segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Cinema Político


O cinema político no Brasil

Jéferson Dantas



O filme de Sergio Rezende, Zuzu Angel (2006), consegue nos despertar de certa sonambulia em tempos de despolitização, violência generalizada e ausência de solidariedade. Com extrema sensibilidade, Rezende e toda a equipe técnica de produção, levam-nos aos subterrâneos da repressão militar no Brasil durante a década de 1970. Amargas reminiscências de um período histórico tão presente e assustadoramente brutal. Arrogância e poder sem limites das Forças Armadas, com seus torturadores de plantão e práticas de suspeição em todos os setores sociais. Imprensa amordaçada, artistas exilados, estudantes presos e espancados. Tudo com a conivência do Tio Sam, o ‘grande irmão’ da América.

Rezende é um dos poucos cineastas brasileiros comprometidos com o chamado ‘cinema político’ (talvez a expressão ‘cinema engajado’, não seja a mais apropriada). Remexer as feridas de uma ditadura que acabou ontem não é tarefa simples. Quantos pais tiveram seus filhos presos, torturados e assassinados pela repressão e nunca puderam enterrá-los? E, os que sobreviveram aos eletrochoques, paus-de-arara e outras ‘tecnologias’ de tortura, convivem com os fantasmas dos torturadores, inevitavelmente. Num Estado de exceção, setores conservadores da igreja católica e do empresariado nacional que engordou seus bolsos à custa das benesses dos anos de chumbo, tudo era permitido em nome da segurança nacional. A humilhação, a despersonalização de homens e mulheres envolvidos com a militância política, era tratada de forma meticulosa pelo aparato repressor; era fundamental ainda que os(as) torturados(as) confessassem até o que não sabiam, que chegassem ao limite de sua sanidade física e mental.

Zuzu Angel foi um exemplo de luta pelos direitos humanos em nosso país. Uma mulher que criou três filhos numa época em que ser ‘desquitada’ era sinônimo de ‘mulher à-toa’; que teve um filho assassinado pela repressão militar e foi até às últimas conseqüências para descobrir o seu paradeiro; que enfrentou os júris militares cênicos até ser assassinada em 1976. Talvez para boa parte da classe média brasileira, os tempos auriverdes sejam lembrados como de respeito à pátria, de sensação de segurança e combate aos subversivos. Para mulheres e mães como Zuzu Angel – e aqui uma referência às mães da Praça de Maio na Argentina –, o gosto amargo da ditadura não lhe tirou apenas um filho, violentamente. Antes, porém, deu-lhe uma consciência política e um poder de mobilização que muitos não tiveram coragem de fazer naquela época. Como até hoje não fazem.