O sociólogo francês
François Dubet (1946-), na obra Injustiças:
a experiência das desigualdades no trabalho traça uma importante análise
investigativa sobre a percepção dos/as trabalhadores/as dos mais diferentes
ofícios, sobretudo na França, no que concerne a três princípios de justiça
considerados fundamentais no mundo do trabalho: 1) igualdade; 2) mérito e 3)
autonomia. Para Dubet, a “injustiça se beneficia de uma espécie de primazia
existencial que se remete a justificativas, argumentações, generalizações, das
quais emergem princípios de justiça, que criam ou sustentam os sentimentos de
injustiças”. Enfatiza ainda o sociólogo da educação de que a massificação
escolar não foi capaz de reduzir as desigualdades sociais ou econômicas, num
cenário de desvalorização e simplificação dos diplomas escolares, realidade que
não se restringe ao país europeu.
As desigualdades no
mundo do trabalho seriam cada vez mais múltiplas a ponto de se considerar que
há determinadas ‘desigualdades justas’, por mais contradições que isto possa
expressar. Logo, considerando os três princípios de justiça acima assinalados,
Dubet considera que a igualdade no
mundo do trabalho passa por complexos níveis hierárquicos, que servem como
mecanismos de contenção das diferentes classes a uma possível ascensão na
carreira profissional. Tal hierarquização nos diferentes ofícios é simbólica e
‘aristocrática’, porque segundo a perspectiva dos próprios trabalhadores a
“divisão do trabalho muda precisamente o grau de dignidade das atividades: no
topo a ciência e a técnica, na base o sofrimento”. Além disso, e nada mais
atual, os processos migratórios recorrentes nas fronteiras europeias também têm
elevado as disputas por postos de trabalho, já que os trabalhadores
precarizados da África Central, especialmente, submeter-se-iam a condições mais
degradantes do que os trabalhadores nativos.
As mulheres também
se ressentem por serem mais mal pagas e terem menos acesso aos postos de
responsabilidade e, por conta disso, mais expostas ao desemprego e à
precarização. O sotaque ou os estereótipos associados às diferentes raças também
são elementos de discriminação e de desigualdades no mundo do trabalho.
No que concerne ao mérito, Dubet demonstra que em âmbito
escolar o mesmo não é distribuído de maneira aleatória e que, frequentemente,
trata-se apenas da transformação de determinações sociais em talentos pessoais.
A escola, nesta direção, continua sendo “a grande máquina de distribuição das
desigualdades legítimas”. Na percepção dos trabalhadores, o mérito não é
somente impedido pela “influência dos estatutos e posições adquiridas”, mas ela
se confronta diretamente com as relações de trabalho e o poder dos chefes, que
“distinguem indivíduos partilhando a
priori posições e tarefas idênticas”.
Já o princípio da autonomia seria a satisfação subjetiva e
social da liberdade do trabalhador, compensada pela criatividade em seu
ambiente de trabalho. Em síntese, Dubet distingue que se a “igualdade é um
postulado ontológico, o mérito uma regra aristocrática, a autonomia é de natureza
ética, ela não repousa nem sobre um postulado relativo à natureza humana, nem
sobre um cálculo das utilidades, mas sobre uma relação de si para consigo”. A
autonomia expressa, assim, um princípio de engajamento do sujeito em seu ofício,
que caso seja negado, fere a autonomia e a dignidade do trabalhador, levando-o
ao adoecimento crônico.
A ampla e densa
pesquisa de François Dubet, da qual extraímos apenas a primeira parte, revela
ainda nas narrativas dos trabalhadores uma frágil compreensão da importância da
luta de classes, ainda que os sentimentos controversos de injustiça sejam
percebidos por quase todos os trabalhadores entrevistados. Isto pode denotar
que vivenciamos um consenso preocupante assentado na ‘adaptação social’ num
mundo perversamente ‘desigual’. Uma alternativa à lógica do capital,
aparentemente, torna-se mais restrita e quimérica, diante dos avanços
preocupantes da xenofobia em todos os setores da sociedade. Nunca a classe
trabalhadora foi tão protagonista e tão exacerbadamente explorada como nos dias
atuais, ou nas palavras de Dubet, ainda que os trabalhadores disponham
livremente de sua força de trabalho (do qual são proprietários) numa sociedade
democrática liberal, as desigualdades de suas posições na divisão do trabalho
se determinam por ‘habilidades’ e ‘competências’ cada vez mais difusas.
PARA SABER MAIS:
DUBET, François et. al. Injustiças:
a experiência das desigualdades no trabalho. Traduzido por Ione Ribeiro
Valle e Nilton Valle. Florianópolis: EDUFSC, 2014.