Num pequeno livro de caráter militante (Contrafogos), o sociólogo
francês, Pierre Bourdieu (1930-2002), demonstra em pequenos artigos como os
regimes neoliberais – compreendidos como uma 'utopia' de uma exploração sem
limites – têm conseguido desmantelar todos os serviços públicos oferecidos à
sociedade. Bourdieu assinala que a individualização dos salários em função de
competências individuais, têm gerado continuamente a degradação e a atomização
dos trabalhadores. Ressalta ainda o sociólogo, que vivemos um período dramático
de 'crise de militância' ou, na pior das hipóteses, uma adesão irrefletida às
teses do fatalismo econômico determinada pelos governos neoliberais.
De fato, as políticas públicas no campo educacional têm sido definidas
por certos economistas que infestam os noticiários televisivos na condição de experts,
revestidos de uma racionalidade matemática/financeira, que objetiva a
produção e a reprodução da utopia neoliberal; lidam com números frios e
calculistas, comparando escolas públicas e escolas privadas, como quem coteja
empresas indiferenciadas na corrida insana pelo lucro; tratam escolas e
professores de forma homogênea, prestigiando os ranqueamentos educativos em
detrimento da ausência de investimentos permanentes e públicos na formação
docente e na reestruturação do parque escolar nacional. Estes economistas
reagem mal aos inconformados, utilizando-se da pureza racional e cínica,
tipicamente emoldurada pela lógica capitalista, subservientes que são de um
modelo que ajudaram a construir e pelo qual são os seus mais aguerridos
defensores.
Florestan Fernandes (1920-1995), prestigiado sociólogo brasileiro, sempre
acreditou na militância pela escola pública como alternativa a um modelo
pedagógico dualista e profundamente desigual, via de regra, fomentador de uma
classe apta a obedecer e ser explorada e uma classe proprietária dirigente.
Florestan argumentava que os professores das escolas públicas tinham uma
responsabilidade cívica e intelectual com aqueles que mais precisavam da
escola, e isso significava ir além de uma crítica epidérmica e reprodutivista
da sociedade capitalista, da qual a escola é um de seus reflexos. Espaços
escolares despolitizados e com trabalhadores em educação desmobilizados são
terrenos férteis para a aceitação tácita da utopia neoliberal. Logo, a 'crise
da militância', apontada por Bourdieu, nada mais é do que a crise do debate
político nas escolas e para além delas, o que denota a pouca clareza de um
projeto educativo que avance para além do capital.