quarta-feira, 29 de junho de 2011

SOBRE ESCOLAS E PRISÕES

Jéferson Dantas[1]

A configuração espaço-temporal em Florianópolis é assimétrica do ponto de vista social e econômico. O pacto urbano tem se esvaziado nestes últimos anos e a incapacidade de articulação das lideranças comunitárias, tem ocasionado um tipo de violência – por parte das políticas públicas – que ignora ‘o outro’, como se esse não fosse portador de discurso, apagando definitivamente o ‘litígio constitutivo da política’. Tal aposta no vazio político e o silenciamento das falas de dissenso são produtoras e reprodutoras da ‘violência legítima estatal’. Nesta direção, vão se cunhando todos os tipos de estereótipos possíveis em relação às comunidades empobrecidas e/ou periféricas naquilo que a antropóloga Janice E. Perlman denominou de ‘etnocentrismo da classe média’.
A maneira como vai se constituindo o estereótipo destas comunidades, isto é, a ideia subjacente de que as comunidades dos morros, favelas ou bairros periféricos abrigam em seus espaços de convívio sujeitos violentos ou propensos à criminalidade, não possibilita compreender que a violência é um fenômeno histórico, portanto, influenciado por questões econômicas, sociais e decisões políticas ou governamentais. Para a antropóloga Alba Zaluar, as relações que envolvem os trabalhadores assalariados e os narcotraficantes, por exemplo, são muitas vezes tênues e necessitam ser bem problematizadas, principalmente no que concerne à representação da categoria ‘trabalho’ por parte da juventude.
O conflito ‘trabalhador’ e ‘bandido’ parece estar alicerçado numa ‘ética do trabalho’, já que o/a trabalhador/a se vê superior aos narcotraficantes por conta de sua retidão moral. Os jovens traficantes, principalmente, parecem não se identificar mais com tal ética; não possuem nenhuma ideologia, ignoram a escola e se preocupam tão-somente com um poder fugaz, bárbaro e narcísico. Por outro lado, o policial treinado vigia, controla e reprime as classes definidas a priori como perigosas, reforçando o espelho negativo das comunidades empobrecidas em forma de mais violência, já que elas representam o inimigo que precisa ser combatido.
No conjunto das forças sociais em litígio, a anomia é utilizada como pretexto favorito pelas políticas públicas ineptas, que ao adaptarem seus discursos a um controle repressivo e excessivo dos ‘desvalidos’, defendem de forma escamoteada a responsabilização penal para a juventude delinquente. No atual contexto em que o movimento docente catarinense luta por sua dignidade e melhores condições de existência, escolas e prisões parecem expressar com viva transparência como trajetórias e experiências humanas podem ser destruídas pelo abandono e ausência de projeto estatal. Escolas e prisões comportam-se como instituições autofágicas, deseducadoras, lugar permanente de conflito. E isto tudo não se dissocia do caráter burlesco com que as agências tecnoburocráticas governamentais têm agido diante destes enormes desafios em Santa Catarina.   




                                                     


[1] Historiador e Doutorando em Educação (UFSC). Articulador e consultor pedagógico nas escolas associadas à comissão de educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz na cidade de Florianópolis/SC. E-mail: clioinsone@gmail.com.

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