sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Por uma educação estética



Por Jéferson Dantas

Num mundo cada dia mais embrutecido, onde as relações humanas estão coisificadas, a educação estética pode servir de alento no sentido de dar visibilidade às diversidades sociais. O ensino formal brasileiro, via de regra, tem se mostrado ineficiente na formação de estudantes que apresentam diferentes formas de aprender e de se expressar. Um currículo engessado, essencialmente disciplinar, eurocêntrico, onde os educadores exercem uma prática pedagógica notadamente focada em sua área de conhecimento, não tem possibilitado um diálogo mais horizontal e, portanto, menos excludente, entre educadores e educandos.



Para a educadora Graciela Ormezzano, a educação estética procura priorizar a imaginação, o lúdico e “o amplo espectro da estética do cotidiano que considera o design, a arquitetura, o artesanato, a música popular, a comunicação audiovisual e a arte da rua, assim como todos os estilos de sociabilidade”. Nesta direção, a estreiteza curricular do ensino formal, esmagada por uma avaliação certificativa e que atende, sobretudo, parâmetros burocráticos, as subjetividades são anuladas e descartadas do universo escolar. Tal análise torna-se ainda mais dramática no ensino formal noturno, onde é comum salas de aula esvaziadas, professores desmotivados e estudantes desmobilizados na relação com os diferentes saberes. A situação em tela, todavia, é muito mais complexa, pois exige formação continuada de qualidade aos educadores e a ressignificação do espaço-tempo no ambiente institucional de ensino, ainda bastante contaminado pela “lógica da fábrica” (customização das tarefas escolares, temáticas estanques e controle da ‘produção’).



A educação estética está longe de ser a panacéia para todos os males educacionais brasileiros. Entretanto, a arte pode minimizar as variadas carências afetivas e cognitivas de crianças e jovens em situação de risco social; ressocializar adolescentes marginalizados por um modelo econômico pautado na competitividade e no consumo exacerbado; recuperar a auto-estima de jovens mulheres violentadas; enfim, fazer da educação estética uma possibilidade de ressignificação da vida. Afinal, ninguém nasce bandido ou santo, como bem assinalam os educadores Pablo Gentili e Chico Alencar. Assim, continua sendo o objetivo maior da educação formal pública brasileira e de todo ato educativo ‘humanizar os homens’, como bem nos alertava a filósofa Hannah Arendt e o educador popular Paulo Freire.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Educação catarinense em alerta!




Por Jéferson Dantas


Os mais de vinte mil afastamentos médicos ocorridos no magistério catarinense, só em 2005, revelam os danos psíquicos provocados a estes/as profissionais devido às más condições de trabalho, salários indignos e carga de trabalho extenuante. Dentre as causas mais freqüentes do adoecimento docente, encontram-se: depressão, síndrome do pânico, síndrome de burnout, doenças cardiovasculares, estresse, etc.. Todavia, como se não bastasse a evidência das doenças laborais sofridas pelos/as educadores, - o que atinge, sobremaneira, sua estima e a própria identidade profissional – a Secretaria de Estado da Educação e outras instâncias burocráticas do aparato educacional catarinense, têm colocado em xeque a veracidade de tais afastamentos por atestados médicos. Nas entrelinhas, gerentes regionais de educação, secretários, diretores, especialistas (a lista hierárquica é imensa) duvidam tacitamente dos médicos que estão diagnosticando os/as educadores/as; ou seja, os/as trabalhadores/as em educação estariam fazendo ‘corpo mole’ para não irem ao trabalho.



Ao não reconhecer as mazelas estruturais que atingem a educação pública catarinense, a Secretaria de Estado da Educação se investe de uma postura prepotente, autoritária e antidemocrática. Apenas para dar um exemplo, a Comissão de Educação das Escolas do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC) que atendem, principalmente, crianças e jovens em situação de risco social em Florianópolis, tem sido atacada e ameaçada, sistematicamente, pela Secretaria supracitada, numa demonstração de inabilidade no trato da coisa pública. Os diretores eleitos democraticamente por sua comunidades escolar e local convivem com o fantasma da exoneração e do assédio moral, algo inadmissível em se tratando de um bem comum como é o caso da educação.



A permanência de tal comportamento do poder público no que tange à educação catarinense contribui muito para o desgaste dos/as que estão empoderados/as na máquina tecnoburocrática. Os diálogos inexistem. As decisões são verticalizadas. A CE/FMMC tem sido hostilizada nas reuniões administrativas promovidas pela Secretaria de Estado da Educação. Num Estado que se diz democrático, os dissensos e as opiniões divergentes fazem parte de tal embate. São, justamente, nos conflitos, que se estabelecem soluções alternativas e possibilidades que beneficiem a maioria. Entretanto, se os mecanismos de controle estatal servem tão-somente para reprimir, calar as vozes discordantes, a sociedade civil precisa estar devidamente organizada e pronta para os desafios que se apresentam no dia-a-dia.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Por que Chávez incomoda?




Por Jéferson Dantas


Hugo Chávez, presidente da Venezuela, tem ganhado a cena internacional com seus arroubos. Na reunião da cúpula ibero-americana ocorrida recentemente no Chile, foi ofendido com um sonoro ‘cala-boca’ pelo até então fleumático monarca da Espanha, Juan Carlos. Os adjetivos relativos à Chávez são inúmeros: ‘projeto de ditador’; ‘prepotente’; ‘arrogante’; ‘populista terceiro-mundista’; ‘bufão’; ‘caudilho’, etc.. Ainda que pese sobre o presidente venezuelano todos os adjetivos pensáveis e impensáveis, não há como negar as questões de fundo histórico suscitadas pelo mesmo, principalmente às que se referem à espoliação e/ou exploração das grandes potências européias no continente americano ao longo de séculos. É muito confortável que determinados congressistas brasileiros, ex-colaboracionistas da ditadura militar e, atualmente abrigados sob a égide da democracia, critiquem Chávez. Afinal, sua liderança pressupõe um ataque franco ao imperialismo estadunidense, algo que só Fidel Castro em Cuba era capaz de sustentar politicamente.



Não é o caso aqui de defendermos a política externa de Chávez ou de julgarmos seu comportamento numa perspectiva maniqueísta infantil. Se George Bush foi capaz de passar por cima da ONU e assassinar milhares de iraquianos e afegãos em ‘nome da democracia’ e gastar bilhões de dólares com armamentos, por que tal julgamento recairia apenas no ‘populista’ Chávez? A tão saudável democracia liberal defendida pelas lideranças latino-americanas não tem resolvido a contento o fosso entre os miseráveis e opulentos. A violência estrutural grassa o território latino-americano, num misto de desencanto e indignação social desarticulada. As questões ideológicas foram cinicamente incineradas e o desprezo à coisa pública arremessa cada vez mais os poderes republicanos constituídos na lama. Não por acaso, os mass media exploram com requintes de perversidade o ‘espetáculo da tragédia’. De um mundo mutilado pela desrazão, faz-se a manchete do dia seguinte. E Chávez é um prato cheio.



Vivemos um período histórico tão esquizofrênico, que até mesmo uma ofensa entre representantes de Estado, torna-se mercantilizável. E é, justamente, nesta sociedade de consumo, autofágica, neurótica e impotente coletivamente, que os/as representantes do povo articulam seus projetos individuais e a permanência parasita na cena política. Não precisamos que nos digam quem são os opressores e os oprimidos além de nossas cercanias. Tal desafio requer um posicionamento político coletivo capaz de discernir as opções de classe e os/as que defendem o status quo vigente; acima de tudo, exige compreensão histórica das lutas sociais, que continuam promovendo os dissensos e as denúncias de injustiça, para que, enfim, anuncie-se a igualdade entre os humanos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

GTPE DA APUFSC SE POSICIONA SOBRE ADESÃO AO REUNI


Senhores Conselheiros,


O modelo inscrito no Reuni atenta contra o conceito de universidade consignado na Constituição de 1988 (“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”). Para o cumprimento das principais metas de relação aluno-professor de 18/1 e diplomação de 90% dos ingressantes num período de 5 anos, será obrigatória uma reestruturação dos cursos para preencher vagas ociosas em qualquer etapa e disciplina dos cursos, ou pelo menos de alguns. A criação dos Bacharelados Interdisciplinares com certificação em três anos será praticamente obrigatória. Talvez a forma de acesso aos cursos profissionalizantes possa se dar em grande medida a partir dessa modalidade de curso, pinçando-se alunos para preencher vagas ociosas em todas as fases. Será que a reestruturação que acabamos de iniciar já está defasada? Será que ao discutirmos e mantermos pré-requisitos estamos na contra-mão da modernidade?


Toda a estrutura da universidade estará comprometida em atingir metas limitadas ao ensino em troca de míseros 20% a mais de sua verba de custeio. Se acreditamos, como preconiza o decreto, que há ociosidade de estrutura e pessoal, então não haverá problema em aderir ao Reuni, porém a ansiedade em aderir ao programa mostra tão somente a necessidade de verbas para ampliação de infra-estrutura e equipamentos que faltam agora, antes da expansão. Os 20% da verba de custeio que estão sendo negociados com a universidade são para aumento de vagas com estabelecimento de contrapartidas, portanto excluem as atuais necessidades. O Banco de Professor-Equivalente, ao contrário de incentivar o preenchimento das vagas abertas por vacância, vem efetivar a figura do substituto como horista, prejudicando o tripé ensino-pesquisa e extensão que caracteriza e qualifica a universidade pública brasileira.


O governo trata a educação como uma fábrica de certificados que necessitaria ter sua produtividade incrementada e, para se tornar um bom negócio, seus custos de produção reduzidos. A meta do governo é a de reduzir o custo médio anual do aluno de graduação dos quase R$ 6 mil e quinhentos investidos atualmente para R$ 4 mil. Para obter isso, ele precisa redefinir a forma de remuneração dos “recursos humanos”, em particular dos docentes. Eles terão que ser incentivados a darem mais aulas e para um número maior de alunos.


Na reunião do Andes com o Ministério do Planejamento do último dia 18 de outubro, o governo apresentou a proposta de criação de uma nova gratificação produtivista, mas agora aprofundando o modelo Bresser/ FHC: 20% de avaliação individual e 80% de avaliação institucional. O que dá para depreender disso é que teremos o fim da isonomia salarial nacional mesmo para os professores da ativa, já que a nota da instituição vai definir o salário dos docentes nela lotados. É fácil perceber que o principal quesito nesta avaliação será o atendimento ou não das metas do Reuni. As instituições que não atingirem as metas terão seus docentes punidos salarialmente.


Para receber quantidade elevada de pontos na gratificação, não bastará ao professor dar muitas e muitas aulas, será preciso que seu departamento, seu curso, sua universidade, alcancem bons resultados, nas metas definidas pelo Reuni. Lembremos que as metas não se limitam a quantidades de alunos, mas também de certificações. Portanto, no limite, a remuneração do docente dependerá também da redução da evasão e dos índices de conclusão dos cursos. A reprovação de alunos poderá ser sentida no bolso dos professores. O governo impõe a diplomação sem mérito acadêmico. Para atingir esse objetivo, busca uma fórmula para obter pelo “bolso” a cumplicidade dos professores. Esse envolvimento dos docentes, pretendido pelo governo, levará à degradação da qualidade do ensino.


É importante observar que a elevação anual dos valores do ponto da gratificação, expressa nos parâmetros apresentados pelo governo, tem por objetivo assegurar as etapas de implantação do Reuni. A cada ano, a parcela da remuneração que depende do desempenho assumirá proporção maior em relação aos demais componentes da remuneração: o vencimento básico e a titulação – esta última tornada fixa e que poderá ficar com valor congelado por longo tempo.


Aderir ao Reuni significa abrir mão da universidade que temos, que, se tem problemas, estes não serão resolvidos com a adesão a este programa. Ao contrário, a expansão sem garantia de financiamento suficiente, desvinculada da recuperação da estrutura atual, e colocada como condição para a recuperação salarial dos professores, levará ao agravamento dos problemas, impondo inclusive uma maior competição entre os centros, em uma mesma universidade, e entre elas em todo o sistema federal de ensino superior. É preciso que todos os professores sejam alertados sobre todas as conseqüências desse projeto. Na atual negociação entre Movimento Docente e governo está em jogo, também, o futuro das condições para o exercício do trabalho docente e o futuro da universidade fundada no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.



Magaly Mendonça, Bartira C. S. Grandi, Sandra Mendonça, César de Medeiros Régis, Jéferson Dantas, Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais (GTPE) da Apufsc-Seção Sindical do Andes.