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No recente livro do jornalista britânico, Matthew D’Ancona,
discute-se os efeitos nefastos da pós-verdade
e o que isso pode implicar em termos anticivilizatórios em países periféricos
do capital, com baixíssima escolarização básica e extrema desigualdade social,
como é o caso do Brasil. D’Ancona procura investigar o ‘valor declinante da
verdade’ e a difusão perniciosa do relativismo ‘disfarçado de ceticismo
legítimo’. Isso tem ocasionado a circulação em larga escala de falsificações ou
manipulações grosseiras de acontecimentos históricos, a pseudociência médica e
a ideia grotesca da ‘ciência como conspiração’ em vez de um ‘campo de
investigação capaz de mudar o mundo’, nos termos de D’Ancona.
A difusão desonesta das fake
news ou daquilo que se convencionou chamar de pós-verdade coloca em xeque a racionalidade, sendo substituída pela
emoção, onde as disputas políticas já não são mais necessárias e a ciência é
tratada com suspeita e/ou total desprezo. A ‘resignação cognitiva’ retira de
cena a ponderação racional dando lugar à convicção arraigada, como foi o caso
da operação lava-jato no Brasil que, a esta altura, já deveria estar totalmente
desacreditada pela opinião pública. Stephen Bannon na condição de
estrategista-chefe de Donald Trump, apoiado por supremacistas brancos,
compartilham a noção de que a ‘verdade é aquilo que você entende dela’, ou
entre outras palavras, a doxa está
acima da episteme!
Em tal conjuntura em que personalidades populistas autoritárias
assumiram o poder executivo em várias partes do mundo é de se supor que o
jornalismo teria como objetivo ‘revelar a complexidade e o paradoxo da vida pública
e – o mais importante de tudo – regar as raízes da democracia com um
fornecimento constante de notícias confiáveis’. Contudo, a mídia, sobretudo a
tradicional hegemônica, vem perdendo cada vez mais credibilidade (vide a sua
conivência com o golpe de 2016 em nosso país). Os populistas autoritários
procuram simplificar tudo, descontextualizando questões complexas para que as
mesmas fiquem, deliberadamente, sem respostas.
Em síntese, D’ancona reconhece que as ideias pós-modernas foram
importantes alavancas para a instauração da era da pós-verdade, tendo em vista
que o ‘pós-modernismo foi e é uma campanha teórica que apelou à esquerda
desiludida, ansiando decifrar um século em que as antigas certezas da vanguarda
marxista [aparentemente] tinham se esfarelado diante dela. Muitas vezes
incompreensível em sua terminologia e inquietação intelectual seus
protagonistas principais se esforçaram para encontrar uma nova política de
emancipação social em meio aos escombros’. Os pós-modernos forneceram a
artilharia ‘teórica’(?) necessária que deu prestígio aos cínicos elegantes,
tornando-se uma mera ferrugem sobre o
metal da verdade, conforme expressão utilizada por D’Ancona.
São tempos em que a indiferença é o maior desafio para aqueles que
defendem a verdade. É uma longa batalha. O terreno foi até agora fértil para os
populistas autoritários. A desigualdade social, a falta de moradias, educação e
saúde públicas precarizadas, ausência de trabalho formal, não podem ser
enfrentadas com discursos pífios ou provocações rasteiras pelas redes sociais. O maior ardil empregado pelos perversos autoritários que governam países
como o Brasil é de que é possível resolver questões complexas com respostas
simplificadoras. Nas periferias brasileiras a pobreza é combatida por meio de o
extermínio dos pobres; a educação pública e seus professores são igualmente
desqualificados e combatidos como ‘doutrinadores ideológicos’. Há de se dar
limite à sanha de um governo que ataca a população mais vulnerável,
socialmente. A prática do extermínio dos pobres é uma das faces fascistizantes
do governo que aí está, com a conivência de muitos e muitas que,
contraditoriamente, também são afetados diretamente por tais práticas. A razão
necessita dar balizas à emotividade parva que assola este país!
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