindo-se desamparados. Desamparados pelo Estado, que não investe na sua formação continuada e não consegue estabelecer uma política salarial mais equânime; sofre, porque não é atendido pela unidade escolar no que tange aos recursos necessários para favorecer o processo ensino-aprendizagem; sofre, porque acredita que perdeu tempo no Magistério, porque viu seus ‘amigos’ se darem bem na vida, adquirindo bens materiais impensáveis para o seu padrão aquisitivo.


A Síndrome de Burnout, neste sentido, só poderá ser combatida de maneira orgânica. Atacar seus pontos fortes (despersonalização, exaustão emocional e falta de comprometimento) exigirá uma reorganização política da classe docente e um sentimento de pertença ao ambiente escolar.
Enfim, no epicentro de todos estes tensionamentos, a única saída para amenizar a síndrome, é compreender que a insatisfação do trabalho docente não pode ser desconectada de todas as demais instâncias deliberativas da Escola e das políticas públicas implantadas até o momento. O percurso é sinuoso, repleto de percalços e resistências. Mas pode ser menos doloroso psiquicamente se o trabalhador em educação puder ter momentos de discussão na escola, onde suas angústias possam ser canalizadas a partir de todo um dinamismo dialético histórico. A desistência sistemática dos professores, infelizmente, só agravará o quadro já caótico do ensino público no país.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CODO, Wanderley (Coordenador) Educação: carinho e trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes/ Brasília: CNTE: UnB: Laboratório de Psicologia do Trabalho, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 26 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

GATTI, Bernardete Angelina. Formação de Professores e carreira: problemas e movimentos de renovação. Campinas, SP: Autores Associados, 1997.

VIEIRA, Sofia Lerche (Org.). Gestão da Escola: desafios a enfrentar. Rio de Janeiro: DP & A Editora, 2002.