sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A SOLUÇÃO FINAL: MARCAS DA TRAGÉDIA


E, então, vieram as delações, os interrogatórios intermináveis, as prisões e os desaparecimentos. Fomos interrogados seis vezes durante uma só semana. O marido de _____ foi encontrado para depor e o mesmo não titubeou em denunciá-la como subversiva, mãe irresponsável e envolvida em encontros e guerrilhas clandestinas. Foi o que bastou para que _____ se apartasse de mim para sempre. Quanto a mim, o próprio jornal em que trabalhava foi extremamente sucinto: “Não passa de um reporterzinho de porta de cadeia!”. Reduzido, portanto, a um repórter anônimo, que fazia matérias sobre estupros, furtos, assaltos, pedofilia e violência doméstica, penso que os interrogadores não acreditavam que eu fosse perigoso para a sociedade.

Destruído por perguntas sem sentido e pelo fato de ter perdido _____ sem lutar, provocou-me enjoos insuportáveis e vômitos noturnos. O toque de recolher foi adotado há duas semanas. E, sabe-se que existem áreas de extermínio de andarilhos e de supostos delinquentes. A assepsia social agradou em cheio os senhores que desfilaram em nome da TRADIÇÃO, FAMÍLIA e PROPRIEDADE. Aos poucos, o comércio e as escolas foram reabrindo. Os hospitais destruídos pelos conflitos armados foram reconstruídos pelo exército. Os jornais que ainda circulavam exibiam a manchete em tons vibrantes: “ACABOU O CAOS! A ORDEM SOCIAL IMPERA!”. As fronteiras da cidade foram, paulatinamente, reabertas.

Os corpos incinerados ou jogados ao mar nunca puderam ser identificados. Com a extinção temporária dos partidos políticos, a Junta Militar governava com mão de ferro, assessorada por especialistas civis e servis. O número reduzido de estudantes nas escolas dava bem a medida da quantidade de crianças e jovens assassinados durante o período de limpeza social. O prefeito-predador relatava com orgulho: “O mal foi cortado pela raiz! Invés de permitir que mais delinquentes nasçam desta genética apodrecida dos miseráveis resolvemos eliminar todos no nascedouro! As pessoas de bem, acredito, estão do nosso lado!”. E, assim, resolvia-se o problema da distribuição de renda, da equidade social, da fome e do abrigo!

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