No
filme argentino A História Oficial,
de Luis Puenzo, produção de 1985 e ganhador do Oscar de melhor filme em língua
estrangeira, o tema se volta ao período do regime militar naquele país,
tratando de questões espinhosas, tais como o sequestro de crianças de pais e
mães torturadas pelas mãos do aparato militar. Em nosso país, a fronteira que
nos separa do regime militar (1964-1985) e o recente período de
redemocratização, ainda apresenta sérias e consequentes cicatrizes, anestesiadas
pela nefasta Lei da Anistia de 1979, que beneficiou, mormente, os torturadores.
No
momento em que o Brasil retomou o Estado Democrático e de Direito, houve uma nítida
manobra do último governo militar em evitar julgamentos e condenações de
militares e civis mancomunados com o Estado de Exceção; os atentados às
liberdades individuais precisavam ser sumariamente esquecidos, como se fosse
possível apagar da memória coletiva tantas atrocidades e o desaparecimento de
centenas de corpos de militantes políticos. Os processos de escolarização foram
totalmente demolidos no que concerne à sua autonomia curricular e às práticas
pedagógicas vigentes antes do golpe; primeiramente, por meio da mal fadada Lei
5.540/1968, responsável pela reforma das universidades públicas, que se
traduziu na departamentalização e burocratização da vida universitária,
dissociando os centros de ensino e estabelecendo um modus operandi voltado ao individualismo e à ausência de ‘traços
ideológicos’ em seus diferentes modelos formacionais; e, posteriormente, pela
Lei 5.692/1971 – que passou a reger legalmente o ensino de 1º e 2º graus –,
trazendo em sua composição curricular disciplinas nitidamente voltadas ao
civismo, submissão às regras e amor ao país, como eram os casos das disciplinas
de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil.
Negar
à sociedade brasileira a abertura dos arquivos da ditadura militar é sonegar uma
parte fundamental de nossa História. A passividade com que se tratou o tema até
o momento encontrou, finalmente, o seu ponto de inflexão. Para os que acreditam
não ser necessário mexer nas feridas do passado, importante se ressalvar que a
cultura autoritária ou a cultura da arbitrariedade é um fenômeno político ainda
presente em nosso país. Não se destrói uma experiência ditatorial com uma pá de
cal e/ou uma Lei de Anistia canhestra. Trazer à tona este período histórico do
Brasil é reconhecer que ainda precisamos reescrever inúmeras páginas dos livros
didáticos de História e fomentar o debate com as novas gerações de estudantes,
nascidas e criadas num contexto de ampla liberdade de expressão à custa de
tantas vítimas massacradas pelo Estado Militar. Não temos de nos orgulhar da
‘passividade do povo brasileiro’, vista tantas vezes como uma qualidade e menos
como alienação política. Aos poucos se recuperará o que foi deturpado
historicamente e a sociedade brasileira terá condições de vislumbrar o seu
devir convicta de não ter permitido que a sua memória e identidade fossem
aniquiladas pela mão de ferro dos ditadores e de seus acólitos que ainda
perambulam por aí.