O
sociólogo Jessé Souza (1960-) na obra A
tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela
elite, tem como tese central a crítica contundente aos defensores do
economicismo e do culturalismo conservador. Para tal empreendimento analítico, Souza
afiança de que a gênese de determinadas ideias dominantes que circulam pelos
meios acadêmicos e pelo imaginário popular, vão se institucionalizando e
tornando-se ciências da ordem. Nesta direção,
o sociólogo não poupa de severas críticas autores como Sérgio Buarque de
Holanda, Gilberto Freyre e Raymundo Faoro, conhecidos como intérpretes do Brasil. Souza é taxativo ao afirmar que Buarque de
Holanda em sua obra Raízes do Brasil
na década de 1930, ao construir uma visão liberal conservadora da sociedade
brasileira – a partir de aporte teórico weberiano transplantado de forma
descontextualizada – acabou por reforçar o entendimento da
manutenção/permanência da desigualdade e da injustiça social em território
nacional.
A
tese do patrimonialismo, defendida
tanto por Buarque de Holanda quanto por Raymundo Faoro, segundo Souza, é
insuficiente para entender as relações concupiscentes que ocorrem entre Estado
e mercado. Afinal, quando existe corrupção no Estado há também corruptores no
mercado. Além disso, a ênfase de Faoro,
por exemplo, de que Portugal exercia uma dominação à distância no Brasil, então
a sua colônia, é compreendida por Souza como uma quimera ou uma ficção
histórica. Portugal no século 16, um pequeno país e pouco populoso, delegou
deliberadamente a terceiros a colonização das novas terras como imperativo de
continuidade de seu domínio territorial, genealogia, portanto, dos grandes
latifúndios e concentração de renda e poder. O sociólogo também destila
críticas ao antropólogo Roberto DaMatta, que estaria vinculado a um espontaneísmo teórico ou, grosso modo, a
uma reprodução do senso comum,
produzindo mais estereótipos do que, propriamente, uma gramática social
profunda da realidade concreta brasileira.
Por
outro lado, Souza denota respeito intelectual ao sociólogo Florestan Fernandes,
que teria compreendido com notável acuidade as dificuldades de adaptação e de
marginalização dos negros após a abolição da escravidão na segunda metade do
século 19, a partir de uma nova ordem social e econômica competitiva. Traz à
baila ainda as contribuições teóricas do sociólogo francês, Pierre Bourdieu,
especialmente no que se refere ao conceito de ideologia meritocrática que, num país periférico do capital como o
Brasil, oculta sistematicamente a produção social dos desempenhos diferenciais
entre os indivíduos, tornando possível que o desempenho diferencial apareça
como diferença de talentos inatos.
Jessé
Souza, por fim, considera que o inimigo comum a ser enfrentado é a tendência
racionalista e intelectualista muito dominante até os dias de hoje na Filosofia
e nas Ciências Sociais, ou especialmente no senso comum, cartesianamente
anacrônica em relação à vida prática e cotidiana. Há, assim, outras análises
subjacentes na obra de Souza que não foram aqui mencionadas e que cabe ao/à
leitor/a interessado/a desvendá-las, como as que dizem repeito à hierarquização
e institucionalização de práticas morais, assim como a eficácia do poder
disciplinar, acalcanhada numa concepção foucaultiana.
Acima
de tudo, Souza procura acender um debate para a reconstrução da teoria social
crítica, tanto no centro quanto na periferia dos países capitalistas. Na parte
final de sua obra, retoma assuntos da pauta cotidiana no Brasil, ponderando que
a corrupção no país é seletiva e arbitrária e de que o moralismo da classe
média sempre unificou, historicamente, o desprezo pela política em geral e a
busca por uma virtude ideal. Viveríamos, assim, numa pseudo-democracia
tutelada, vulnerável a golpes brancos
e argumentos pseudo-jurídicos, além
da instrumentalização da mídia. De fato, provocações e questões que estão na
ordem do dia!
PARA SABER
MAIS:
SOUZA, Jessé. A
tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela
elite. São Paulo: Leya, 2015. 272 p.
Um comentário:
Uma obra importante que nos ajuda a compreender, e muito, o momento atual do Brasil. Polêmica, provocativa, pois que analisa/critica os pilares da sociologia brasileira - Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Raymundo Faoro, além de outros intérpretes mais recentes, como Roberto da Matta.
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